segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Para cada pepita, quanto cascalho!

Escrever romance é fácil. Difícil é escrever um bom romance. A qualquer deslize tudo fica bregalíssimo! Essa é a saga de quem procura romances: é buscar ouro nativo entre a ganga da vida, com muita esperança no ilusório trabalho, mas para cada bela e preciosa pepita há muito — mas muito — cascalho!

O primeiro filme que me vem a memória de ter assistido foi Titanic... ou talvez tenha sido 'Meu Primeiro Amor'? Não me recordo bem da linha temporal, mas assisti na mesma época. Esses filmes foram sucesso de bilheteria e a fórmula foi copiada à exaustão. Não quero entrar no mérito de quem copiou de quem, porque nem Shakespeare sairia ileso. Acontece que a maioria das histórias de romance gira em torno de uma paixão inicial, depois rola algum impeditivo para o casal — um iceberg, algumas abelhas, a família, a diferença de classe social — e, então, a tragédia ou a redenção. Graças a John Green, muitos corações foram partidos pelo câncer na última década.

 Não estou criticando o Green, ele separou a Alaska por outros motivos existenciais, e mesmo quando escreveu sobre câncer, ele fez tudo muito bem. As páginas do meu exemplar de 'A culpa é das estrelas' deve estar manchado de rímel até hoje... Essas histórias de romance são pepitas! Tal qual Harry e Sally, que desenvolvem um amor para lá de maduro, que brota de uma amizade consolidada, ou como a a demoníaca Hilda Furacão com seu santo Frei Malthus. O que me enjoa são os cascalhos, os derivados, as histórias genéricas que infestaram as locadoras dos anos 2000. Salvo exceções — vá lá, 500 Dias com Ela —, o gênero se tornou um clichê cansado. Crepúsculo lançou a última pá de terra sobre um gênero já saturado.

De lá pra cá, não encontrei um grande lançamento de romances modernos - muito menos de bons romances modernos. Pausa para ressaltar que a partir de agora estou limitando a histórias novas e originais, e não adaptações, como Anna Karenina porque o adultério já estava lá no Tolstói há décadas, antes mesmo de 'As pontes de Madison'. Ambos os filmes são supimpas!

Entre os bons romances, destaco Amor (2012), que ousou mostrar o amor na velhice — aquele trecho dos votos que quase ninguém quer contar: "na doença, na tristeza e até que a morte nos separe". Foi inovador. Quase ninguém fala sobre o depois do “felizes para sempre”.

De todo modo, os escritores que buscam a originalidade, coitados (e pobre de mim), estão de mãos atadas, já que não há mais impeditivos morais plausíveis para que duas pessoas se amem. A morte já foi explorada até a exaustão. A efervescência hormonal da paixão inicial não convence mais. Ninguém aguenta finais de novela com casamentos e mocinhas sofredoras que nos causam gases. Há romances modernos, claro, como nos K-dramas da Netflix, mas muitas vezes o amor ali é tão insosso que o protagonista se apaixonaria por qualquer mocinha boazinha e indefesa que fosse maltratada na sua frente. Os arquétipos são os mesmos, a única novidade é o momento do beijo, afinal, ele acontecerá no final ou muito próximo do final?

Cadê as pepitas modernas? As Annas, Hildas, Sallys, Summers? Cadê personagens femininas bem construídas em bons romances? Onde estão os homens tridimensionais? Os Malthus, Harrys, os Jacks? Pensei comigo: Não é possível que Fleabag carregue todo o peso, sozinha, de ter feito um bom romance nos anos 2010. Aproveitando a deixa sobre Fleabag: não, padre, não passou e nem irá!

Enfim... dentre as gangas da vida, encontrei uma pepita hoje e torço para não ser ouro nativo isolado nos anos 2020. Acabei de assistir Anora. Um filme original, ainda que com inspirações óbvias. Ele traz Uma Linda Mulher para um contexto bem mais… realista. Anora não é uma protagonista parva que tudo suporta pelo príncipe encantado. Ela não suporta tudo. Só suporta demais. 

Terminei o filme e estou aqui, catando os caquinhos do meu coração. Sim, sim, a história não é inédita, mas é contada de forma nova, atual, é bem atuada e bem filmada. As mais de duas horas passam voando. A Ani é uma mulher do tipo que a sociedade entende que não tem direito de amar. Está num contexto em que o amor não é crível, seus sentimentos são a todo tempo negados, e negados de um jeito bem moderno de se negar o amor. Os anos passam e os pecados se atualizam.

Como filmes de romance são tão difíceis de se encontrar, gosto sempre de pontuá-los mentalmente, mas decidi comemorar textualmente. 

Bom filme, Anora, as indicações a prêmios são merecidíssmas. 

Meu único erro? Não ter comprado um sorvete para poder assisti-lo sob os rituais dos filmes de romance.

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