quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

A guerra começa nas mentes dos homens

Meu maior ato de rebeldia nos últimos anos é não formar uma opinião imediata, como pedem as redes sociais. E já fui criticada com algo como aquela frase do Desmond Tutu "Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor". É uma bela frase, não há como discordar. Até já me senti impressionada pela beleza argumentativa do paradoxo da tolerância, também. É aquele paradoxo do Popper que diz que a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. No entanto, percebo que é mais um jogo de palavras bonito do que de fato uma instrução moral e cientificamente embasada.

Isso não quer dizer que eu não forme algumas opiniões em velocidade alta - acontece que busco não expor algo de que não tenho certeza ou às vezes simplesmente não estou com saco para debater. Há que se ter disposição para se exprimir uma ideia e defendê-la com elegância. Isso porque gosto de argumentar, não de brigar. No entanto, os defensores das opiniões fast-food, como opinadores que são, rotulam de forma muito negativa, e muito rapidamente, os que escolhem pensar com maior vagareza sobre a notícia do momento - ou seria a notícia do minuto? Nem Desmond Tutu acompanharia tanta possível injustiça a que estamos expostos na internet. O Popper, sobre algum assunto, teria que ser tolerante!

Mas fast-opinadores gostam da fast-virtude que demonstram online. São viciados em simbolismos, e por isso são caçadores de polêmica. Possuem o instinto da caçada: miram e um sorriso se abre ao encontrar sua presa! Eis aqui a mais nova notícia! Eles têm uma fome insaciável de virtude.

Dizia o Kant que o humano, quando tem fome, não sabe separar o que é bom do que é ruim, e se sacia com qualquer coisa. O julgamento real da qualidade de um alimento advém da saciedade, isso porque a saciedade é totalmente diferente do gosto. Qualquer faminto preferiria um foie de gras do que restos, mas os restos lhe bastam. Na necessidade da fome, nos contentamos com lixo. Da mesma forma, na necessidade de aceitação social, o opinador se contenta com a demonstração da virtude, símbolos como <3 brotando nas telas de seus celulares.

A demonstração da virtude é muito mais simples do que exercer a virtude em si. O Montaigne disse que os egípcios não adoravam os gatos ou bois, eles adoravam os seus atributos, como a vivacidade gatuna ou a paciência bovina. Hoje o que se adora não é a justiça social, mas a capacidade que a justiça tem de transformar um homem simples num herói admirado. O que se adora é a admiração, a fama, o celular vibrando em notificações!

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A polarização política é uma boa fonte de polêmicas e o maior palco para se demonstrar virtudes. Apontar problemas e mais problemas e problematizar as soluções é uma das ferramentas de caça dos opinadores famintos. Um problema com solução é um problema a ser problematizado! Acontece que esse comportamento não faz mal apenas à sociedade na totalidade (o que pouco importa para um opinador), mas padece o próprio opinador (o que muito importa para o opinador).

A depressão, segundo artigo do Haidt, é tratada através da Terapia Cognitivo Comportamental (TCC). Na TCC, o estado depressivo é caracterizado por três comportamentos: catastrofização, pensamento polarizado e raciocínio emocional. 

Enquanto na catastrofização o paciente imagina os piores desfechos, no pensamento polarizado ele entende o mundo como se ele fosse simplesmente dicotômico - preto e branco, 8 ou 80, bem versus mal. Já no raciocínio emocional, o indivíduo descarta os fatos e conclui que sua resposta emocional é prova de que algo é verdade. Essas três distorções cognitivas, quando tratadas pela TCC, curam os sintomas depressivos. 

As distorções, no entanto, estão frequentemente presentes nesses opinadores viciados em demonstração de virtudes. A catastrofização, por exemplo, é uma forma potente de se conseguir seguidores. Percebo que o pânico vende tanto quanto o sexo - acho que ainda mais, atualmente. Nem é preciso aprofundar muito sobre o pensamento dicotômico, afinal, qualquer criancinha brasileira que não conta até dez sabe que os números '13' e '22' representam muita coisa.

Acontece que a ferramenta de caça, a necessidade de aceitação social por demonstrar virtudes, adoece tanto o opinador quanto seu séquito. Ele chama multidões! Mas para uma luta que sempre, sempre estará perdida! Não importa o que se faça, não importa que se pegue em armas, que se chore, quebre os laços familiares, de amizade, pinte as unhas, a cara, nada resolverá a tragédia do mundo. É uma epidemia de um pessimismo político que não traz alternativas de mudanças, não reconhece avanços e torce o nariz para a autocrítica. 

Quando leio sobre guerras, conflitos que aconteceram no decorrer da história, a saúde mental coletiva estava em frangalhos, polarizada, catastrófica e emocionalmente responsiva. É contraprodutivo seguir essa onda estranha de progresso pessimista.

É uma experiência tão surreal ver que os progressistas criaram uma tradição culta, exclusiva, e... antiprogressista. O que seguem, veja bem, não é o progresso, é o modismo. O cômico é que, há alguns anos eles mandavam os inimigos lerem livros, hoje, com a terapia trending e a doença mental usada como desculpa para o estafamento, os mandam para a... terapia! 

O tratamento é a autocrítica, fazer o opinador perceber através dos fatos que ele se machuca, é ir de fato a terapia. É tratar a mente, o preciso local de onde o monstro da guerra ruge. Não, obrigada, não vou subir nesse trem descarrilhado, o papo romantizado de guerras deixo para a ficção. Por sorte, o heroísmo do opinador atual pertence ao metaverso, nas trincheiras virtuais. Até porque, atrás de uma trincheira real, hasteariam uma bandeira branca - só não estão cientes disso.

Certa está a UNESCO: "Uma vez que as guerras começam na mente dos homens, é na mente dos homens que as defesas da paz devem ser construídas”. Creio que do absurdismo proposto pelos opinadores, surgirá uma contracultura mais humanizada, disposta se articular melhor e a seguir em frente. Sabe? A frente onde os progressistas rumam?

Essa contracultura se estruturará na ação prática, no agir localmente, na conciliação, no reconhecimento das conquistas, se utilizará da tecnologia para fermentar a mudança... já vejo isso acontecendo há algum tempo, e me sinto parte disso, só de não correr para abraçar qualquer causa que apareça na página inicial do Instagram ou de reconhecer quando estou caindo em algumas das distorções cognitivas depressivas.

Assim como deixamos o arquétipo do cara do cigarro descolado, deixemos para trás o que não serve para o bem do mundo, por mais descolado que pareça. Tratemos a mente antes de tratarmos de guerra. Que sejam as mentes semeadas pelo humanismo e pela ciência!

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