Hoje recebi elogios. Eu. Eu mesma, que existo! Recebi elogios sobre meu trabalho, numa ocasião; sobre minha mentalidade, noutra.
Acontece que, apesar de adorar recebê-los, só não sei para onde olhar ou como agradecê-los. Então respondo "obrigada", mas como nunca me parece suficiente, costumo fazer uma gracinha. Quando vi, já fiz a gracinha. É meu jeitinho, sacastes?
Elogiaram minha proatividade e organização. Agradeci e disse que o agradecimento deveria ir para o Café Naviraí - com seu gosto amargo de pneu de rodovia, que levanta defunto. Eu ia adentrar numa piada sobre cocaína, mas minha razão impediu isso. Por sorte, levaram com bom humor.
Depois, uma pessoa desconhecida elogiou minha força e mentalidade, na academia. Respondi com o famoso "obrigada" e, por ficar sem palavras - afinal, foram tantas coisas boas num dia só - lambi o dedo e alisei minhas sobrancelhas (?) Entendeste? Também não entendi. Não sei por qual razão, mas acho que imitei o sotaque do Agostinho Carrara...
Acredite se quiser, apesar de tudo isso aí, Agostinho Carrara, sobrancelha e cocaína, obtive uma grande evolução. Eu era bem pior! Sinto calafrios só de lembrar todos os "obrigados" não ditos, trocados por alguma pose esquisita, mandando beijo, fazendo símbolo da paz - tudo isso na cara da pessoa. Costumava terminar dizendo que eu não merecia, aí ficava dramático demais; então eu simulava uma pessoa esnobe e fazia bico. Depois, ria. Cruzes! Como elas não corriam de mim? É um mistério.
Mas treinei com grande afinco, e hoje, antes de todo esse teatro esquisito, pelo menos... no mínimo... eu agradeço. Disseram "só agradeça", e eu fiz várias sessões mentais de: "obrigada, muito obrigada, agradeço seu apreço, obrigada, fico feliz pelo reconhecimento..."
E toda vez que recebo um elogio, digo "obrigada", penso comigo "só diga obrigada, não faça símbolo da...." e eu lá fazendo um símbolo da paz. Mas pelo menos, né? O-bri-ga-da.
Talvez todo esse standup inconsciente seja porque eu quero que a pessoa saiba, sem o mínimo de dúvida, que eu estarei muito feliz e três vezes mais grata. Sim, estarei. É que nunca fico feliz e grata na hora, sabe? Eu só fico depois, quando penso, sozinha - como agora. Só agora, 4h depois do último elogio, é que estou grata. É uma falsidade do bem, é uma resposta sistêmica prévia - eu sei que preciso de 4h de download para aceitar tudo.
Além de não saber receber elogios, também não domino a arte de fazê-los. Sinto uma timidez absurda e gostaria muitíssimo de uma resposta quanto a isso. E quando elogio - o que nunca traduz o tanto que sinto - preciso olhar para o outro lado. Testei elogiar olhando nos olhos, antes, mas comecei a gaguejar. Então elogio melhor olhando para o outro lado. De uns anos para cá, noto que venho imitando a expressão facial de uma idosa. Freud diria que é porque idosos sabem reconhecer as coisas boas, sem soberba e sem inveja - e o que quero é que o elogiado saiba que o reconheço com o melhor dos modos, sem segundas intenções.
Sequer consigo praticar a gratidão budista sem um tanto de vergonha. Prefiro que o yogi diga numa meditação guiada - ele agradece, eu respiro.
Afinal, penso que o problema seja minha demora em sentir. Primeiro tenho que aceitar que eu existo fora da minha cabeça, que alguém constatou que sou matéria, analisou algo em mim, achou esse algo legal e se prontificou a levar até a minha pessoa física para que eu sentisse esse reconhecimento.
São tantas camadas!
Obrigada.
kakaakakakakak
#paz