quinta-feira, 21 de agosto de 2025

A Criatividade

Tem autores, como o Neil Gailman, que escrevem todos os dias- e não se levantam sem que a folha em branco se torne uma obra de arte. Ouvi dizer que Victor Hugo se despia, entregava as roupas aos criados e ordenava que só as devolvessem depois uma certa meta de produtividade. O Gabriel García Márquez só escrevia histórias que gostaria de ler, e se dedicava fervorosamente, ao ponto de se ver cara a cara com a falência financeira.

Balzac utilizava o método do sono segmentado, muito café e rigidez. O velho Bukowski também só escrevia com algo para beber - qualquer coisa bem mais alcoólica do que café. Dizia escrever para não enlouquecer - por ironia, o método era diário... É poético, mas também preocupante que tombava a cabeça fazendo da máquina de escrever seu travesseiro.

Mas minha profissão não é cronista, minha profissão não é poeta. É bem mais dramática: advogada. E por nunca ter tempo, escrevo tão somente quando sinto aquela unção da criatividade inundando minh'alma.

Penso que um texto nasce da mesma forma como o amor nasce... ou como uma coceira na ponta do nariz. Ou seja, irrompe nas horas mais inoportunas. A Criatividade escolhe um momento em que eu não tenho ao alcance uma caneta sequer. Me coça depois da meia-noite, na prévia de uma reunião importante, ou quando estou numa tormenta de ações civis. 

Ela fica ali, circulando, parecendo genial demais para se deixar escapar. E faço um esforço hercúleo para não deixá-la esquecida até o fim do expediente, anotando um traço aqui, outro ali, em algum lugar qualquer. Se acontece de não anotar, pecado este que pratico diariamente, ela se perde. Por vezes, totalmente. Por vezes, retorna durante meu banho - quando não dá para anotar é nada. No tempo que tenho de sair, me enxugar, buscar um papel, uma caneta, carregar o notebook o suficiente para conseguir registrar... PUFT! Já se foi. E sobre o que mesmo eu falava?...

E acho que, se ela nasce, é desse ninho que chamo de cérebro. Ela tem a ver com essas milhões de opiniões que tenho, que ficam rodando em segundo plano enquanto termino a 14ª contraminuta de Recurso Especial do dia. Ela deve fazer um zigue-zague, costurando uma mágoa, aquele filósofo lá, com um coração partido ali, três linhas de um livro que abandonei; aquela lembrança boa com a chuva de verão.

Um comentário:

  1. Muitas vezes durante nossa existência iremos nos deparar com o fato de que nossa insignificância é gritante perante toda a grandeza do universo e ainda assim isso é aceitável, porém quando o peso da insignificância se traduz na beleza que não esta sendo vista então é como se um crime fosse cometido. Que este comentário seja a revogação deste delito, o sinal de que alguém parou por um momento para admirar tão bela arte feita com palavras.

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