quarta-feira, 25 de maio de 2022

Quem costura o destino das Moiras?

     Houve um acidente cósmico, em tempos em que não havia tempo algum. E foi um complexo estranho e único de elementos que nos formou humanos, que nos tirou do habitat natural da inexistência e nos possibilitou experienciar a vida. Depois de percorrermos várias e várias fases de adaptação ao nosso entorno, de sobrevivermos aos ambientes mais hostis, conseguimos obter um cérebro capaz de compreender quem somos, de questionar o ambiente, de nos fazer descer das árvores. 

 

Criamos a linguagem para a sobrevivência, nos tornamos tribos, vilas, feudos e cidades. Aumentamos nossos tempos em vida, através da ciência, e para lidarmos com mais tantos anos, passamos a apreciar mais as artes, nos envolvemos nos mistérios de nossa formação. Notamos a morte, durante esse processo, e passamos a perguntar sobre os significados das coisas - e os demos aos montes!

 

Fomos adoradores do fogo - aquele fenômeno incrível que possibilitou nossa sobrevivência -, do sol e da lua, dançamos para chuva! Humanizando esses eventos naturais, tornando-os mágicos, tornando-os deuses, por não conseguirmos compreendê-los ao tempo. 


O responsável pela nossa criação era Prometeus, e quem nos recolhia à morte era Hades, uns teriam sido criados por Deus, outros por uma variedade de outras entidades. Viemos do barro, da água ou do fogo. O nosso destino costurado pelas moiras e, depois, traçados por Deus. Essas questões nos assolaram e por elas nos enfrentamos em guerras, cuja finalidade era o estabelecimento do(s) verdadeiro(s) Criador(es)! Os que mais dizimaram, conseguindo seguidores coagidos, venceram. Por uma ironia, nos desumanizamos e então humanizamos os fenômenos da natureza, colocando-os acima de nós mesmos, daqueles que amamos, e do instinto de preservação, que tanto nos alçou.

 

Olhamos para o céu, para os confins da terra, para nós mesmos. Chegamos as conclusões mais inesperadas. Nos disseminamos e tudo se tornou comum. Hoje essa linha histórica, traçada à normalidade pelos poderosos, é o confortável status quo. Seguir esse caminho anestesiante, nos distancia da incrível oportunidade de existirmos plenamente, visto que não nos enfrentamos, fugimos do confronto podando os nossos impulsos, porque não vemos a oportunidade no existir, um mar aberto, mas no póstumo.

 

É um grande pesar a posição em que nos colocamos até agora, de tentarmos encantar o que por si só, sem mágica, já é encantado. Nossas existências são ínfimas em meio ao infinito, e por isso tão grandiosas para nós. Somos um curto suspiro, parte de tudo, formados extraordinariamente nessa forma, nesse tempo, nesse espaço, uma única vez. É uma aventura, a vida, e para aproveitá-la, precisamos despertar enquanto ela for capaz de durar.


É fato que a busca pelo significado do experienciar levou a humanidade à crença no divino. Com o desenvolvimento da racionalidade humana, o homem perdeu a anestesiante segurança de viver, irracionalmente, no ciclo animal de sobrevivência, reprodução e morte. Essa perda levou muitas das sociedades, instintivamente, à procura de proteção a esse novo mundo desvelado pelo raciocínio. Curiosamente, assim como o engrandecimento da democracia e a consequente diminuição do Estado, lançou os seres sociais na busca de apoio no Judiciário!

Cada região passou a criar, a seu tempo, divindades que as acolhessem em suas particularidades regionais, em consonância com as questões que os assolavam, moldando-as à sua imagem e semelhança.

O ateísmo é a simples descrença nesse(s) líder(res) como seres divinos e não meramente históricos. Não há segredo ou paradoxo, pelo contrário, uma pessoa é ateísta por motivos simples, quais sejam, (1) ignorância na existência daquela entidade divina (Ganesha, Hera, Hórus, Iansã, etc) ou (2) quando conhece a entidade e a nega como ser divino. Dessa forma, não há como chegar a outra conclusão, senão a de que todos os humanos são ateus, em maior ou menor porcentagem – sendo um exemplo disso um caso em que um cristão, monoteísta, conhecedor dos deuses gregos, hindus e indígenas, nega essas divindades tanto quanto um completo ateísta.

