sexta-feira, 23 de junho de 2017

Triz

Foi numa quinta-feira, anterior ao dia de escola, na casa do Nico. Nesse dia, em que eu só fui a festa depois de levar um fora da Lilo, querendo colocar pra dentro todo álcool disponível, que eu vislumbrei sua silhueta dançante.
Sua testa, iluminada pela cor neon. Seu rosto fino. Seus olhos. Que cor seriam longe dessa luz estranha de festa? Sua boca, pintada de gloss labial cor de cereja, mordida por seus dentes redondos, brancos, alinhados.
Foi nessa noite que eu te vi, Dolores. Foi nessa noite que eu entendi o sentido de obsessão. Tentei me comunicar, tomar coragem, me aproximar de você durante cinco horas inteiras. Quem era você? Sua pele, em volta de tantas outras, se sobressaía. Parecia macia. Sua saia se balançava de um lado para o outro, e eu torcendo pra ela sumir dali. Suas pernas, esguias, apareciam mais e mais a cada vez que você pulava. Queria poder ver mais. Queria saber como era o seu gosto. Engoli seco.

-Alfie, larga de ser louco, cara. Você está bebendo demais!

Uma jaqueta verde exército, surrada, uma calça roxa e rasgada e um tênis vermelho e furado. Esse era o Nico tampando a minha visão.

- Além disso, velho, mesmo com esse teu óculo escuro aí, dá pra ver você secando aquela gostosinha. Vai lá tentar comer ela. - Disse Nico, enquanto me empurrava.

- Só me deixa em... paz, cara.

- Se não tentar pegar a guria, eu vou tentar a sorte. A Lilo já era, a vida segue, meu caro.

Empurrei o Nico e ele me gritou "Vai se foder, pervertidão", e eu segui pra fora da casa, procurando um canto qualquer para vomitar e dormir. Andei com um local em mente, mas meus pés me fizeram trombar em outros lugares. Quebrei algo que parecia ser uma prataria cara. Acho que tinha ouro nas bordas dos pratos, foi o que Sra. Rose me disse na última visita. Ela me pediu pra tomar cuidado com o tesouro dela. Aqueles pedaços no chão de mármore eram o tesouro.

- Droga, droga, merda, caralho, droga.

Corri até o armário da cozinha, procurando algum tipo de cola. Eu estava tão bêbado, meu deus.

- O que você está procurando aí?

Era a garota bonita. A voz dela era macia, rouca. A garota era um pouco alta. Meu corpo ficou quente. Minhas orelhas arderam.

- Ah, meu senhor, nossa. Oi, estou procurando cola. Estou muito alterado, acho. - Cocei meu nariz, tentando esconder minha cara de estúpido.
- Cola? Meio pesado cheirar cola numa festa de adolescentes - ela riu.

Eu encontrei a cola e, bêbado, sem saber como continuar com o assunto, tomei uma atitude: ignorei a garota bonita e corri até a prataria, tropeçando em tudo.
Meu cérebro ainda estava agitado com o pouco que tive da presença dela. Tentei juntar os cacos. Esse era o quebra-cabeças mais difícil que já montei na vida. Desde quando o chão é vermelho?, pensei. Ela tem o cabelo da cor desse chão, só que é mais bonito. Tudo se apagou.

- Acorda. Acorda! Se você não acordar vou ter que chamar uma ambulância e acabar com a festa.

Aquela jaqueta transparente de plástico, um top cor de rosa, com seios bonitos pressionados contra o tecido. A garota bonita. Minha cabeça estava no colo dela e o chão estava sujo de sangue e cacos.

- Eu estou bem. Estou muito... muito bem.- Eu disse sem me levantar.

Ela me largou e me deixou bater a cabeça no chão. Chamou o Nico e, nessa hora, tudo escureceu de novo.

******

Era manhã. Acordei com um raio solar que se espremeu pela fresta da janela do quarto... O quarto do Nico.

- Finalmente, seu idiota. Você cortou sua mão ontem e me deve uma grana boa pela prataria. Minha mãe vai te matar, cara. A dona Rose vai quebrar seus dentes e beber seu sangue, meu jovem. - disse Nico.

- Merda de luz. Que horas são? Desculpa, Nico, vou pagar o quanto antes, pode ficar tranquilo. Mas, antes de qualquer coisa, quem era aquela garota com a jaqueta esquisita?

- Dolores. Ela dormiu do seu lado. Ficou muito bêbada e não deu conta de ir embora. Perdeu uma chance boa.

Perdi uma chance ótima. Perdi muito mais que isso.

- Onde ela estuda, Nico?
- No nosso colégio, cegueta. Ela é aquela garota, filha do von Baden. O cara que passou a perna no seu pai.
- Puta merda, sério? Ela fica diferente a noite.
- Ela anda com um bando de idiotas gostosas no colégio. Ela é aquela mais nerdizinha. Era a mais nerdizinha. Ontem ela não estava nerdizinha. Longe disso.
- Definitivamente não estava nerd.

Dolores. Dolores von Baden. von Baden. Minha cabeça está quebrada por dentro.

- Ela ostenta com o dinheiro do seu pai, parou pra pensar nisso? A família dela fodeu você. Agora você tem que foder ela. - Nico riu, enquanto acendia um cigarro.
- Cala a boca, Nico. Vamos logo, porque hoje tem aquela porcaria de aula de história. Eu não posso faltar mais nela.
- Também não tenho mais o privilégio das faltas.
- O problema é que, como você pode ver, eu vomitei no meu uniforme. Me empresta uma camiseta. Uma que não tenha cheiro de cigarro podre.
- Eu tenho essa aqui do Bowie. É a única coisa limpa que eu tenho.
- Pode ser. Desde quando você gosta do Bowie?
- Não gosto. Só ganhei de uma guria alternativa que eu pegava.

Dolores, seu pai é um cuzão.


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