quarta-feira, 12 de março de 2025

O shape fala por mim

Era quarta-feira à noite, e eu, exausta de um dia cheio de prazos, dirigia até a Câmara Municipal para uma palestra sobre o Dia das Mulheres. Passei a madrugada ajustando meu roteiro, mas, ironicamente, nada saiu como o roterizado.

Não foi diferente a ponto de eu ser convocada para ser DJ, lutar com alienígenas ou testemunhar um meteoro caindo do céu. Mas foi diferente o bastante para me deixar sem fala... Ou quase.

Havia uma plateia, um palco e vários sofás em cima do palco. O evento se iniciou à brasileira: marcado para as 19h, iniciado às 20h. Pensei comigo que, pelo caminhar da hora, decerto que nem todas ali em cima palestrariam.

Fui chamada para subir logo após uma primeira palestrante e me acomodei no sofá. Pensei "que sofazão... espera... quantos palestrantes...?!". 

Dez palestrantes.

Após uma oração fervorosa, a mestre de cerimônia colocou 'Maria, Maria' e pediu para acompanharmos o ritmo com palmas. Acontece que ela iniciou as palmas no tempo errado. A plateia hesitou, e logo tínhamos um auditório inteiro batendo palmas descompassadas, cada um tentando se guiar pelo ritmo errado das outras.

A mestre de cerimônia iniciou a palestra apresentando as figuras do palco e nos fez uma pergunta: "O que te inspira?". 

Enquanto a primeira palestrante falava com eloquência, eu fazia um esforço hercúleo para parecer atenta. Na verdade, minha mente alternava entre revisar as regras de oratória que aprendi em 2023 e me certificar de que minha expressão facial não traía minha falta de foco. Talvez eu tenha me alegrado num momento inadequado – mas corrigi a tempo de não ficar sorrindo enquanto lamentavam os números de violência doméstica, espero.

Chegou minha vez de responder o que me inspira. Me passaram o microfone. Odeio microfones. Microfones dão retornos, minha voz fica ecoando e minha atenção o acompanha. 

Pensei em ser sucinta respondendo à pergunta para que logo pudéssemos iniciar nossas falas. Como eu não estava preparada para essa pergunta, respondi simplesmente que minha família me inspira. Ocorre que menti, o que me inspira mesmo era o que eu diria no momento da minha palestra: a filosofia, Sócrates, minha sede por viver a vida, etc. 

Falei por 40 segundos e passei o maldito microfone para a palestrante ao meu lado.

"Na próxima elaboro melhor".

A palestrante ao lado e todas as outras falaram por bastante tempo. Conheci suas vidas, batalhas, individualidades, lutos e projetos sociais. Já havia se passado mais de uma hora de fala. Pensei que, se elas já tinham tanto a compartilhar em uma só pergunta, o tanto que ainda guardavam para suas palestras com certeza impressionaria.

Enquanto uma palestrante indígena falava, me pediram para abaixar a saia dela. Sentada no sofá, de frente para o público, ela não tinha cruzado as pernas. Ela chorava e, enquanto eu fingia confortá-la, tentava puxar discretamente o tecido da saia para baixo. Mas o tecido não colaborava! No fim, não consegui cumprir minha missão. Depois ela ficou me olhando com incômodo, talvez pensando por que passei tanto tempo alisando sua perna.

Todas responderam à questão, duas ou três choraram - foi o que percebi entre uma e outra revisão mental sobre meu roteiro: "primeiro falar sobre a infância feminina, depois Sócrates, depois ciência (...)". 

A mestre de cerimônia leu uma longa passagem bíblica sobre a vida de Sara, esposa de Abraão, e anunciou o encerramento da palestra. Uma das palestrantes ainda tinha algo a dizer e pegou o microfone para acrescentar detalhes sobre suas inspirações. A mestre, claramente incomodada, olhou para mim com olhar resolutivo: "Mostre os bíceps!"

Obedeci. Fiz a pose do duplo bíceps à Arnold Schwarzenegger. 

E a plateia aplaudiu animada. 

Meu tempo de fala foi menor do que o tempo que meus músculos passaram em exibição. Quando finalmente me perguntaram sobre minha motivação para o fisiculturismo, tentei responder. Mas, a cada tentativa, o microfone era ligeiramente afastado. Quando finalmente consegui falar, soltei um firme: ‘A filosofia’. 

A mestre me olhou com extrema confusão, agradeceu a todos e encerrou a palestra.

Bom... não precisei dizer nada, até porque o shape falou por mim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

E aí, o que achou?