terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Contexto

   Enquanto a figura esguia lentamente desaparecia no horizonte nublado, buscando apagar os rastros de seu crime, a terra já tratava de devorar sua vítima. O vil solo, úmido de chuva, sujara as peças de pano fino e as jóias de ouro atadas a carne do pescoço do cadáver mal enterrado. Cadáver este que jamais terá a oportunidade de aprender a sua lição: pague seu assassino de aluguel.

sábado, 2 de dezembro de 2017

Eu serei verdadeiro

Poema de Howard. A. Walter (traduzido por mim):

Eu serei verdadeiro, pois há aqueles que confiam em mim;
Eu serei puro, pois há aqueles que se importam;
Eu serei forte, pois há muito o que sofrer;
Eu serei corajoso, pois há muito o que se desafiar.

Eu serei amigo de todos - dos inimigos, dos sem amigos;
Eu doarei, e esquecerei as recompensas;
Eu serei humilde, pois eu conheço minhas fraquezas;
Eu olharei para o alto, e rirei, e amarei e me elevarei.

Eu serei leal em todos os momentos;
Eu estarei em constante contato com Deus;
Eu serei forte para seguir aonde Ele me levar;
Eu terei fé para me manter no caminho de cristo.

Quem está tão baixo que eu não possa ser irmão?
Quem está tão alto que eu não tenha um caminho para ele?
Quem é tão pobre que eu não possa sentir sua fome?
Quem é tão rico que eu não possa sentir pena?

Quem está tão machucado que eu não possa sentir sua mágoa?
Quem canta de forma a alegrar meu coração que não possa eu compartilhar?
Quem no céu de Deus está além da minha visão?
Quem no profundo inferno eu não posso cobrar?

Que ninguém, então, me peça compreensão,
Que ninguém, então, me procure por ajuda quando em dor,
E que beba sozinho seu amargo copo de tristeza;
Ou que descubra que suas batidas no meu coração foram em vão.

Quando me perguntam sobre depressão

Pessoas deprimidas se tornam muito egoístas por causa da doença - e estamos nessa sociedade lotada de deprimidos. Nós colocamos esses objetivos impossíveis na nossa vida e encarregamos outras pessoas de os atingir em nosso lugar. Temos comportamentos kamikaze e esperamos que todos consigam lidar bem com isso. Quando os outros exercem o direito da inconformidade com as nossas atitudes, eles ainda tem que lidar com esse encargo na consciência, de que sua liberdade deixará o deprimido desolado e potencialmente suicida. Esse comportamento depressivo alia os outros a também o serem, nós plantamos nos saudáveis a semente da tristeza, e assim contaminamos a todos. Tenho pena dos poucos que tem a mente saudável, porque são estes que precisam lidar com as angústias daqueles que estão tristes por estarem tristes. Por essas razões eu prefiro esconder minhas tristezas e por isso também, prefiro isolar o meu real eu.

terça-feira, 7 de novembro de 2017

O maníaco depressivo

Você já cruzou uma esquina e imaginou que uma corda enlaçou seu pescoço e o içou bem alto? Eu imagino.

Ando na rua torcendo para ser atirado, fatalmente, contra o asfalto, por um carro em alta velocidade. Passo debaixo das árvores esperando, ansioso, que um galho caia e divida o meu crânio em dois. Vivo querendo deixar de viver, mas me falta peito pra isso.

Espero que o acaso dê conta de fazer o serviço sozinho, pois me pergunto até quando vou me segurar.

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Você acredita em pessoas ruins?

Talvez eu seja muito inocente, talvez eu precise ganhar mais experiência nessa vida, mas, até agora, nunca me deparei com uma pessoa verdadeiramente ruim - sim, mesmo estas figuras históricas notavelmente reconhecidas como ruins.
O conceito de "pessoa má" é nebuloso, ninguém sabe direito o que é, mas todo mundo tem muita certeza sobre quem possui essa característica, nessa mesma linha segue o meu raciocínio acerca de “ato mal”. Essas definições são baseadas na moral pessoal de cada um, elas não são uma verdade universal e imutável. As pessoas se baseiam muito no que acreditam ser o certo e, mesmo que elas achem que o que estão fazendo não seja o moralmente correto pra sua época, elas ainda tentam se justificar – e exemplos disso se vê aos montes.

Em tempos de necessidade a sociedade se transforma completamente, durante a era nazista muitos dos cidadãos “de bem”, em face da época, passaram a agir como os “maus”, a agir do que, hoje, no conforto de uma era de paz, percebemos como mal. No apartheid essa inversão do que é “certo” e “errado” também aconteceu. 

O que esses fatos tem em comum, e em comum com tantos outros, é que as pessoas agiram “errado” para se preservarem, porque acreditavam estarem certas e até mesmo pelo prazer de verem o caos. Nas primeiras duas alternativas é mais simples perceber as suas motivações, elas queriam sobreviver, em razão de seu instinto de sobrevivência, e/ou elas sentiam que aquilo que defendiam era correto. A última alternativa, bem, ela é o que se conhece por “ato ruim” que só pode vir de uma “pessoa ruim”, afinal, ela gosta de ver o caos (!). Ocorre que este prazer imoral é humano, é o traço da nossa espécie que é mais humano: é o nosso lado animal. 

Assim, acho que a chave para entender o que é ser mal é a palavra “indiferença”. Esta pessoa “má”, eu concluo, é aquela que age por instinto, ela se guia pela recompensa da sensação de prazer, e é indiferente ao que é moral e ético. 

Nós, sociedade, não gostamos de indiferença, e um bom exemplo disso é o fato de criarmos deuses e termos crenças, por simplesmente não suportarmos a ideia de que o mundo não dá a mínima para a nossa existência. Nós odiamos o indiferente, nós o rotulamos como mal e camuflamos seu significado, pois nós queremos nos afastar da ideia de que somos assim, de que nascemos do indiferente e de que morreremos nele. Não queremos lidar com o fato de que o indiferente é irracional e incontrolável, é uma verdade estampada na nossa cara. 

Em suma, não queremos ser maus e nos afastamos de tudo que é indiferente, afinal, o pensamento majoritário é de que somente os animais, os insetos e os seres não civilizados, são indiferentes, assim pensamos, pois estes não possuem nossas regras, não possuem nossa sociedade, não são "complexos" como somos e são "inferiores" a nós, os vencedores da seleção natural. 

Além do mais, acho que a sociedade também usa esse personagem incerto, naturalmente ruim, que está sempre à espreita, como uma forma de não encarar o fato de que ela pode agir de forma contrária ao que vê como correto, como forma de não se perceber de maneira negativa. Todos somos capazes de praticar coisas "ruins", somos falhos, agimos por instinto, instinto este que nos acompanha desde o nascimento, que é passado de geração pra geração através de nossa herança genética, que veio do nada e que pro nada voltará. Não há "mal", assim como não há "bem", nós criamos ambas as ideias, apenas.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Meditação 17

“Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma. Todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um pedaço de terra for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido uma montanha ou a casa de um amigo, ou a tua própria. A morte de qualquer homem me diminui porque faço parte da humanidade. Por isso, nunca mandes indagar por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti.”

- Jhon Donne

Quando eu tinha Um-mais-Vinte

Quando eu tinha um-mais-vinte
De um sábio homem ouvi:
“Dê coroas e libras e guinéus
Mas não dê seu coração;
Dê pérolas e rubis
Sem, contudo, perderes teus ideais.”
Mas eu tinha um-mais-vinte,
Era inútil falar comigo.

