quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Quanta feiura!

Juro. 

Nós mulheres fomos criadas para sermos bonitas e o negócio é tão bem feito que não largamos essa ilusão durante toda a vida útil. 

Eu tinha bochechas rosadas, olhos grandes e castanhos e um cabelo loiro cortado em tigela. "Olha lá como é bonitinha! Que sorrisinho! O que essa belezinha não me pede sorrindo que não lhe entrego chorando?". E a gente sorri, de sorriso largo e ganha um chiclete, um bombom, uma boneca. A belezinha, no entanto, vai sumindo desengonçada e dá lugar às acnes, pelos em lugares estranhos, dentes encavalados, cabelos oleosos. Daí que a gente se vê no espelho e já constata que ninguém quer nos ver sorrindo até que os dentes se ajeitem. Santo deus! Os peitos são nossa chance, sabe? Mas nossos seios, ou crescem demais, ou crescem de menos. Se demais, ninguém nos olha nos olhos. E se de menos, ninguém nos olha! Nin.Guém.

A mulher entra numa busca obcecada por aquele carinho inicial que a beleza proporcionava. Umas escondem os seios com camisas largas, outras enchem o sutiã de algodão. A descoberta do bojo, para mim, foi mais revolucionário que o fogo ou a roda. Para acne: maquiagem; para os temíveis dentes: aparelhos ortodônticos. Hoje ainda os fazem invisíveis. A jovem sorri e ninguém poderá chamá-la de Bete a Feia. Cá pensando, mesmo com esse avanço tecnológico que poupa o sofrimento da adolescente, a beleza não sabe correr como a feiura sabe perseguir. Ser feia é inevitável. 

A gente quebra a cabeça, gasta as economias, financia o procedimento estético, mas não adianta de nada. É só dar uma olhadinha na rede social que o feitiço se desfaz. PLIM! Penso, ainda hoje, uma já trintona, cética, racional, formada, especialista, feminista, que se eu fosse bonita, absolutamente todos os meus problemas estariam resolvidos. O Imposto de Renda não existiria. O Estado não teria a coragem! Eu nunca pagaria do bolso um IPVA. O IPTU é que me mandaria tributos para eu continuar habitando no terreno urbano. Tenho certeza que a minha beleza valorizaria o imóvel e a comunidade. 

Ah, se eu fosse bonita... eu nunca teria meu coração partido. Eu não teria tristeza. Se eu fosse bonita, eu não precisaria ir ao ginecologista, tenho certeza disso. E só iria ao dentista para servir de exemplo por possuir uma bela arcada dentaria, sem tártaro algum. Nem bafo pela manhã.

Se eu fosse bonita, e disso tenho certeza, não ficaria doente, e se ficasse, seria aquela doente de novela sabe? Aquela protagonista que curte a vida e serve de exemplo quando, ocasionalmente, aparece com um tubo de oxigênio. Seria uma Branca de Neve repousando lindamente num caixão de vidro. 

Mas o mais importante, a economia seria mais humana se eu fosse bonita. Isso porque, se eu fosse bonita, eu teria então tempo suficiente para arrumar solução para a distribuição de renda. Justamente porque esse é o tempo que gasto ao olhar horrorizada meus duzentos autorretratos. 

Se eu fosse... eu não seria a imagem que vejo agora no reflexo do espelho. Se todas as mulheres fossem... o aborto estava legalizado.

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