quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Poetria II

Funestos versos

Sois assim,

meus... 

só meus os são.

Os antiversos

remorsos reversos

os reveses

 E a compunção.


terça-feira, 19 de outubro de 2021

domingo, 17 de outubro de 2021

H.H., erotismo e paradoxo

  Há muito tempo venho ensaiado publicar algo sobre esta senhora super cool e de nome gringo. Cá estou! 


  Hilda de Almeida Prado Hilst, conhecida como Hilda Hilst, era uma premiada poeta paulista, nascida em 1930. Formou-se em Direito na USP, mas dedicou sua vida à poesia, tendo escrito o seu primeiro livro no ano de 1950.

  Hilda também escreveu peças de teatro e ficções. Nos anos 90, adentrou na escrita pornográfica e, mais à frente, tornou-se cronista  para o Correio Popular em Campinas. Hilda faleceu no ano de 2004 - um ano em que eu estava ocupada demais, aprendendo a tabuada, para poder procurar conhecer essa mulher incrível.


  Meu primeiro contato com a poesia da Hilda foi através das redes sociais, em pequenos trechos desconexos, assinados pelas iniciais do nome: H.H. Apesar de tantas premiações dadas a uma poeta brasileira, seu nome nunca me foi mencionado durante a escola, daí que achei que ela era gringa - como ignoraram ela?! Dos poemas que li, achei-os bem eróticos, e essa interpretação foi confirmada quando uma amiga me emprestou o livro "júbilo, memória, noviciado da paixão", lançado em 1974 ((daí o motivo de não ter sido mencionada nas aulas de literatura)).


  Vou colar aqui alguns dos poemas da Hilda, que me inspiraram a explorar mais o erotismo, no poema "A tensão!", de minha autoria (link clicando aqui):


1. Aflição de ser eu e não ser outra.
     Aflição de não ser, amor, aquela
     Que muitas filhas te deu, casou donzela
     E à noite se prepara e se adivinha
     Objeto de amor, atenta e bela.
     Que te retém e não te desespera.
     (A noite como fera se avizinha)
     E ter a face conturbada e móvel.
     E a um só tempo múltipla e imóvel
     Aflição de te amar, se te comove.
     E sendo água, amor, querer ser terra.
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2.  
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento
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3.
E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.

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  Retomando, sobre o livro "júbilo, memória, noviciado da paixão", os primeiros poemas não são endereçados à alguém, mas com o passar das folhas, após o poema IX, ela direciona diversos escritos a um tal de Túlio, que são cheios de paixão, e depois de um certo rancor por ele

IX
Debruça-te sobre a tua casa e a tua mulher
E pergunta no mais fundo de ti, no teu abismo,
Se é maior teu espaço de amor, ou maiores
Que o céu esses rigores, a ti te proibindo
Tua amiga incorporada ao teu próprio destino.
Do máximo e do mínimo e a meu favor
(Não me louvando a mim o raciocínio)
Ressurgiria um conceito didático, exemplar:
De que não cabe medida se se trata
Dessa coisa incontida que é o amor.
O coração amante se dilata. O preconceito?
Um punhado de sal num mar de águas.
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III
Túlio: aceita a graça que te concede
A padroeira, a mãe do meu Senhor, 
De me tomar a alma e o corpo, e atrair
Para o teu próprio gozo, essa que anda
A te louvar, essa primeira
A te cantar no verso, tua amiga, eu mesma,
Incendiada, coroada de espinhos, e apesar
Sempre viva
(...)

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VI
Soergo meu passado e meu futuro
E digo à boca do Tempo que os devore.
E degustando o Êxito do Agora
A cada instante me vejo renascendo

E no teu rosto, Túlio, faz-se um Tempo

[...]

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  Em seguida, um capítulo todo (ode descontínua e remota para flauta e oboé. de ariana para dionísio), escrito por uma persona chamada Ariana, é direcionado a um tal de Dionísio. E esse Dionísio trata-se de alguém que fez a Ariana sofrer, bastante. Depois desse capítulo, alguns poemas bastante tristes, que remontaram-me a ideia de suicídio, Túlio torna a ser mencionado. Pelo que me parece, os homens tratam-se de amantes do(s) eu(s) lírico(s).



