quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Curiosidade hedônica

 Estou num período de intenso preparo físico. Tive muitas versões de mim mesma, as primeiras versões não se impressionariam com a disciplina de hoje, já as intermediárias ficariam impactadas, perplexas e até frustradas. Em alguns momentos minha febre pela disciplina sumiu completamente ao ponto de me causar desprezo. Mas essa ojeriza só aconteceu porque eu olhava ao redor e via pessoas que conseguiam existir sem pensarem tanto sobre o que estavam fazendo. Essas pessoas pareciam tão alienígenas! Foi incrível a descoberta de que há vida fora do planeta! E minha curiosidade me levou a buscar o conhecimento prático da coisa, com um foguete. Pensar demais, refleti à época, atrapalhava a experimentação completa da vida. 

 Para conhecer os céus, quis bisbilhotar os infernos. E tive uma vista... interessante.

 De quantos copos, taças e canecos já bebi? E estes dedos seguraram quantos cigarros de seda, de palha, de papel? Acho que me dediquei demais aos meus objetos de estudo por causa dessa tal curiosidade. Não é preciso tanta dedicação prática quando se pode fazer uma busca mais bibliográfica, não é mesmo? Olha, não é como se eu estivesse num confessionário, aqui, não me arrependo de uma só gota, nem de qualquer um dos tragos! Pelo contrário, acho que experimentei muito da vida, mas descobri que era do todo uma só parte. Os psicodélicos, psicotrópicos, psicoativos de toda natureza que passaram pela minha garganta, língua e nariz me deram lições interessantes sobre partes de mim que descobri que conseguia expandir ou retrair. E os ambientes esquisitos e futilidades me deram desgostos como também me deram prazeres. Abracei e estapeei mais dilemas morais do que posso contar.

  Das drogas mais pesadas, a minha curiosidade foi a maior, como se pode ver, foi ela a porta de entrada para todas as outras. Depois dela que me corrompi, e depois dela que percebi que corrupção não é aquilo que consta do dicionário, depois risquei e pensei que talvez corrupção seja o que significa no dicionário, depois coloquei aspas e troquei os sinônimos. Foi pela curiosidade que eu quis me tornar uma adicta, mas por uma ironia da vida, meu corpo não me deu esse gene (ufa!). Quis me tornar isto ou aquilo e de fato busquei a experiência. Pela curiosidade quis machucar o corpo para acalmar a mente. Depois inverti e quis salvar o corpo de perturbar a mente. Pela curiosidade descobri que mente e corpo são uma coisa só, que meu cérebro é matéria, que sou eu, tanto quanto meus dedos, olhos, nariz e boca. E que não se cuida de um fígado como se cuida das unhas na manicure!

 Não há vida apenas fora do planeta, aqui no meu também há: sou eu, oras! Este planeta estranho, feito de quebra-cabeça, com peças pequenas, talvez algumas perdidas por aí, outras inexistentes, outras em outro quebra-cabeça - e que saudade de algumas delas!

Provisoriamente penso que sou eu que ordeno as peças que tenho, até mesmo o espaço vazio. Sou eu que escolho a lição que tiro das experiências quando um trauma não a escolhe por mim. E mesmo quando há um trauma, e que a culpa não seja necessariamente minha, a responsabilidade é - e disso não tem como fugir (digo porque tentei). Mas é provisório o pensamento. A curiosidade sobre o livre-arbítrio perpassa por entre minhas sinapses dançando tango com outros mil assuntos correlacionados enquanto assuntos aleatórios pulam carnaval.

E agora, ao final, não sei quem escreveu este texto, se eu ou ela. 

Talvez nenhuma de nós.

Talvez o sono.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

E aí, o que achou?