Quando eu tinha um-mais-vinte,
 Mais um conselho dele ouvi:
“ O coração fora do peito
Nunca foi dado em vão;
Isso foi pago com muitos suspiros
E vendido por infindos pesares.”
E agora eu tenho dois-mais-vinte,
E Ah, isso é verdade, isso é verdade.


(Tradução minha)

sábado, 28 de outubro de 2017

Em outro lugar

  Talvez, num universo paralelo, eu esteja em outro lugar, nesse exato instante, de frente pra um outro computador, escrevendo um texto sobre como me sinto feliz. Muito provavelmente algo ruim tenha acontecido nesta realidade, que me impediu de estar onde eu sinto que deveria estar. Olho fotos e penso que eu deveria estar ali, sorrindo com aqueles sorrisos, que eu deveria conhecer essas pessoas. Me dá uma agonia muito grande perceber que estou enclausurada nessa minha situação terrivelmente monótona, sem alegrias.
  Nunca achei, de todas as pessoas que conheço, ser eu a única a não sair desta rua, desta casa, desta cidade. Eu já me arrependo grandemente de perceber que construí aqui uma vida sem escapatória. Vou morar aqui, nessa casa que vivo há quase 20 anos, por mais 10. Depois desse tempo, vou morar ali, dali duas quadras, com pouca ou nenhuma independência financeira.
 Alguma coisa deu errado. Eu deveria ter feito algo diferente, mas ainda não sei o que é. Talvez me faltou coragem em algum momento crucial nessa vida. Perdi de entrar em alguma porta, não atendi a felicidade, algo saiu do controle justamente porque eu não o assumi.
  É chato saber que essa vida aqui deixou de me surpreender aos 18 anos. Que daqui não saio e que daqui ninguém me tirará. Eu já sei o final da minha própria história.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Momento kawaii

Hey, eu sei que é difícil encontrar um filme/série de romance maneiro e que não é piegas (apesar que amor é uma coisa mto brega). Enfim, hoje acordei meio kawaii, por isso fiz uma singela lista das cenas mais bonitas dos romances que eu gosto, para aquecer corações.  :)

1. Romeu e Julieta (filme, 1968):

"Romeu: Se com minha mão pecadora eu tocar e profanar sua mão sagrada, aceito a penitência: então meus lábios, os dois humildes peregrinos, hão de apagar com um terno beijo o pecado de minha mão."

                                                Música ao fundo: What is a Youth

2. Romeu + Julieta (filme, 1996):





3. Capitú (2008; minissérie):

"Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca." 


Música ao fundo: Elephant Gun 


4. Stranger than Fiction (filme; 2006):


Música ao fundo: Whole Wide World



5. Comet (filme; 2014):



6. Alabama Monroe (filme):



7. Across The Universe (musical):




8. Before Sunrise, Before Sunset e Before Midnight (trilogia):



1º filme (1995)

2º filme (2004)


3º filme (2013)

9. LOVE (série):


10. Her



segunda-feira, 9 de outubro de 2017

O Grande palhaço Pagliacci!


Ouvi uma piada uma vez: Um homem vai ao médico, diz que está deprimido. Diz que a vida parece dura e cruel. Conta que se sente só num mundo ameaçador onde o que se anuncia é vago e incerto.
O médico diz: "O tratamento é simples. O grande palhaço Pagliacci está na cidade, assista ao espetáculo. Isso deve animá-lo."
O homem se desfaz em lágrimas. E diz: "Mas, doutor... Eu sou o Pagliacci."

Boa piada. Todo mundo ri. Rufam os tambores. Desce o pano. 

(Watchmen - Alan Moore)

Lúcido

Ando por aí sem saber se estou sonhando
Ando me perguntando 
se agora estou apenas imaginando

Ando ou imagino que ando? 
Não faz diferença
o que estou pensando

O sonho morre ao amanhecer 
a realidade morre ao anoitecer
e tudo morre junto, no final

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Toda história de amor é triste

Talvez por isso que eu goste dos romances. Eles são trágicos. Todos os namoros acabam, os romances acabam, os beijos e até a própria vontade de amar acabam um dia. Shakespeare grita pra que o amor dele seja eternamente lembrado, pra que o tempo não devore os sentimentos dele, tempo voraz! Mas ele vai. O tempo devasta tudo, devora as garras do leão, as lembranças, o ódio e o amor.

O formigueiro

 Eu tenho apenas esse defeitinho que não me deixa em paz: problemas em conviver com pessoas muito corretas - que nunca erram ou que o que fazem, pensam ou a forma como vivem é considerada correta de alguma forma pela sociedade.
 Talvez seja essa a razão do meu círculo de amigos ter diminuído tanto nos últimos anos. Afinal, uma boa parte do corpo social ao qual estou inserida é composta por gente com esse comportamento engomadinho.
 Sabe, não é que eu odeie essa galera nem nada, é só que eu me divirto com essas caricaturas de humanos. Esses seres andando de forma civilizada, se comportando como se fossem parte de algo importante. É como ver um documentário sobre um pequeno formigueiro: pessoinhas fazendo seu trabalhinho no escritórinho, ouvindo suas musiquinhas que falam sobre o amor ou cerveja, tirando suas fotinhos pro instagram, usando suas roupinhas e compartilhando mensagens de auto-ajuda em suas redes sociais, torcendo por curtidas e atenção que só Erich Fromm (pra variar) explica.
 O que eu quero, quando vejo esse tipo de gente, é pervertê-las. É deixá-las constrangidas. É plantar o caos, nem que seja um pouquinho. Gosto de vê-las saírem dos próprios eixos. ''Oh, céus, o meu umbigo não é o centro da galáxia! Existem outras pessoas além de mim e minha opinião não é uma certeza absoluta pro universo!!''. Quando a conversa rende, por milagre, é como se eu ouvisse todas as coisas que a tornaram o que são hoje racharem um tiquinho.
 Será que é arrogância da minha parte? Não é como se eu me sentisse superior e aparte desse tipo de comportamento. Ademais, me sinto um tanto esquizoide perto delas e acabo divagando quando percebo que estão com medo de entrar num assunto que não envolva o clima ou a vida de um terceiro que, na imensa maioria das vezes, nem sequer está lá para se defender.
 Não estou com vontade de me colocar num pedestal nem nada, falo mal das pessoas e converso sobre o clima, mas canso de ficar só nisso: fulano foi traído, o clima está uma loucura. Preciso de gente que reclame e que veja defeito no status quo e que não tenha medo de entrar num assunto polêmico ou desconhecido.
  A vida anda meio parada, não é não?

*Texto escrito em abril de 2015

domingo, 1 de outubro de 2017

Insegure-se

 É muita prepotência falar, pense mais consigo. Não se deve falar nada, em momento algum!
Por que, se você disser alguma coisa, corre o risco de virar chacota, de tropeçar nas coisas que pensa, errar na vírgula e dizer algo contrário ao pretendido.
 Veja bem, se for possível não escreva o que vem a sua mente ou faça muitas perguntas... Na verdade, o ideal é que você evite qualquer coisa relacionada a linguagem e simplesmente aceite a sua ignorância em silêncio, já que questionar muito ou escrever demais vai te fazer parecer uma criança de novo.
 Eu sei, isso é muito extremo, e por isso talvez você deva abrir uma exceção para não cair na falta de modos. Fale só quando te direcionarem a palavra, mas com moderação porque ninguém suporta um falador. Faladores são vistos como pessoas fúteis, e você não quer ser um desses, não é mesmo? O que você quer ser é um pensador, uma pessoa quieta e misteriosa, alguém que todos queiram conhecer melhor. E o segredo, meu caro, é não deixar que te conheçam, e muito menos que te desvendem. Entendeu?
 Pronto, esse será seu papel daqui pra frente e com ele garanto que você se dará muito bem.