IV
Porque te amo
Deverias ao menos te deter
Um instante
Como as pessoas fazem 
Quando veem a petúnia
Ou a chuva de granizo
[...]
Porque te amo, Dionísio,
É que me faço assim tão simultânea
Madura, adolescente
E por isso talvez
Te aborreças de mim.

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V

Quando Beatriz e Caiana ter perguntarem, Dionísio,
Se me amas, podes dizer que não. Pouco me importa
Ser nada à tua volta, sobra, coisa esgarçada
No entendimento de tua mãe e irmã. A mim me importa,
Dionísio, o que dizes deitado, ao meu ouvido
E o que tu dizes nem pode ser cantado
Porque é palavra de luta e despudor.
E no meu verso se faria injúria
E no meu quarto se faz verbo de amor.

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  E o que entendo ter acontecido com Dionísio, aparece uns capítulos depois "Esquivança, amigo./É o que se faz em ti./Frígido, esquivo/Da benquerança de mim". 

  E quanto à Túlio? Um tanto mais a frente, ele é questionado pelo eu lírico "Tu ainda me amas?/ Eu te pergunto lívida/ (...) E te levantas, me olhas/ E te fazes cansado/ De perguntas antigas", umas folhas adiante ela lhe diz "Tem sido o teu reinado, inconsistência./ Ou te transformas, rei de fogo e justo,/ E, a quem merece, dás amor e alento/ Ou se refaz em ira a minha luxúria/ Me desfaço de ti, muito a contento".

 Instigada pela leitura desses amantes todos, acabei por encontrar um álbum do Zeca Baleiro, chamado "ode descontínua e remota para flauta e oboé. de ariana para dionísio", lançado em 2005, e um romance chamado "De Dionísio para Ariana", além de teses de doutorado e um tantão de artigos, e concluí que não fui a única instigada. Definitivamente.

  Durante as leituras post-júbilo, retirei mais algumas conclusões sobre essa série de poemas, como sendo a descrição da formação do amor da mulher para com o homem, cheio das antíteses que se juntam nesse sentimento calmo e agitado: o correto e o incorreto, corpo e a alma, o sagrado e o profano, o grego e o cristão, o céu e a terra, a terra e a água (e até entre a do mar e a do rio). 

  Antíteses, dilemas, dualismos, paradoxos ambulantes... E tentamos nós, cinicamente afastar a existência de nossas incoerências, vivendo uma constante punição por não sermos unidimensionais. Aí que vem o amor, o erotismo, a paixão, nos destrambelha a todos, e depois a poesia, que termina de desorganizar (ou de expressar essa desorganização?).

 Concluindo, uma provocação de Hilda para que você questione seus próprio paradoxos: "Se o teu, o meu, o nosso do tigre/ Se fizesse livre, como seria?" (...) "Te farias mais garra?/ Mais crueza? Ou nasceria/ Em ti uma outra criatura/ Límpida, solar, ígnea?".


terça-feira, 5 de outubro de 2021

A gota d'água

  Algumas solitárias gotas frias insistiam em cair pesadamente no asfalto. Aproveitou a deixa e acendeu o último cigarro, enquanto se escorava. Olhou para baixo e pensou na solidão, enquanto balançava o calçado, tão gigante, pisando naquela rua pequenininha, escurecida pela umidade da chuva. Ninguém lhe conhecia, assentiu com o trago. Sim... sim, sabiam seu nome. Poucos se alongaram ao sobrenome, e menos ainda permaneceram até o apelido, e mesmo estes não lhe conheciam. Sim... já passaram os olhos em seu sorriso e viram suas lágrimas, mas nada além das feições de seu rosto. Ouviram o tom da sua voz, mas nunca suas razões e o tamanho de suas feridas. Surgiram e sumiram (e incontáveis tantos) sem que lhe fizessem real companhia. Ser a si era seu segredo máximo, a que a ninguém interessaria contar. Era só, sim... era só. Acabou-se o cigarro em seus dedos. À distância somos chuva. Mais longe, ainda, estações. Aproximou o queixo à mão, afunilando o olhar. A gota ainda é uma gota enquanto cai, somente em seu fim se une inominada às poças que evaporam. A boca formou, então, um inaugural sorriso genuíno, e a lonjura entre a ponte e o solo já não lhe pareceu mais tão interessante, assim.