Ontem sonhei que eu era uma pessoa mais simples, a nada questionei. Como foi incrível olhar aquele éter lúdico de sonhos com olhos tão humildes. Não sei se caminhava ou se estava parada, se eu caía ou voava, nem mesmo se eu era eu mesma: humana, viva, mulher.
Os sonhos talvez sejam quebra-cabeças feitos em desordem, que remontam o dia, a rotina, os anos e os desejos em uma estranha linguagem intuitiva e familiar. Existe quem pense ser possível extrair dos sonhos previsões do futuro ou códigos da alma. No Japão, está em desenvolvimento uma máquina que busca representar os sonhos integralmente. Mas fato é que o mundo dos sonhos só se entende, realmente, sonhando. Gasto as palavras tentando decifrar o que me acontece por lá todas as noites. É como se suas razões peculiares precisassem de palavras que não existem, de cores não descobertas, de sons que nunca ecoaram fora da imaginação arbitrária.
Platão entendia que se algo existia no mundo das ideias, poderia existir no mundo real. Talvez não sejam vãs as minhas tentativas de dar palavras, cores e sons para os meus sonhos... talvez esteja tudo aí ao acesso do possível.
O que consigo dizer é que sonhei que eu era mais simples do que sou aqui, agora, digitando, e o que resta para os meus neurônios é parafrasear a realidade.
Nos ocorre ver a vida com esses olhos simplificados em certas ocasiões... Nessas raras ocasiões em que focamos os olhos para entendermos uma imagem que se forma à medida que a compreendemos. Começamos pelo som, cor, e pela forma: é humana ou um objeto? O estranhamento é um relapso meditativo, é a concentração intensa no que nos acontece de imediato - nem sentimentos são formados, porque sua formação dependeria de uma conclusão observacional. No puro estranhamento nos faltam estímulos suficientes para a formação de qualquer convicção. Ele dura tão poucos milésimos de segundos! São tão rápidas as sinapses que formam o medo ou a alegria, ou a tristeza que o engole.
Os sonhos são os portais para um mundo de estranhamento contemplativo. Nos permite segurar a atenção no caos sem que o reconheçamos como tal. E por isso, talvez, seja um exercício tão complexo traduzir seus hieróglifos. Mas no que podemos descrevê-los, como humanidade, descrevemos. Nesse texto me inspiro nos grandes tradutores que tentaram.
E venho eu aqui, as 01h07min de uma quarta-feira ocupada, respirando o mesmo ar de Salvador Dalí, Picasso, Marta Minujín, só que mais poluído... no mesmo mundo que ecoou o albúm Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, a discografia dos Pixies, com os olhos de quem assistiu aquele filme "Comet", falando a mesma língua de Murilo Mendes e tantos outros bons poetas, descrever que ser simples é estar em estranhamento.
Ai quem me dera eu pudesse traduzir de verdade!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
E aí, o que achou?