*Texto de 29/10/2015

Platônico

Quanto mais afastado você se mantiver das pessoas, melhor. É mais simples lidar com a figura idealizada de um ser humano, do que ter que conhecer a fundo sua humanidade, a sua parte mais delicada, mais frágil.

É embaraçoso perceber que a imagem, antes santificada, é suja, defeituosa e carente de atenção. É mais embaraçoso ainda ter que se desvencilhar dessa situação - você se sente culpado. A culpa te deixa muito tempo no mar profundo que é a alma do outro, e quanto mais você permanece, mais estragos acontecem.

Saia enquanto é tempo.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

eu, Eu e os outros


  Aprendi muito cedo a administrar minhas emoções perto das pessoas. Acredito que duas ou três delas saibam sobre meu outro lado: o lado depressivo e de difícil convivência, a parte de mim que é a mais verdadeira, que é a que mais odeio e a que mais odeiam.

  Acredito que todas as pessoas possuem esses dois Eus, mas a diferença entre os meus é um pouco espantosa pra quem se aproxima muito de mim. Externamente, sou a pessoa que sorri, a pessoa que é calma, que lida com os estresses da vida. Quando estou próxima de outras pessoas, até eu acredito nesse Eu.

  Antes eu demonstrava minhas duas faces para o mundo, e ele, com razão, me odiava. Primeiro porque eu posso me irritar muito, muito, muito, muito facilmente, porque falo demais, tenho manias estranhas, me entristeço com pouco, porque tento decifrar tudo e todos a todo momento e distribuo lições de moral não requisitadas com muita frequência.

  Por muito tempo acreditei que o problema eram os outros, mas com o passar dos anos fui percebendo que a forma como eu sou é muito complicada. Sou como uma pedra presa no calcanhar das pessoas, que são educadas demais para se soltarem, que toleram por tempo demais o intolerável. Ninguém precisa lidar com isso.

  Vendo que o meu lado mais verdadeiro afetava demais os outros, resolvi o reservar. Uma ou outra pessoa, nesse período de reserva, gostou do lado exposto ou até mesmo se apaixonou por ele. Apesar de saber como eu sou, vez ou outra, gostei ou até mesmo me apaixonei de volta - e nessas situações, inevitavelmente, me conheceram por completo.

  Quem me conheceu de verdade, infelizmente (para mim e não para eles), perdeu o interesse e teve que se afastar, acho que os deixei pasmos, acho que os machuquei e os irritei. Coloquei muito peso nas costas dos outros, eles se sentiam e se sentem responsáveis e, acredito eu, porque as faço pensar assim.

  Apesar de saber bem como sou, de tentar me conhecer e melhorar, como humana, como uma estúpida humana, cometo os meus erros e acabo deixando se aproximarem de mim. Por que faço isso? Acho que porque sou, além de uma pedra, um tipo de buraco negro. Um buraco negro cujo o outro lado é uma prisão.

  Sinto muita pena das pessoas realmente próximas de mim, que tem que aguentar todo o meu enorme peso. Sinto também das que, apesar de não perceberem, caem na minha mentira (omissão também é mentira) diariamente.

  Sinto muito. Vocês não deveriam sentir nada em relação a mim. Eu deveria dar mais amostras do meu eu, para que assim as pessoas fiquem cientes e se afastem antes de criarem comigo embaraçosos laços afetivos. Claro que eu poderia resolver essa questão de uma forma mais drástica, mas não tenho coragem. Enquanto isso não acontece, por favor, afastem-se de mim. Eu os entendo até demais.

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Macaco Louco, Filosofia Grega e Amor fati




Tudo começa com um episódio do desenho As Meninas Superpoderosas, mais especificamente, em um episódio em que o Macaco Louco, arqui-inimigo das heroínas, consegue, finalmente, atingir o seu maior objetivo desde que se tornou racional: conquistar o mundo.

O Macaco Louco passou longos episódios lutando e apostando todas as suas moedas em planos maquiavélicos para se tornar a pessoa mais poderosa da terra. Ele dava tudo de si e chegava muito perto. Ele perdia tudo e logo se reconstruía. Depois de se reconstruir, ele reiniciava o ciclo. A cada plano maligno, a cada emboscada bem elaborada, Florzinha, Docinho e Lindinha, mais uma vez, salvavam, com maior ou menor dificuldade, a cidade de Townsville e o mundo, por consequência.

Ocorre que nesse episódio, em que o Macaco consegue o poder que sempre almejou, uma força cuja as meninas não conseguiram e não conseguiriam destruir com socos, chutes e lasers, ele se vê numa crise existencial. Ele se entedia e deixa de ver sentido em todo seu esforço: agora não faria nada, porque não tinha mais objetos para atingir, coisas para conquistar ou comprar.

Essa crise do Macaco me fez refletir, durante a infância, sobre meus próprios objetivos de vida. Eu tinha 10 anos de idade, e foi mais ou menos por aí que passei pela minha primeira metamorfose: comecei a me perguntar o que eu faria quando atingisse os meus objetivos - que naquela época consistiam em ser artista, arqueóloga e astronauta. Eu me peguei pensando se essas realizações me trariam felicidade ou se eu ficaria deprimida depois de realizá-las.

No final da história, o vilão resolveu deixar de lado tudo o que conseguiu, deixou as meninas voltarem a ser heroínas, mas não porque ele se tornou bom, mas porque ele queria voltar a seu ciclo vicioso.

 A partir disso, tive uma epifania estóica não planejada, que me move até hoje.

O estoicismo é uma filosofia de vida contrária ao epicurismo. No primeiro, a felicidade está em se desligar das trivialidades para se ter uma boa-vida, enquanto que o segundo entende que ser feliz é buscar prazeres moderados.

Eu aderi o estoicismo, assim como milhares de pessoas o aderem, sem sequer saber o seu nome. Passei a viver de forma a ignorar dramas alheios, para gastar minha energia emocional com coisas mais sérias e a evitar possuir ganância.

Como os estoicistas, eu vivi o início da minha adolescência como uma pessoa que evitava ter grandes sonhos, não via na riqueza ou nos prazeres triviais uma fonte de felicidade e tentei apreciar as minhas companhias da época. O estoicismo ensinou a mim que a vida era importante demais para ser desperdiçada, parafraseando Tyler Durden, "comprando merdas que não precisamos, com dinheiro que não temos, para impressionar pessoas que não gostamos".

O estoicismo me ensinou, ainda, a ter mais calma e consciência das minhas atitudes, a aceitar que a vida nem sempre é feliz e que ela não tem lá muito sentido. Eu aprendi, também sem saber, o "Amor Fati".

Amor fati é o amor ao destino. É apreciar a vida da forma como ela é e da maneira como ela sempre termina. É saber que tudo o que nasce um dia vai morrer, e que tudo bem. Tudo bem morrer. Tudo bem passar por situações difíceis. O importante é estar vivo, é poder ter sensações.

Durante a adolescência, o final dela, joguei toda essa filosofia no lixo, mas vez ou outra eu a resgatava. Hoje, apesar de não seguir completamente ela - acho que filosofia alguma eu sigo por completo - vez ou outra a utilizo nas minhas decisões.

