O professor de escrita criativa nos pediu para que escrevêssemos tudo que nos viesse à cabeça, logo pela manhã, e cá estou, preenchendo esta página branca com diversos símbolos e esperando que meu inconsciente de alguma forma se manifeste.
Pegarei um café.
Peguei o café.
Mas antes resolvi dar um cheirinho na minha cadela, a Lucy, não só porque ela é fofinha, mas porque eu pensei que ficaria legal acrescentar algum evento matinal nesse texto fluxo-pensamento. Aliás, tenho um livro com essa ideia de fluxo-pensamento da Hilda Hilst, que ganhei de presente da minha amiga Fernanda. Ainda não consegui ler. O ler. Lê-lo. A gramática é um mistério.
Fui interrompida por um pernilongo.
Matei o pernilongo.
Sabe que eu penso muito nessa vida que acabei de tirar? Tenho pena de matar até as baratas, mas é a lei da selva. É o último resquício da natureza selvagem que temos nessa humanidade ultracivilizada e tecnológica: ou são elas (as baratas) ou sou eu. É a lei do mais adaptado a uma chinelada, como diria Alfred Russel Wallace. Alfred não sobreviveu à lei social da sobrevivência histórica. As luzes ficaram todas sobre Darwin... pobre Wallace.
Nós, humanos, nos adaptamos aos tapas e às chineladas de mães. Nenhum chinelo Havaianas de tamanho 36 nos mata. Falta às baratas essa violência materna... Bem que nossas mães nos falam, “se não aprender em casa, aprenderá na rua” e é assim que aprendemos a sobreviver aos chinelos e aos tapas, ao contrário das baratas e dos mosquitos.
Pobre mosquito, eu fui a rua que ensinou à sua espécie que não é era hora de zumbir enquanto um humano tenta desbloquear a criatividade numa atividade do professor de escrita criativa. À longo prazo minha atitude reforçou a comunidade mosquita, ao passo que enfraqueceu a humanidade. Não é, Wallace?
Bem... alterei o tamanho da fonte, arrumei o espaçamento. Por qual razão estou escrevendo esse texto, mesmo? Ah, o exercício!
Qual a diferença entre a minha vida e a das baratas e mosquitos? Não é só um chinelo que nos distancia como espécie, é ainda mais a escrita. O que nos distancia, também, é esse café fraco. Tenho certeza de que se insetos tivessem polegares opositores eles jamais passariam um café tão fraco quanto esse que fiz hoje. O que nos distancia também é a preguiça. Não vejo baratas terem preguiça de nos atazanar e nem mosquitos de buscarem sangue, mas eu fiquei com preguiça de reabrir o pote de café para colocar tão somente uma colherada a mais na cafeteira Electrolux.
Também acho que os insetos poderiam muito bem, com seus polegarezinhos opositorezinhos, e utilizando de um tecladinhozinho de computadorzinho escreverem algo muito mais interessante numa folhinha de papel, a pedido do professorzinho de escrita criativa. Insetos vivem muito menos tempo, como esse mosquito que acabei de estapear, mas muito mais intensamente e, portanto, teria esse mosquito muito mais histórias para contar do que eu em 30 anos.
Se eu pudesse, entrevistaria uma barata (mas só através de vídeo chamada), ela com certeza seria muito mais parecida conosco do que gostaríamos. A barata sai do esgoto, passa nos canos, no lixo e quando está muito hedonista bebe detergente e fica voando feito uma tonta para assustar os humanos.
Acho que se os humanos encontrassem uma espécie superior que nos visse como baratas e de nós tivesse nojo e medo, não é extremamente provável que alguns de nós fizesse exatamente isso? Alguns pegariam suas motos e fariam manobras no chão para assustarem essa espécie dita tão “superior”. Superior em quê? Só em tamanho? Otários! ahahahaah... Acho que outros humanos, por outro lado, passariam a adorar essa criatura superior e teriam nojo da própria espécie. Talvez houvesse um culto em que as pessoas andassem de salto alto para as homenagearem a altura. É outra coisa que nos diferencia dos insetos: eles não pensam nessas bobagens, a nada louvam. A barata, barateia. O mosquito, mosquita. E o humano... bom, o humano escreve um texto para tentar ser criativo.
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