sexta-feira, 29 de maio de 2015

Conto: A nostalgia


 Estava me recuperando de uma queda drástica da fantasia para a realidade, meu coração de 15 anos estava estraçalhado. Tinha acabado de perceber que eu não conseguiria tudo que queria na vida: a tão sonhada popularidade e o namorado super-gato-que-todas-queriam. É, eu tinha levado um fora dos grandes, além da tiração de sarro que sofria dos colegas de turma. Por falta de um exemplo bom na época eu acabei pendendo pro álcool e festas pra me sentir bem de novo. Na época, as festas eram como doses de cura. Colocava meu vestido apertado, o batom vermelho, o rímel. A máscara exagerada do que eu queria ser: uma mulher que não liga pra nada, uma prostituta intocável, alguém que faria um capítulo de um livro. Com a bebida alcoólica eu me sentia assim... Invencível, a garota que era bonita e tinha a admiração dos garotos, a garota que era diferente. Me esforçava muito pra interpretar um papel, até hoje faço isso, não gosto de ser assim. Enfim, quando fecho os olhos parece que eu volto para aquela época... quando eu o conheci.
 Uma viajem tinha sido marcada, uma semana longe dos pais, sete dias no paraíso e os hormônios adolescentes florescendo em mim. Acho que nunca mais vivi como naqueles dias, na verdade, não será possível viver nem uma cópia do que foi sentido. Só é possível recordar...
 Dentro do ônibus as risadas, meus olhares direcionados a alguém que eu desejava de uma forma proibida, demos as mãos, olhamos um pro outro, a tensão no ar... Até que ouvi a voz dele. A risada rouca, as brincadeiras bobas. Ele se aproximou. Não sei bem como fomos parar nos divertindo tanto. Mal me lembro do que dissemos, na verdade.
 A chegada no paraíso, as descobertas feitas lá, o mar, tudo era tão simétrico. O corpo dele na piscina desenhado pela água. Nada se via através de seus óculos escuros, nem dos meus. Mesmo assim, compreendíamos que olhávamos um ao outro.
 A chegada passou, fomos para o mar, todos prestavam muita atenção nas lições que passavam. Eu só tentava descobrir se ele estava me olhando de volta... Por que nunca o perguntei isso? Por que estava amanhecendo e anoitecendo tanto naquela semana?
 Estávamos na escuna. Diziam os significados de bombordo e estibordo, mas não ligávamos. Nossas peles estavam encostadas. Ombro com ombro. A felicidade estava me inundando.
 Deitados um do lado do outro naquele paraíso, não sei como tomei coragem de tocar seu cabelo. Nunca tive certeza se ele esteve dormindo. Hoje vejo fotos, eu estava sorrindo como nunca mais irei sorrir.
 Nosso primeiro beijo foi arranjado, lembro da sua sombra atrás da minha. Lembro do caminho de pedras brancas... da escada azul. Eu estava ardendo de dentro pra fora, acho que ele também. Tinha me esquecido como era amar sem álcool, como era sentir a sobriedade da vergonha. A pior coisa que aconteceu foram os passos dos outros voltando, a nossa boca saindo do laço, o olhar dele. Acho que fui a primeira a tomar os beijos dele.
 Então estávamos de volta ao ônibus, e eu não sabia como dormir do lado dele. Toda hora me levantava com alguma desculpa, toda hora eu o observava de esguelha.
 Chegamos a última parada da semana, ele não se aproximava, nós nos distanciamos. Procurei abrigo em outro abraço. Será que contaram pra ele?
 O dia acabando e ele finalmente envolveu os braços nos meus ombros, nos beijamos ferozmente. Senti tanto a sua falta, parecia que iria sufocar. Eu o mordia, o amei tanto naquele momento. Implodi, enlouqueci, saí de mim, onde estive?
 A semana acabou. O mês sumiu. Nos beijamos outras poucas vezes. Seu jeito me deixava possessa, ele não vinha a mim como eu queria. Voltei ao álcool, a outras bocas. Meu pensamento tava sempre lá do lado dele.
 O afastei de mim.
 Tentei o buscar pra mim, não deu. Os anos passaram, amo outro, ele foi virando lembrança. Ele também passou da vida. Seu velório estava cheio de tristeza. Levou uma parte do nosso segredo consigo. Parece que passou um pedaço meu junto.

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