O Macaco Louco e eu, no mesmo barco, quem diria?

Lolita e Annabel

"Lolita, luz da minha vida, fogo da minha carne. Minha alma, meu pecado. Lo-li-ta: a ponta da língua toca em três pontos consecutivos do palato para encostar, ao três, nos dentes. Lo. Li. Ta.” 

    Essa é a introdução do polêmico Lolita, do escritor Vladimir Nabokov, um dos livros que me deixaram mais crítica quanto a qualidade das minhas leituras e que marcou a minha transição literária das obras infanto-juvenis para outras mais complexas.

    É com pesar que venho percebendo que há muita gente tirando conclusões precipitadas sobre a mensagem que Nabokov queria passar com o livro: uns acreditam que ele incentivou e sexualizou crianças, enquanto outros leram a história.

   A obra conta a vida de um pedófilo (Humpert Humpert), de 46 anos, que se "apaixona" perdidamente por Dolores Haze (Lolita), de 12 anos de idade. 


  
  Nabokov escreveu o texto em primeira pessoa, e tem como narrador Humpert Humpert. Este personagem conta a história como se já houvesse se passado diversos anos de seu relacionamento com Lolita e, desde o começo da leitura, é notável a quantidade de problemas mentais que o mesmo carrega.

    Em que pese a leitura pesada que é a história não-censurada de um pedófilo, a forma como Nabokov escreve é digna de admiração. Ele consegue poetizar e arrastar o leitor para dentro da obra e o obriga a raciocinar e a agir como Humpert, o fazendo ser o personagem.

   Junto com Humpert, e contra a sua própria vontade, você sente vergonha e culpa por compreender as palavras charmosas e poéticas dele. Por ficar bravo ou magoado com as atitudes de pessoas que não o compreendem.

   Quando Dolores ainda não era Lolita ou de sequer aparecer na vida de Humpert Humpert, ele contextualiza a antecessora da mesma. Durante a sua infância, o personagem tem como primeiro amor, no início de sua adolescência, Annabel Leigh.

  Antes de Humpert se relacionar sexualmente com Annabel, esta é levada para longe dele pela família, sendo que, tempos depois, antes que ele a pudesse esquecer, soube que ela faleceu de febre tifóide. 

    A loucura que é o coração de Humpert e a obsessão que ele confunde, durante toda a história, com amor, aparecem já quando ele é adolescente. Annabel Leight foi sua primeira Lolita e ele busca em garotas entre 9 e 12 anos a alma de seu primeiro amor, é como se ele procurasse, incessantemente, reencontrar em outras crianças a sensação de amar e ser amado pela primeira vez.

    Há momentos, claros, em que Humpert se força a ver Dolores como Annabel Leigh, em que ele se opõe em conceber que ela está crescendo e deixando de se comportar como seu amor platônico anterior. Ele procura a inocência, a sensação de medo e aventura na infante.

    A inspiração de Nabokov para Annabel Leigh, bem como a história de seu primeiro amor, veio de um poema trágico do autor Edgar Allan Poe chamado "Annabel Lee". Gosto do poema e achei a conversão dele para uma história uma das coisas mais incríveis que já li. Quando me deparei com "Annabel Lee", me deparei, também, com o suprassumo das sensações tidas por Humpert com sua Leigh.

    Encontrei uma tradução para português de "Annabel Lee", feita por Fernando Pessoa, que é excelente, mas a alterei bastante para facilitar a leitura:

Há muito, muito um ano atrás, existia
Num reino ao pé do mar,
Uma donzela que eu sabia
Annabel Lee se chamar;
Donzela em que outro pensar não se via
Que amar e ser amada por mim.

Eu era criança e ela era criança,
Neste reino ao pé do mar;
Mas nós amamos com um amor que era mais
Que amor
Eu e minha Annabel Lee;
Um amor que os alados serafins
Lá no Céu ousaram invejar.

E foi esta a razão por que, há muitos anos,
Neste reino ao pé do mar,
Um vento saiu duma nuvem, gelando
minha linda Annabel Lee;
E o seu parente fidalgo veio de longe,
Para de mim a afastar,
Para a fecharem num sepulcro
Neste reino ao pé do mar.

E os anjos, menos felizes no céu,
Ainda a nos invejar…
Sim, foi essa a razão (como sabem todos,
Neste reino ao pé do mar)
Que um vento saiu da nuvem de noite
Gelando e matando minha Annabel Lee.
Mas nosso amor era mais forte que o amor
Daqueles mais antigos
Daqueles mais sábios –
E nem os anjos do céu lá em cima,
Nem demônios debaixo do mar
Poderão separar a minha alma da alma
Da linda Annabel Lee.

Porque os luares nunca brilham, sem me trazerem sonhos
Da linda Annabel Lee;
E as estrelas nos ares só me lembram olhares
Da linda Annabel Lee;
E assim, noite adentro, deito-me ao lado
da minha querida, minha vida e minha noiva,
No sepulcro ao pé do mar,
em seu túmulo ao pé do borbulhante mar.




terça-feira, 8 de agosto de 2017

Aconteceu com uma amiga

O que eu penso sobre mim mesma? Ah, sou uma garota bonita, interessante e divertida, claro. Não julgo o livro pela capa, mas pelo conteúdo. Tem essa amiga minha, que não vou dizer o nome, pra não a expôr, claro, que me disse certa vez:

Se eu tivesse uma autoestima ela estaria arruinada.
Eu vi uma pesquisa dias atrás que constatou que depois das pessoas olharem pro espelho por 5 segundos elas se sentem mais bonitas. Eu sinto o contrário. Quanto mais me olho, pior me vejo. Por isso ando evitando espelhos, selfies, câmeras, etc. Prefiro ser ignorante quanto a minha aparência física natural.
Quando estou maquiada, com salto-alto e com um vestido que custa o meu salário inteiro, a minha estima sobe um tanto, mas não muito. Acho que eu consigo fingir bem que penso algo bom sobre mim, no que se refere a aparência física, mas isso é uma mentira muito grande. Na maioria do tempo eu tento apenas não constatar o fato de eu não ser mais uma pessoa fisicamente atraente.
No começo, quando percebi que não seria uma daquelas garotas bonitas, que eu não atraia os homens por ter um corpo ou um rosto bonito, mas somente apenas porque eu tenho uma vagina, eu me deprimi bastante. Agora, eu só tento esquecer desse detalhe. Sou mais que uma aparência, sou mais que carne, gordura e ossos. Logo, eu tento me preservar de sofrer pelos meus aspectos físicos.
Se eu faço academia é porque quero poder correr sem perder o fôlego, pois quero viver mais e porque adoro me movimentar. Se passo maquiagem é por pura diversão, por distração, não é mais um esforço diário. O protetor solar de todo dia, as idas ao esteticista, os gastos com produtos estéticos: tudo porque gosto de sentir que estou cuidando, minimamente, de mim mesma.
Mas às vezes alguém vem me lembrar. Alguém vem me contar o que acha de mim sem que eu peça. "Hey, você fica melhor maquiada" ou "Hey, quem é aquela garota linda que aparece nas suas selfies?". Nessas situações eu me abalo um tanto. Não tanto quanto antes, mas me abalo. É como se um sopro destruísse tudo o que estava encoberto na minha consciência e eu me lembro: Meu deus, sou feia. 
Quando alguém quer me abalar, é fácil demais. Tão simples. Se as pessoas soubessem o tanto que eu tento esquecer de como aparento!
Depois dessas situações - que me arrasam bastante - eu fico tentando me reconstruir. Isso demora um tempo. Demora muito mais se eu estiver na TPM. Não quero viver em função do que as pessoas esperam de mim, quero viver em função do que eu espero de mim. Não quero me decepcionar. 
Eu li em algum lugar que mulheres da terceira idade deixam de se preocupar com a aparência física pq elas meio que já desistiram de ser bonitas. Eu estou tentando entrar nessa onda. Não quero me esforçar mais. Quero descansar e aproveitar outros aspectos da minha vida. Quero me preocupar com outras coisas, ser arrasada por outras situações. Deixar de sofrer interferências externas.

