Na infância, fui exposta a muito conteúdo de romance. Criei uma grande expectativa com relação ao amor. Eu achava, de coração eu achava, que o amor era encontrar alguém que me completasse, que me fizesse companhia nos tempos obscuros. Tinha expectativa até do primeiro coração partido - era quase como um estoicismo: era parte dos caminhos do amor quebrar a cara. No entanto, diferentemente do que eu esperava, minha primeira decepção amorosa não veio de alguma rejeição particular, mas do próprio status quo, do cenário romântico dos anos 2000.
As minhas amigas - todas muito bonitas - iniciaram namoros muito cedo, ali por volta dos 11/12 anos de idade. Olhando em volta deduzi: Menina bonitas namoravam com meninos bonitos. Gente feia, ficava de fora. Vixi... e olha eu ali, de fora.
Não demorei para perceber que o romance era um campo de batalha e que eu estava bem longe do front. E o front era importantíssimo! Só estavam lá os aptos, selecionados pela cultura: quem não tinha espinha; não precisava de aparelho ortodôntico; já possuíam características adultas. As meninas: seios. Os meninos: talvez um bigodinho com três ou quatro fios másculos. Penso que guerras e concursos de beleza se confundiam naquele campo amoroso.
Estar ali, no centro da disputa, era como disputar uma coroa: receber um pedido de namoro equivalia a ganhar o Miss Universo. Namorar era o reconhecimento de que se tornara mulher. E se eu tivesse conhecido a frase da Simone de Beauvoir na época, concordaria que não se nasce mulher: torna-se. E ainda acrescentaria que sutiãs e aliança de compromisso eram parte fundamental da transformação.
Eu já deduzia tudo isso e normalizava essa lógica, de tal forma que até tentei me adequar. Digo e repito que o sutiã de bojo foi, para mim, tão importante quanto a descoberta do fogo e da roda. Mas que complicação que era namorar! Principalmente quando as, agora oponentes, eram tão... curvilíneas.
Fiquei pra trás e fiquei sozinha. Não só porque os meninos não me queriam, mas porque minhas amigas mudaram... e para bem longe de mim: adultas e crianças não pertencem aos mesmos grupos.
Lembro de ligar para a A. e G. para marcamos uma partida bets na rua (não as bets de apostas!). Não puderam ir: tinham combinado de tomar chá de canela com outras meninas. "Chá de canela? Tudo bem, marcamos para outro dia". Bip.
Só anos depois entendi que acreditavam que aquele chá servia como anticoncepcional. Não fazia nem 2 anos que tínhamos aprendido de onde os bebês saíam e elas já estavam buscando formas alternativas para eles sequer entrassem...
Foi minha primeira grande decepção amorosa: descobrir que, para elas, namorar significava estar sempre ao lado dos rapazes, servindo tereré na beira da quadra, enquanto eles jogavam futebol. Os assuntos se resumiam a sexo, namorado, chá de canela, cytotec, testes de gravidez, choro por traição, alívio de não estar grávida, beber para esquecer. E eu acreditava, com arrepios, que essa seria também a minha realidade, e que era só questão de tempo...
Não foi. Na época achei que era azar não ter me desenvolvido fisicamente, azar ter tanta acne, ter que usar aparelho, pele oleosa. Na verdade, foi sorte. O "atraso" - que era apenas um desenvolvimento absolutamente normal para uma menina de 12 anos - me fez esperar para descobrir que ser mulher poderia ser muito mais.
Descobri que o amor vai tão mais além do sexo! Que podia jogar futebol na quadra com o meu namorado, manter as amigas solteiras na minha vida, falar sobre a ineficácia do chá de canela, beber para criar memórias legais, chorar por traição, litigar pela liberação do cytotec, ter amigas e amigos íntimos, sair sem dar satisfação pro namorado, fazer dele meu melhor amigo, aumentar as amizades com as amizades dele, criar laços fortes com todo tipo de gente.
Minha primeira decepção amorosa me fez aprender a amar... amar ser mulher.
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