Estou numa fase boa da minha vida, isso porque estou conseguindo certo sucesso no âmbito profissional e em vias de conquistar alguns bens materiais que nunca pensei que teria. Estou aqui, parada em frente ao campo, feito o agricultor que está com tudo no jeito para iniciar a colheita. O que pensa o agricultor neste momento é exatamente o que eu gostaria de pensar: "é hora da colheita". Mas não penso assim - pelo menos não automaticamente.
Há alguns anos, em 2020, quando a pandemia ainda parecia um exagero de curta duração, eu tinha conquistado meu primeiro trabalho formal, com carteira assinada e direitos trabalhistas comuns. Pontuo que não era um trabalho qualquer - por uma afortunada coincidência era relacionado a uma área de meu interesse, e me permitia manter contato com meus amigos diariamente. Meu aniversário era no mesmo mês do meu primeiro 13º salário e meu cartão de crédito não era uma preocupação. Foi naquele ano que recebi muito carinho dos meus amigos. No trabalho, me presentearam com coisas maravilhosas, comemos um lanche delicioso, recebi muitas mensagens afetuosas, fui abraçada pela minha família, comi muito bolo de chocolate. Foi um dia todo de sorrisos! Um dia perfeito... perfeito! Perfeito demais, né? Estranho... perfeito, é? Sei não.
Ao final do dia, li para minha mãe algumas das mensagens que recebi de alunos da academia que frequento. Muitas delas me parabenizando, mas a maioria me agradecendo de algum modo. Um me agradecendo por uma interação positiva, outro por ajudar com a timidez, enfim, coisas maravilhosas que eu nunca imaginava receber. Minha mãe: "isso é presságio de morte".
Quando ouvi isso da minha mãe, fiquei bastante reflexiva. Apesar de eu ser cética, estava exercendo essa crença desarrazoada desde a tenra infância. Que cultura esquisita, essa nossa, de só demonstrar afeto nas condolências? A felicidade não deveria cheirar a caixão. Muitos dos meus sorrisos me fazem imaginar uma coroa de flores. Talvez seja aquela porcaria de "memento mori"? Sei lá. Ela sempre me deixa com um retrogosto de medo. Medo do final da felicidade. Medo da esperança que a felicidade traz.
Tem aquela sabedoria de Francis Bacon de que a esperança é um bom almoço, mas um mal jantar. Pois então, tenho medo de engasgar antes da primeira colherada. Percebi naquela ocasião como estou habituada à contradição de desgostar dos bons momentos da vida. Meu aniversário tinha sido espetacular, e fiz um esforço bizarramente hercúleo para desfrutar dele.
Por tanto tempo, e nem sei desde quando, eu me sentia como que vitoriosa por antecipar os maus tempos. Sentia esse orgulho esquisito de ter chegado antes do azar. Acontece é que eu sofria (e talvez ainda sofra) duas vezes mais. Se vou usar o "memento mori", que pelo menos seja da forma correta: É assim que eu chegaria no leito de morte? Com orgulho de não ter desfrutado das conquistas? Essa é a pessoa que eu gostaria de ser? Bom... se eu não me freasse, cairia no automatismo. Quero mesmo é chegar junto à sorte e, se possível, atrasada no azar.
Cinco anos se passaram, e peno em olhar para a colheita, só para ela, e me alegrar pelos bons frutos - sem pensar numa eventual seca, numa estratégia para combater a crueldade de um futuro terrível que nem se concretizou.
Não tenho como esquecer de Aristóteles, que orienta que vida boa é aquela em que se desfruta das coisas que causam deleite e se sofre com as coisas que causam sofrimento, cada uma em seu respectivo momento. É nisso que me firmo hoje.
Hei de aceitar que minha vida é boa, e está ficando melhor sem a crendice de pensar que a bonança atrai o mal. Em ter esperança, sem abandonar a razão e a alegria. Quero rir sem pensar que o riso é prelúdio do choro. Existem mais formas de se viver do que de morrer. Quero viver para aceitar que sou feliz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
E aí, o que achou?