Mas compartilhar insegurança com os outros é tão, hãm, íntimo, né? Eu não faria isso não, claro, sou bem resolvida. Talvez ela precise ir a algum psicólogo, né. Bye, bye.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Existindo

Cinco acentos de couro, com cintos de segurança, numa lata de metal com quatro rodas, movida a gasolina ou diesel, com airbags, rádio, conexão bluetooth, entre outros botões indecifráveis. Tem capacidade de ir de 0 km/h a 100 km/h em poucos segundos.

Um trafego afogado.

Uma lata engarrafada com outros vinte veículos, muitas deles ocupados por menos gente, mas a maioria com apenas um único indivíduo, dentre os solitários,  há um que não precisa sequer a conduzir: possui piloto automático.

Ouvem as suas playlists com o vidro fechado para não serem incomodados.

Todos os veículos ligados e ansiosos para a abertura do sinal.

Precisam ir pro trabalho, para iniciar o serviço em suas salas pessoais, precisam levar os filhos ao professor particular. Precisam ir a academia treinar com o personal trainer. Precisam correr na esteira. Precisam voltar para casa.

O sinal abriu.

A casa foi arquitetada por um célebre profissional e decorada com os móveis mais populares da temporada.

Uma casa com cinco quartos conjugados com banheiro para uma família de três pessoas.

Duas cozinhas e duas salas, uma de tevê e outra de estar.

O sofá é de couro, as almofadas e os móveis foram feitos sob medida. A televisão é esteticamente agradável e é harmoniosa com o ambiente que a cerca. É a cabo e, se ligada, possui mais de 300 canais.

A visita pode se sentar nos dois sofás ou nas cadeiras almofadadas. A vista dá para os outros prédios. Este cômodo tem uma mesa de centro que custou R$ 2.000,00.

O telefone da sala de estar não está com as contas atrasadas, funciona perfeitamente, de última geração, mas está sujo de poeira.

A cozinha de visita e a de uso comum são limpas diariamente.

Um cômodo é utilizado.

Um quarto, um teto, um banheiro, uma cama enorme para apenas um, sozinho, dormir em um lado.

O quarto de dormir possui frigobar e o entregador quem traz a comida quente, que é comida na mesa do computador, onde fica todo tipo de tecnologia, dentre elas, uma televisão e um aparelho celular.

Cidades feitas para individualistas. Estradas feitas para individualistas. Casas feitas para individualistas.

Às vezes chove, às vezes faz frio e o sol aparece, escaldante, com grande frequência. Nada disso é sentido por grande parte desses indivíduos.

Enquanto alguns estão envoltos em suas caixas de lata, outros se movem juntos, numa caixa grande de metal, com assentos sempre ocupados, com corredores lotados, por longas distâncias, para trabalhar em locais em que não há salas individuais.

Vivem amontoados nas filas do ônibus, do metrô, dos pontos de partida, das repartições do governo ou do hospital público. Interagem e interagem, quer queiram ou não.

Após a longa espera no engarrafamento, onde estão espremidos com mais 60 pessoas, param no ponto e caminham até suas residências. Exaustos.

A residência possui dois cômodos para seis pessoas.

A sala é conjugada com a cozinha e os quartos. O outro cômodo possui uma privada e um chuveiro.

Os móveis são escassos.

A casa está sempre vazia.

O intervalo de almoço acabou.

Voltam ao trajeto: ponto de ônibus, espera, interação não-voluntária, trabalho -intervalo- trabalho. Tudo isso fazem para mudar a própria realidade.

Desejam a vida que veem quando tem a sorte de sentar na janela do transporte público, que lhes é oferecida na propaganda que passa na tevê da loja de móveis, a caminho de casa. Não querem ir ou voltar dos mesmos lugares. Querem mudar a rota. Seguir outro caminho.

Muitos pensam isso enquanto entram na padaria para tomar o café para aguentar o dia.

Correm com seus guarda-chuvas, passam frio com o casaco velho e mancham a camisa de suor nos dias de sol intenso.

Existem aqueles, ainda, que não tem lugar pra ir.

Alguns vivem nos espaços vazios das vidas das pessoas. No intervalo entre a vitrine da padaria e da garagem do condomínio. Suas posses também não existem. Sentem o odor do trânsito e o calor das conversas do ponto de ônibus. O entra e sai dos comércios e dos prédios.

Nada esperam, nada almejam e não tem para onde voltar.

Em dias de frio, se resfriam, em dias de chuva, se molham e em dias de calor intenso, se queimam.


Estes se encontram apenas fisicamente vivos.


domingo, 25 de junho de 2017

Fastidium

Estou desconectada. Não estou ansiosa ou triste. Só longe. Longe de tudo e de todos, sem concentração, força de vontade ou vontade de ter forças. Não quero morrer, mas também não quero viver. Talvez eu esteja entediada, e só. Não há assunto que me agrade, filme que me prenda ou piada que me faça rir. Deixei de sentir, de ter compaixão ou de ligar para as coisas que eu costumava gostar. 

Não acho que eu tenha depressão. Eu consigo me levantar da cama, conversar com outras pessoas e rir. É que, quando saio do convivio social, entro em total indiferença. É como se eu sempre precisasse de algo estimulante e, sozinha, quando paro pra refletir, não encontro nada.

Veja bem, estou presa numa vida que eu nunca quis, com pessoas boas demais, passando por situações que eu não queria passar e lutando por um futuro que eu não me importo. Não há absolutamente nada que me deixe com vontade de mudar o rumo pré-concebido que estou tomando. Não há saída.

Sinto que eu deveria enxergar a vida como um emaranhado fantástico de possibilidades e valorizar todos que me ajudaram e me fazem companhia. A partir do momento em que eu nasci, tive o privilégio da consciência e de construir minha própria rota para a felicidade, e eu não fiz nada até agora. Acho que não há sequer espaço para rotas. 

O meu significado para a felicidade foi mudando com o passar dos anos, agora ele significa utopia. É uma ideia que me faz continuar, e que se aviva toda vez que coisas boas acontecem. Contudo, viver é ter 2 minutos de alegria, 3 de tristeza e o resto de total monotonia. 

Para não imergir em depressão, atolo a minha mente com coisas mundanas. Vou vivendo a vida como um fantasma, aproveitando um dia após o outro e ignorando o tédio da forma que der.

Somos profundamente infelizes, mas não temos coragem de admitir. Os que admitem ou se suicidam ou continuam vivendo na melancolia. Sou parte do segundo grupo por covardia.