Um completo ateísta preenche as duas alternativas, ou seja, não crê por ignorância, vez que é impossível tomar ciência de todas as milhares de entidades existentes, assim como nega, por diversas razões, àquelas a que foi apresentado. O ateu assim é definido, por não ver coerência nas explicações dadas pela doutrina religiosa.

Em oposição ao transcendente e metafísico, um ateu completo é plenamente capaz de diminuir seu percentual de ateísmo, sendo que o peso da prova que leva a essa diminuição varia de descrente para descrente. Além disso, ele não só pode, como questiona seu raciocínio, sendo incabível ver nessa descrença uma forma de crença, visto que o conceito de ateísmo não se atém a um mero negacionismo que se desvela numa verdade inquestionável. Muito pelo contrário, tudo é passível de questionamento e mudança, o que afasta qualquer indício de que sua inconformidade com as explicações sagradas o torne indício do existir de qualquer razão superior ou espírito perfeito.


O descrente não descrê nas entidades de forma linear, ou melhor, sua descrença não é uma proposição concreta, não é um conjunto de ideias estático, críveis pelo que são, como se vê na crença, mas sim metódico (cujos métodos variam), científico, que pode mudar em suas composições de suas ideias, a depender do contexto histórico, científico, fático, psicológico, etc – o que não ocorre na crença, que é tradicionalista, rígida, imutável. 


O questionar do descrente apenas se assemelha ao do agnóstico, no que se refere a impossibilidade da comprovação do sagrado através do método científico, no entanto, difere em algo crucial: o ateu não crê naquilo que não se pode provar, é guiado pelos fatos, enquanto que o agnóstico é evasivo em chegar a conclusões, pois guiado por ideias, parte do pressuposto de que os seres divinos, impassíveis da comprovação através dos métodos humanos, tem todos a possibilidade de existirem, na mesma medida em que não tem possibilidade de existirem! É um crer/descrer, que só será desvelado, como numa caixa de Schrodinger, se houver Olimpo, Inferno, Submundo, Valhalla ou o Nada. 


Para ilustrar melhor, para essa vertente, a probabilidade da existência de Iansã é a mesma da de Zeus, do Deus cristão... ou mesmo do Uberman de Chocolate que eu acabei de inventar, considerando que todos esses seres não podem ser cientificamente comprovados! De fato, o ateu completo vê uma coerência na não-visão da coerência, visto que confere razão a razão, ao provável, ao científico, justamente para não se submeter a confusa filosofia agnóstica ou mesmo a práticas religiosas exaustivas - ressaltando que cada entidade possui sua escala de valores e rituais. 


O mais provável e coerente para o ateísta, é a hipótese de que a existência de tais entidades e religiosidades já tenha "completado o ciclo de conhecimento" através de uma possível "aparição"Tal aparição seria extraída da detida análise da história humana, no sentido de que os fenômenos naturais teriam sido humanizados e alçados ao sagrado. Essa hipótese, bastante forte, bastante provável, derruba genericamente todos os deuses - mesmo aqueles pelos quais somos ignorantes e que morreram com as sociedades ancestrais. Fora isso, não há como comprovar através do método científico de que exista qualquer deus, pois não há como vê-los, extrair qualquer parte de seus seres para análise, sendo preciso salientar que suas retratações são diversas, mutáveis de região para região, de doutrina para doutrina, dificultando, dessa forma, uma total comprovação de suas inexistências. 


No entanto, contra eles [deuses], pesam os pesados fatos e a reflexão acerca deles, que não leva a outro caminho senão o da descrença, como já dito anteriormente. 


Mas, se esses fatos se mostrassem leves, se o científico alçasse o divino, se se comprovasse que qualquer dessas entidades fosse a detentora da Criação, da Vida, qual alegria essa conclusão traria a humanidade? Nossa vida teria sido dada em vão, para o prazer de alguma dessas entidades, como se fôssemos animais em um pavoroso zoológico, criados com instintos que devem ser podados e punidos, com uma liberdade coagida pelo medo do inferno póstumo. Nossa carne negada para sermos aceitos em um pós vida infinito, como se fôssemos peões em um jogo sádico de algum desses deuses, aqui na terra, presos às suas insanidades. 


Se os deuses existissem, eles seriam temidos, visto que poderosos. 


Se existissem, com razão, os mais lúcidos de seus escravos 

os odiariam. 







Nenhum comentário:

Postar um comentário

E aí, o que achou?