quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

O subsolo

  Costumo olhar pro espelho para ver meu reflexo e costumo perguntar aos amigos sobre como me enxergam, pelo mesmo motivo. Gostaria de me conhecer por fora, quando sequer me conheço por dentro! De qualquer modo, especulo, e eis minhas conclusões:

  Eu, à primeira vista, pareço bastante séria, bastante calma, bastante dona de mim. Mais de perto, pareço ser cômica, pareço ser interessante e pareço ser inteligente. Mais de perto ainda, pareço nunca falar à sério, pareço encenada, pareço prepotente. Aproxime-se o suficiente, e pareço desesperada por atenção, narcisista, arrogante e estúpida. Mais um pouco, e é onde todos estacionam, pareço imatura, com pensamentos e reações infantis. Entre em meus pensamentos, onde nem mesma eu piso, e se deparará com o que sou de verdade: triste, obcecadamente triste.

  E por ser tão triste, acredito que acabo sugando as forças vitais dos outros, então é preferível que eu use de todos esses disfarces, a fim de que eu mantenha uma distância segura entre nós. Humana que sou,  quando se faz forçoso chorar, a lágrima não é a água que sai dos olhos, é a escrita que sai às pressas e compulsivamente. Assim que me alivio quando a pressão interna é demais.

  Externamente, choro em riso, que é mais legal.

Terminantemente

  Quando tudo está tão calmo e, repentinamente, algo te faz olhar aquela caixa de discos velhos, um cheiro antigo e conhecido se espalha no ar ou os olhos se lançam preguiçosos a uma fotografia recordada, nasce e morre, em um segundo, o estranho sentimento de que as coisas que acabaram, acabaram definitivamente, sem se ter como voltar atrás ou ir adiante. O cérebro remonta uma imagem que já se apagou no tempo e no coração, não existindo sequer saudade.

   A tristeza deu lugar à uma indiferença. Aquele tornado de sentimentos se finda e somente uma memória longínqua das lágrimas e dos sorrisos se fixa em um canto qualquer da mente. E rememorar a despedida dez vezes ao dia, como antes, é insistir em ouvir a um disco arranhado: irritante, e por isso desligou-se o som, quase que inconscientemente. Naturalmente, inunda-se o peito de um calmo silêncio. Foi-se a tanto tempo e tão terminantemente que as palavras da lápide, em meio a tantas outras lápides, de fato, se apagaram.

   É isso, e ponto final.

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Sépia

  Li por aí que as experiências mentais equivalem às experiências reais para o nosso cérebro. Mas, ao meu ver, apenas equivalem, não são exatamente a mesma coisa, tanto é que conseguimos distinguir sonhos de ilusões de realidade - ou pelo menos deveríamos, uma mente saudável consegue.

 Eu vivo muito tempo dentro de mim e alimento conscientemente muitas ilusões de como a minha vida deveria seguir, vou escrevendo a história ao meu bel prazer, dispensando qualquer coerência ou senso de responsabilidade, logo, tudo que que imagino se torna perfeito. Na minha mente, nunca há chuva quando deve haver sol, todos os diálogos se seguem em perfeita consonância, ninguém realmente se machuca pelos meus atos e estou sempre de bom humor. Vou sonhando enquanto meu corpo vive no mundo real, idealizando as situações, sem realmente agir para que aconteçam, me contentando com a irrealidade.

 Mas existem esses momentos em que a realidade, que nunca deixa de fazer o seu papel, me acorda, e é horrendo ser acordada! Eu acordo sempre muito mal, querendo voltar a dormir, mas quando tento retomar o sono, já não existe cama, não existe qualquer contexto que deixe me confortável pra sonhar, e esse desconforto é duro de enfrentar. 

 Se eu vivesse mais tempo na realidade e menos tempo na imaginação, o contraste entre a perfeição dos meus sonhos e dureza fria dos fatos reais seria menos delineado, o acordar não seria tão espantoso assim, eu já estaria acostumada a me levantar e a tomar as decisões difíceis que devem ser feitas durante a vida adulta.

 Ao mesmo tempo, o acordar odioso, me traz a possibilidade de viver um dia ou dois, realmente. Quando fico acordada por tão longo período, penso que não é possível viver de sonhos. De fato, as coisas que se realizam ali não se equiparam ao que se vive fora deles. Sentir o toque, a presença e ouvir a voz, de verdade, nunca será trocado pela memória dos toques, pela presença fantasmagórica dos sonhos e o sons mudos que saem dessa boca. As cores da realidade são mais vívidas e a satisfação dos desejos reais é infinitamente mais prazerosa. Não há como sentir, realmente sentir, de olhos fechados, vendo só o que se tem pra dentro do crânio. Sim, o acordar é doloroso, mas é também magnifico. Eu me lembro que preciso, necessito e me vicio no toque real, na voz real, na presença real, de olhos reais me olhando de volta e de reações espontâneas, imprevisíveis ao meu inconsciente. Eu nunca poderia simular toda a graça que é a companhia verdadeira, utilizando apenas a parca memória de momentos que morreram. Eu quero presença física, não aguento mais pensar no que foi, no que poderia ter sido, quero agir, de corpo, mesmo.

 Mas ao primeiro sinal de tristeza, tudo fica escuro, e então lentamente e repentinamente, volto ao sono, tudo fica sépia, inconsciente e perfeitamente irreal.