Fico tentando imaginar as escolhas que eu poderia ter feito e que eu poderia fazer, mas em nenhuma delas eu encontro a plenitude, nenhuma delas me distrairia por tempo suficiente. Minha vida vai ser longa demais.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Triz

Foi numa quinta-feira, anterior ao dia de escola, na casa do Nico. Nesse dia, em que eu só fui a festa depois de levar um fora da Lilo, querendo colocar pra dentro todo álcool disponível, que eu vislumbrei sua silhueta dançante.
Sua testa, iluminada pela cor neon. Seu rosto fino. Seus olhos. Que cor seriam longe dessa luz estranha de festa? Sua boca, pintada de gloss labial cor de cereja, mordida por seus dentes redondos, brancos, alinhados.
Foi nessa noite que eu te vi, Dolores. Foi nessa noite que eu entendi o sentido de obsessão. Tentei me comunicar, tomar coragem, me aproximar de você durante cinco horas inteiras. Quem era você? Sua pele, em volta de tantas outras, se sobressaía. Parecia macia. Sua saia se balançava de um lado para o outro, e eu torcendo pra ela sumir dali. Suas pernas, esguias, apareciam mais e mais a cada vez que você pulava. Queria poder ver mais. Queria saber como era o seu gosto. Engoli seco.

-Alfie, larga de ser louco, cara. Você está bebendo demais!

Uma jaqueta verde exército, surrada, uma calça roxa e rasgada e um tênis vermelho e furado. Esse era o Nico tampando a minha visão.

- Além disso, velho, mesmo com esse teu óculo escuro aí, dá pra ver você secando aquela gostosinha. Vai lá tentar comer ela. - Disse Nico, enquanto me empurrava.

- Só me deixa em... paz, cara.

- Se não tentar pegar a guria, eu vou tentar a sorte. A Lilo já era, a vida segue, meu caro.

Empurrei o Nico e ele me gritou "Vai se foder, pervertidão", e eu segui pra fora da casa, procurando um canto qualquer para vomitar e dormir. Andei com um local em mente, mas meus pés me fizeram trombar em outros lugares. Quebrei algo que parecia ser uma prataria cara. Acho que tinha ouro nas bordas dos pratos, foi o que Sra. Rose me disse na última visita. Ela me pediu pra tomar cuidado com o tesouro dela. Aqueles pedaços no chão de mármore eram o tesouro.

- Droga, droga, merda, caralho, droga.

Corri até o armário da cozinha, procurando algum tipo de cola. Eu estava tão bêbado, meu deus.

- O que você está procurando aí?

Era a garota bonita. A voz dela era macia, rouca. A garota era um pouco alta. Meu corpo ficou quente. Minhas orelhas arderam.

- Ah, meu senhor, nossa. Oi, estou procurando cola. Estou muito alterado, acho. - Cocei meu nariz, tentando esconder minha cara de estúpido.
- Cola? Meio pesado cheirar cola numa festa de adolescentes - ela riu.

Eu encontrei a cola e, bêbado, sem saber como continuar com o assunto, tomei uma atitude: ignorei a garota bonita e corri até a prataria, tropeçando em tudo.
Meu cérebro ainda estava agitado com o pouco que tive da presença dela. Tentei juntar os cacos. Esse era o quebra-cabeças mais difícil que já montei na vida. Desde quando o chão é vermelho?, pensei. Ela tem o cabelo da cor desse chão, só que é mais bonito. Tudo se apagou.

- Acorda. Acorda! Se você não acordar vou ter que chamar uma ambulância e acabar com a festa.

Aquela jaqueta transparente de plástico, um top cor de rosa, com seios bonitos pressionados contra o tecido. A garota bonita. Minha cabeça estava no colo dela e o chão estava sujo de sangue e cacos.

- Eu estou bem. Estou muito... muito bem.- Eu disse sem me levantar.

Ela me largou e me deixou bater a cabeça no chão. Chamou o Nico e, nessa hora, tudo escureceu de novo.

******

Era manhã. Acordei com um raio solar que se espremeu pela fresta da janela do quarto... O quarto do Nico.

- Finalmente, seu idiota. Você cortou sua mão ontem e me deve uma grana boa pela prataria. Minha mãe vai te matar, cara. A dona Rose vai quebrar seus dentes e beber seu sangue, meu jovem. - disse Nico.

- Merda de luz. Que horas são? Desculpa, Nico, vou pagar o quanto antes, pode ficar tranquilo. Mas, antes de qualquer coisa, quem era aquela garota com a jaqueta esquisita?

- Dolores. Ela dormiu do seu lado. Ficou muito bêbada e não deu conta de ir embora. Perdeu uma chance boa.

Perdi uma chance ótima. Perdi muito mais que isso.

- Onde ela estuda, Nico?
- No nosso colégio, cegueta. Ela é aquela garota, filha do von Baden. O cara que passou a perna no seu pai.
- Puta merda, sério? Ela fica diferente a noite.
- Ela anda com um bando de idiotas gostosas no colégio. Ela é aquela mais nerdizinha. Era a mais nerdizinha. Ontem ela não estava nerdizinha. Longe disso.
- Definitivamente não estava nerd.

Dolores. Dolores von Baden. von Baden. Minha cabeça está quebrada por dentro.

- Ela ostenta com o dinheiro do seu pai, parou pra pensar nisso? A família dela fodeu você. Agora você tem que foder ela. - Nico riu, enquanto acendia um cigarro.
- Cala a boca, Nico. Vamos logo, porque hoje tem aquela porcaria de aula de história. Eu não posso faltar mais nela.
- Também não tenho mais o privilégio das faltas.
- O problema é que, como você pode ver, eu vomitei no meu uniforme. Me empresta uma camiseta. Uma que não tenha cheiro de cigarro podre.
- Eu tenho essa aqui do Bowie. É a única coisa limpa que eu tenho.
- Pode ser. Desde quando você gosta do Bowie?
- Não gosto. Só ganhei de uma guria alternativa que eu pegava.

Dolores, seu pai é um cuzão.


sexta-feira, 2 de junho de 2017

Lo-fi beats

Lo-fi é um termo que surgiu nos anos 1980 para designar músicas produzidas em low fidelity (baixa qualidade). A produção consistia em gravar músicas com aparelhos baratos de fita cassete.

Conheci esse termo por acidente, ouvindo músicas no modo aleatório, e me apaixonei. Primeiro porque elas são ótimos planos de fundo para quando eu estou desenhando e segundo porque elas me acalmam pra caramba (e eu sempre preciso me acalmar).

A primeira Lo-fi que eu tive o prazer de ouvir foi um mix feito por um usuário do youtube, mistura essa que ele postou em sua conta, para a alegria geral de todos. Achei interessante que ele utilizou o Samurai Champloo como inspiração, sendo que, por essa razão, eu ouvi diversas outras músicas do gênero. Aqui estão algumas das que eu achei mais legais (e ouvi uma dúzia de vezes):





Além desses mix prontos, alguns canais do youtube fazem streaming 24 por dia! Um dos meus streamers favoritos é o ChilledCow:


Esse gênero musical é muito diferente, ele é um calmante para essa energia desesperada das músicas contemporâneas. Confiram, vale muito a pena.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Colapso

