Jorge era futurólogo. Sua família dizia que era transtorno de ansiedade, mas ele sabia mais que todos: era a previsão do futuro seu dom. Quanto mais idade, mais previsões fazia. Aos 25 ele já sabia o que lhe aconteceria aos 50, 60, 70.
Jorge olhava pela janela quando a viu pela primeira vez: sua primeira esposa e o amor de sua vida. Imediatamente funcionaram as engrenagens de sua intuição. Soube na hora — ela gostava de ler, cheirava a rosas, tinha cabelos macios e um coração ainda mais leve. Se conheceram ali mesmo, pela janela.
Ela andava a procura de um amor e ao sentir uma brisa leve do destino, soprada pelo próprio cupido, hesitou o passo e encontrou os olhos de seu amor. Ah, o rompante do romance! Ela subiu as escadas do prédio com o coração apertado. Talvez fosse ela também uma vidente? Sua mão delicada bateu à porta e ela, aos suspiros, se convidou a entrar para um café. Jorge se divertiu sentindo o amargo gosto da mágoa.
Deu o primeiro beijo já sabendo quantos beijos daria. Arrumou um emprego contando as economias com a justa causa. Pediu em casamento sabendo os termos do divórcio. Fez dois filhos com a ciência de que não ficaria com a guarda. Economizou dinheiro para a pensão alimentícia até ser demitido. Chorou copiosamente pela separação e pelos vindouros anos de tristeza— pelo excesso de álcool, de sódio, pelo infarto... Tanta tristeza! Acendeu o cigarro. Guardara no armário todos os fósforos que riscaria.
Jorge passeou os olhos pela janela, choroso. Lá se ia sua ex-esposa — mãe de seus filhos — caminhando pela rua, sem saber de nada. Santa é a ignorância! Sentiu o sofrimento da cama vazia do lado direito da casa que nunca alugou.
Jorge... Jorge. Como já tinha vivido por 50 anos em tão pouco tempo! Jovem, divorciado, demitido de tantos empregos — e sem nunca ter beijado uma garota ou redigido a primeira linha do próprio currículo.
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