terça-feira, 30 de dezembro de 2025

Autoflagelatoria

 Sempre me vem a vontade de escrever pela madrugada. Mas para escrever, preciso do meu notebook, do silêncio e da companhia da solidão. E tempo. Me vejo ocupando o ponteiro do relógio com outras mil coisas improdutivas. Ando consumindo muito: das compras de final de ano aos conteúdos da internet. Consumo. Consumo e consumo mais um pouco. 

 Alie isso ao fato que, por ver tanto, ouvir tanto, já não consigo lá bem distinguir algo que me inspire a iniciar uma digitação. E é por isso que não escrevo tanto. São múltiplos os fatores para não criar. Mas eis-me aqui. Escrevendo, vagarosamente, protelando para produzir. Produzir... Não... eu deveria estar pensando mesmo é em criar!

 Produzir tem dessa polissemia de trabalho, de capitalismo selvagem, de blockbuster. Como se pudéssemos quantificar a necessidade de autoexpressão numa cifra em dólar. Vira tudo uma alíquota ou algum outro termo mercadológico que nos permita precificar e comparar a produtividade de um artista em relação a outro. Acho que me reinfecto com esse vírus da produtividade quando me deparo com tantos bons textos, bons trabalhos, tanta gente tão melhor, em seu mínimo, do que o máximo que eu poderia ser. 

 Produção é coisa cansativa, desgastante, tem cheiro de burnout, tanto é que caio nessa procrastinação autoflageladora antes mesmo de colocar o pincel na tela. Me estressar tanto para não receber nem um mísero centavo? A produtividade artística com certeza sairá numa sequência de 'Sociedade do Cansaço': a 'Sociedade da Exaustão'.

 Algo que venho pensando há algum tempo é que criar é um privilégio. Mesmo que essa criação seja ínfima, ortograficamente questionável e esteticamente entediante. O artista não deve deixar a mão enferrujar completamente. O excesso de consumo talvez o faça entender que tudo que é preciso ser expresso já o foi. Não foi. Cada humano é feito de uma infinidade de sensações combinadas que são únicas, como as digitais do dedo anelar. 

 Nem sempre nos é possível chorar a lágrima de alguém; é preciso sentir a umidade na nossa própria pele, para que nos venha o suspiro do alívio. O amor, por mais que Neruda tenha apontado sua direção secreta, ali entre a sombra e a alma, talvez esteja no coração. Talvez mais à esquerda.

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