 Eu me pergunto se eu morri naquela noite, naquele violento anoitecer de verão. Naquele banheiro que me viu crescer por 17 anos - ou eu o vi envelhecer, quem sabe?
 Uma briga, mais uma, no meio de inúmeras e eu corri pro lugar em que eu me sujava e me lavava desde a infância. Eu estava com muita raiva, uma raiva que surgiu da melancolia, que surgiu da falta de sensações... Muitos anos sem sensações. 
 Antes eu era muito reprimida, sabe? Eu me sentia impotente desde que eu nasci, acho. Eu era mais uma no meio de inúmeras pessoas que não conseguia me defender do mundo, que não conseguia defender os outros do mundo e que não podia salvar nada e nem ninguém de Deus - aquele Ser pavoroso que me fez só pra me ver morrer (esse segredo eu não contava).
 Então, naquele dia, eu liberei tudo, toda a raiva que eu segurava, toda aquela raiva Freudiana! Quebrei o porta-retratos com rostos familiares e gostei de o ver estilhaçado no chão. Nesse momento eu coletei um pedaço do estilhaço, cortei minha mão nele e gostei do sangue e da dor, pensei comigo mesma "Finalmente" e corri para a primeira porta que poderia ser trancada por dentro, mas não por fora.
 Antes desse dia eu sentia muito ódio, sabe? Eu sentia ódio desde que eu nasci, acho. Eu era mais uma no meio de covardes que não conseguiam resolver seus problemas sem envolver a tudo e a todos, que faziam os mais frágeis suportarem suas imensas bagagens emocionais e sua ira infantil.
 Então, naquele dia, coloquei o estilhaço no pescoço e, aos prantos, o cerrei e esperei o alívio da inconsciência e da raiva e do choro e dos escândalos e dessa vida que, até hoje, não me faz lá muito sentido.
 Uma briga, mais uma, no meio de inúmeras e eu naquele banheiro, vendo o sangue escorrendo e a porta sendo arrombada. "Droga", pensei, "Acho que agora é a vez do meu pulso" e tentei riscá-lo diversas e diversas vezes. Enquanto isso, a fechadura não aguentou, um rosto familiar entrou, me esbofetou e eu percebi que eu não havia conseguido.
 Eu me pergunto se eu morri naquele anoitecer infernalmente quente. Naquela casa cheia de lembranças traumáticas.

domingo, 12 de março de 2017

Não sei pra onde esse texto vai, ainda

[primeira parte]

*bip - bip - bip*

- O que foi, Alfie?
- Alô, Dolores? Aqui é o Vitor. Por onde esteve nessa semana?
- Vitor...?
- Amor, deixa de brincadeira, eu vou voltar logo mais, tem como me buscar no aeroporto? Estou com saudades!
- A que horas te busco?
- Agora, Dolores, eu te mandei mensagem de texto ontem a noite. Agora são quatro horas da tarde.
- Hãm, desculpa, eu trabalhei demais nesses últimos dias. Vou te buscar.
- Estou esperando.

Estou com a sensação de que sonhei com algo importante. Será que chamei o Vitor de Alfie? Por um momento me esqueci que estou com 32 anos, noiva, bem empregada e com as contas em dia. Por um momento eu achei que estava no meu quarto dormindo, enquanto Alfie tocava minha guitarra, sem que nada do que ocorreu nos últimos anos tivesse acontecido, ainda. Não parece real que o tempo tenha passado assim, tão depressa, Alfie.

Alfie tinha cabelos dourados e bochechas rosadas, sempre usava seu jeans rasgado, seu All Star azul e uma camisa vermelha de flanela. Desajeitado... eu gostava de você. Gostei de você no primeiro dia em que trombamos no colégio e reparei na sua camiseta, por baixo da típica camisa, com a estampa do David Bowie.

- Merda, meus livros.

Eu era tão diferente naquela época, tentando ser o que, até hoje, não consigo: a filha educada, bonita, meiga e focada do magnata Roger von Baden.

- "Merda", meus livros, você quer dizer, patricinha. Estão imundos!
- Sinto muito... Como é seu nome?
- Alison Fidel, majestade. Por qual razão a senhora é tão formal, Dolores? Estou impressionado com o fato de que a senhorita utilize palavras de baixo calão.
- Fidel?
- Sim. Não ria, madame. Você sujou meus livros, sabe quão caros eles são? Imagino que você não entenda de preços...
- Você supõe demais.
- Muito raramente estou incorreto nas minhas suposições.
- Foi um acidente, apenas. Não vou pedir desculpas pelos seus livros, assim como não vou exigir desculpas suas. E, por favor, arranje um apelido, seu nome é horrendo.
- Dolores von Baden não está muito melhor, a impressão que eu tenho é que você tricota aos finais de semana. Arranje você também um apelido.

Alfie tinha essa personalidade sarcástica, ríspida, mas verdadeira, enquanto eu sequer sabia algo sobre mim mesma.

- Sobre o que você está pensando, Dolores? Está quieta desde que entrei no carro...
- Sinto muito, querido, estive pensando em problemas do trabalho. Onde quer que eu te deixe?
- Na nossa casa...?
- Ah, certo!
- Não vai me perguntar sobre a minha viagem?
- Sim, sim. O que você fez por lá? Fechou acordos?
- Eu visitei a minha mãe, Dolores, não fechei acordos porque não estive em uma viagem de negócios.
- Sinto muito, Vitor. Como está sua mãe?
- Ela está muito bem e me perguntou sobre qual hotel reservamos para os convidados do nosso casamento.
- Eu vou perguntar pra Tônia se ela reservou o hotel que pedi.
- Tudo bem, amor. Você vai voltar pro escritório?
- Sim.
- Você parece cansada hoje.
- Estou bem. Obrigada.

Droga, droga, droga, droga.
*bip*

- Escritório Dolores von Baden, quem fala?
- Tônia, sou eu! Tem como você procurar um bom hotel para essa semana?
- Sim, você vai viajar? Seu casamente é no sábado.
- É justamente para os convidados do meu casamento que eu preciso do hotel.
- Meu deus, Dolores! Verei o que posso fazer. Você é muito irresponsável.
- Que bom que eu te tenho do meu lado, Tônia.
- Vou precisar de um aumento.
- O que você quiser...

[continua]

*Mudei o nome da Dolores

terça-feira, 7 de março de 2017

Não sei pra onde esse texto vai

Não sei pra onde esse texto vai... *I can't stand it* Dez anos se passaram e a luz escura desse escritório ainda não me desce *I know you planned it*. O dinheiro cai na conta todo mês, *I'm a' set straight* e todo mês metade desse valor é devorado pelo cartão de crédito *this watergate* , a cada sete dias o que sobrou é gasto em álcool, cujas embalagens custam mais que o próprio conteúdo  *can't stand rocking when*. Não sei por qual razão essa monotonia se fez incômoda, parece uma coceira dentro dos meus miolos que eu não consigo aliviar *I'm in here*. Hoje meu cérebro está indo e vindo do passado *Cause you crystal ball ain't so crystal clear* para me atazanar. *So while you sit back and wonder why*. Esse rádio idiota está tocando essa música *I got this fucking thorn in my side*, não duvido que ela volte a entrar na minha cabeça. *Oh my god, it's a mirage*

- Que merda de música alta, Alfie!

Alfie? *I'm tellin' y'all it's sabotage

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Tônia?

*Trim, trim, triiim* 

Droga de alarme, droga de mim! Não deveria ter bebido tanto ontem, não tenho mais idade ou fígado para afogar as minhas mágoas em álcool. 

- Onde está minha gravata, Tônia?
- Dolores, você dormiu aqui no escritório? 
- Porquê você está com um vestido tão vermelho? Essa cor está intensa demais, meus olhos doem.
- Dolores, vou chamar um táxi. Você precisa urgentemente de um psicólogo! Não é assim que...

A Tônia fala demais quando está preocupada, o tom de voz dela está tão agudo! Como consegui fingir ouvi-lá por 30 minutos inteiros? Ou melhor, como ela acreditou que eu a estivesse ouvindo? Que secretária estranha. Que sol quente.

