segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O viajante

 Dizia o diário da minha tataravó Gertrudes, que em 1915 andava pela rua um louco chamado Aristides- outrora um abastado, estudado e solteiro requisitado. Seus surtos começaram cedo, sendo notados por seus criados, mas nunca levados a sério pela sua família. No mais, o garoto foi criado muito bem, estudou nos colégios europeus mais caros e se tornou Doutor em Direito; tudo como manda a etiqueta. No entanto, na idade de 26 anos, após ter retornado a sua pequena cidade de origem e ser recebido por grandes festas, usou seus atributos para tentar encontrar uma esposa, afinal, Doutor em Direito e de família renomada são a fórmula do sucesso nos Estados Unidos do Brasil de cem anos atrás.
 Outrossim, Doutor Aristides Vilheira tentou galantear todas as belas moças que podia nos primeiros anos de sua volta, mas todas fugiam logo após o pedido de noivado, isso devido a seus espasmos de egocentrismo, diziam. Seu pai, João Ignácio, tentou ajudar, pediu até para a tata Gertrudes- no dia do casório com meu tataravô- para desposar seu filho, chegando a prometer dinheiro e terras! 
 Passaram-se alguns meses e o coitado do Aristides, sofrendo por falta de amor, começou a gritar pelo bairro que era um homem de 1800 que não conseguia sair de 2015; dali em diante comportou-se de forma estranha à sociedade: mostrava a todos o que ia comer, mas nunca ofereceria nada a ninguém.
 Não demorou muito mais que 2 anos, e minha tataravó, assim como toda a comunidade, estava então acostumada a ver o pobre Aristides saindo em suas melhores roupas nas ruas, oferecendo cartões com os endereços de seus alfaiates, indo a excelentes restaurantes, sempre segurando um espelho a sua frente e falando sozinho as mesmas frases: ''É preciso ensinar a pescar. O melhor a se fazer é clamar por uma intervenção militar constitucional, isso dará certo. Direitos humanos? Isso não deveria existir! Eu acredito que seu professor de história mentiu pra você''.
 O coitado do louco sumiu do mapa, mas não antes de deixar uma placa que chocou toda a região, com os dizeres: #partiu2016.

Um comentário:

  1. Cara, to impressionada com esse texto! Aline, você tem que publicá-lo em outros locais. Esse texto precisa ser lido pelo o maior número de pessoas possível!

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