- Vem, Dolores, o taxista chegou.
- Tônia, não precisa me carregar no seu ombro, eu consigo andar.
- Dolores, você quebrou o salto do seu sapato e... Aqui está o taxista.
- Ei, você esteve no escritório ontem a noite, certo? Como soube desse apelido?
- Por favor, não leve pessoas estranhas para o escritório, isso arruinará sua reputação um dia. E, respondendo sua pergunta, não, não estive lá. Tenho vida social.
- Moça, será que tem como a senhora ajeitar essa mulher aí para eu colocar o cinto de segurança?
- Sim, senhor.
- Devo ter me confundido com o tempo então, Tônia. Talvez isso tenha ocorrido hoje. De qualquer forma, como você sabe sobre esse apelido?
-Que apelido, Dolores?
- Alfie...
- Tipo o extra terrestre Alfie?
- Sim...
- Do que você está falando, mulher? Taxista, por favor, não preste atenção nas besteiras que a Dolores falar, certo? Adeus!
- Desmarque as reuniões de hoje, Tônia.

Então, se não foi a Tônia que esteve comigo ontem, quem era? Seria impossível ela saber qualquer coisa sobre o meu passado. Ela sequer era nascida quando "Alfie" passava na televisão... tão jovem... Sinto tanta falta da minha juventude. Sinto tanta falta de...
- Ei, Alfie!
- Desculpe-me, o que disse?
- Senhora? Está tudo bem?
- Você me conhece? Como sabe sobre Alfie? Não responda uma pergunta com outra pergunta!
- Eu não sei do que a senhora está falando, apenas avisei que chegamos. Por favor, saia do carro. Sua amiga já pagou a corrida.
- O senhor é um tanto desagradável, taxista.

Preciso da minha cama. Estou tendo alucinações por causa da noite de ontem (e hoje). Minha cama está tão macia... Por qual razão eu alucinaria sobre Alfie? Tantas lembranças mais interessantes e esse apelido idiota ainda permanecendo nas minhas memórias. Alfie... como ele deve estar hoje? Os cabelos dele já não devem ser mais tão dourados e a pele dele, tão rosada, já não deve ter a mesma cor.

[...]

*It's sabotage*

- Seu inglês é péssimo, Alfie. Me passa esse cigarro logo.
- Você sempre querendo arruinar seus pulmões...
- E você, querendo arruinar meus ouvidos!
- Não há o que eu possa fazer quanto a minha situação. Essa é, simplesmente, a melhor banda que já ouvi.
- Você só conhece essa música. Esse cigarro nunca vai me alcançar?
- Essa banda é responsável pela criação e interpretação de Sabotage, a melhor música do mundo. Quem cria algo assim só pode ser colocado na categoria "melhor do mundo".
- Você cria categorias demais, Alfie. 

As mãos dele tocaram os meus dedos por um segundo, o corpo dele está quente, ainda. A pele dos dedos dele é macia.

- Alfie, você tem que me passar mais vezes o cigarro.
- Mas já está me devolvendo, Lola? Você fuma com muita pressa, assim a erva não vai te dar onda.
- Você deveria aprender que a onda é minha e eu surfo nela da forma como eu quiser.
- Lola, suas piadas são sempre muito ruins.

O Alfie é um idiota.

- Me passa logo esse cigarro, Alfie.

[continua]

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Soneto 19 de William Shakespeare

Tempo voraz, corta as garras do leão,

E faze a terra devorar sua doce prole;

Arranca os dentes afiados da feroz mandíbula do tigre,

E queima a eterna fênix em seu sangue;

Alegra e entristece as estações enquanto corres,

E ao vasto mundo e todos os seus gozos passageiros,

Faze aquilo que quiseres, Tempo fugaz;

Mas proíbo-te um crime ainda mais hediondo:

Ah, não marques com tuas horas a bela fronte do meu amor,
Nem traces ali as linhas com tua arcaica pena;


Permite que ele siga teu curso, imaculado,

Levado pela beleza que a todos sustém.

Embora sejas mau, velho Tempo, e apesar de teus erros,

Meu amor permanecerá jovem em meus versos.


Pensando na morte

Nas primeiras vezes em que pensei na morte após me tornar ateísta, entrei em mim de tal forma que achei que não havia mais caminho de volta. Meus pensamentos giravam em torno da rapidez da vida e me faziam imergir em terror e melancolia. Eu só conseguia me lembrar da época em que uma oração bastava para me acalmar e me colocar de volta aos trilhos.

Hoje, o pensamento de que a morte é inevitável, para mim, é como um pernilongo idiota. É assim que chamo minha crise existencial: pernilongo idiota. O canalha me assusta pra caramba quando zanza meu ouvido nos momentos mais inesperados. Não posso sequer ficar sozinha assistindo um filme, tranquila, com nutella que ele vem me incomodar, não posso ficar em silêncio olhando uma paisagem que ele já vem me lembrar que um dia não vou poder mais vê-la, que um dia sequer terei consciência de que a vi e pronto. Esse pernilongo não me deixa comer, me faz parar instantaneamente o que quer que esteja fazendo e não me permite ter o privilégio de dormir. São dias assim! Até meses!

O pernilongo, no auge de sua bondade, tenta me acalmar, vez ou outra, dizendo que a vida eterna seria exaustiva e degradante. Como se isso melhorasse qualquer coisa... idiota.

ENFIM, blábláblá, o maldito inseto já me incomodou o bastante e pra ele arranjei solução.

O repelente que uso hoje, que me deixa sã, foi descoberto à muito custo: futilidade. A futilidade me permite devanear em coisas não-existenciais, mantém meu peso dentro do IMC adequado, bem como deixa meu descanso passar da fase REM.

Se você estiver passando pelo mesmo, o meu conselho é que você ocupe sua mente com o que te faz dormir a noite. Pense na carro que você gostaria de ter, dos produtos caros que almeja, só não pense que a vida está sendo tirada de você e das pessoas que você ama a cada segundo desse texto. t

Tictactictac é a onomatopeia encrustada na sua mente? Relaxe! Pense naquela blusa cara que passa do limite do seu cartão, pense em como pagá-la, pense em coisas terrenas.

O problema é que descobri apenas um repelente, quer dizer, o inseto não vai morrer com ele, sabe? Acredito que a única forma dele sumir seja lobotomia, mas é com pesar que eu te informo que se você tenta exterminá-lo ele voltará mais forte.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Poema do dia: O Segundo Advento

Girando e girando em voltas mais amplas
O falcão não pode ouvir o falcoeiro;
As coisas se desfazem; não se mantém o centro;
Pura anarquia espalha-se mundo adentro,

A maré obscurecida de sangue se espalha, e em todo lugar
A cerimônia da inocência é afogada;
Aos melhores falta toda convicção, e os piores
Estão cheios de intensidade apaixonada.

Certamente alguma revelação está próxima;
Certamente o Segundo Advento está próximo.
O Segundo Advento! Mal proferidas estas palavras
Quando uma vasta imagem vinda do Spiritus Mundi

Ofusca minha visão: nalgum lugar, nas areias do deserto
Uma forma com corpo de leão e cabeça de homem,
Um olhar fixo e impiedoso como o sol
Está movendo as lentas coxas, enquanto sobre ela
Oscilam sombras de pássaros do deserto indignados.

A escuridão cai novamente; mas agora sei
Que vinte séculos dum sono profundo
Irromperam-se em pesadelo por um berço oscilante.
E a besta fera, sua hora enfim chegada,
Se arrasta até Belém para nascer?



Infos: Poema escrito pelo irlandês William Butler Yets em 1919, após o final da Primeira Guerra Mundial.