domingo, 16 de março de 2025

Teu nome

Escrevi meia palavra num poema quando queria mesmo escrever teu nome. Teu nome... Teu nome... Teu nome... Eis teu nome. Apaguei e reescrevi muitas vezes uns trechos. Risquei o chão com giz. Perambulei pela casa. Meditei em frente à geladeira. Rearranjei os ímãs. Iniciei duas pinturas. As tintas secaram e as folhas permaneceram brancas. Andei pelas ruas, quando queria rumar à tua casa. Cumprimentei estranhos, quando queria te chamar. Falei em silêncio com a tua ausência sobre aquele assunto que não terminamos. Escutei sons que não da tua voz. 

Se a ti não tenho, tenho em companhia este fantasma, que por ora me basta.

quarta-feira, 12 de março de 2025

O shape fala por mim

Era quarta-feira à noite, e eu, exausta de um dia cheio de prazos, dirigia até a Câmara Municipal para uma palestra sobre o Dia das Mulheres. Passei a madrugada ajustando meu roteiro, mas, ironicamente, nada saiu como o roterizado.

Não foi diferente a ponto de eu ser convocada para ser DJ, lutar com alienígenas ou testemunhar um meteoro caindo do céu. Mas foi diferente o bastante para me deixar sem fala... Ou quase.

Havia uma plateia, um palco e vários sofás em cima do palco. O evento se iniciou à brasileira: marcado para as 19h, iniciado às 20h. Pensei comigo que, pelo caminhar da hora, decerto que nem todas ali em cima palestrariam.

Fui chamada para subir logo após uma primeira palestrante e me acomodei no sofá. Pensei "que sofazão... espera... quantos palestrantes...?!". 

Dez palestrantes.

Após uma oração fervorosa, a mestre de cerimônia colocou 'Maria, Maria' e pediu para acompanharmos o ritmo com palmas. Acontece que ela iniciou as palmas no tempo errado. A plateia hesitou, e logo tínhamos um auditório inteiro batendo palmas descompassadas, cada um tentando se guiar pelo ritmo errado das outras.

A mestre de cerimônia iniciou a palestra apresentando as figuras do palco e nos fez uma pergunta: "O que te inspira?". 

Enquanto a primeira palestrante falava com eloquência, eu fazia um esforço hercúleo para parecer atenta. Na verdade, minha mente alternava entre revisar as regras de oratória que aprendi em 2023 e me certificar de que minha expressão facial não traía minha falta de foco. Talvez eu tenha me alegrado num momento inadequado – mas corrigi a tempo de não ficar sorrindo enquanto lamentavam os números de violência doméstica, espero.

Chegou minha vez de responder o que me inspira. Me passaram o microfone. Odeio microfones. Microfones dão retornos, minha voz fica ecoando e minha atenção o acompanha. 

Pensei em ser sucinta respondendo à pergunta para que logo pudéssemos iniciar nossas falas. Como eu não estava preparada para essa pergunta, respondi simplesmente que minha família me inspira. Ocorre que menti, o que me inspira mesmo era o que eu diria no momento da minha palestra: a filosofia, Sócrates, minha sede por viver a vida, etc. 

Falei por 40 segundos e passei o maldito microfone para a palestrante ao meu lado.

"Na próxima elaboro melhor".

A palestrante ao lado e todas as outras falaram por bastante tempo. Conheci suas vidas, batalhas, individualidades, lutos e projetos sociais. Já havia se passado mais de uma hora de fala. Pensei que, se elas já tinham tanto a compartilhar em uma só pergunta, o tanto que ainda guardavam para suas palestras com certeza impressionaria.

Enquanto uma palestrante indígena falava, me pediram para abaixar a saia dela. Sentada no sofá, de frente para o público, ela não tinha cruzado as pernas. Ela chorava e, enquanto eu fingia confortá-la, tentava puxar discretamente o tecido da saia para baixo. Mas o tecido não colaborava! No fim, não consegui cumprir minha missão. Depois ela ficou me olhando com incômodo, talvez pensando por que passei tanto tempo alisando sua perna.

Todas responderam à questão, duas ou três choraram - foi o que percebi entre uma e outra revisão mental sobre meu roteiro: "primeiro falar sobre a infância feminina, depois Sócrates, depois ciência (...)". 

A mestre de cerimônia leu uma longa passagem bíblica sobre a vida de Sara, esposa de Abraão, e anunciou o encerramento da palestra. Uma das palestrantes ainda tinha algo a dizer e pegou o microfone para acrescentar detalhes sobre suas inspirações. A mestre, claramente incomodada, olhou para mim com olhar resolutivo: "Mostre os bíceps!"

Obedeci. Fiz a pose do duplo bíceps à Arnold Schwarzenegger. 

E a plateia aplaudiu animada. 

Meu tempo de fala foi menor do que o tempo que meus músculos passaram em exibição. Quando finalmente me perguntaram sobre minha motivação para o fisiculturismo, tentei responder. Mas, a cada tentativa, o microfone era ligeiramente afastado. Quando finalmente consegui falar, soltei um firme: ‘A filosofia’. 

A mestre me olhou com extrema confusão, agradeceu a todos e encerrou a palestra.

Bom... não precisei dizer nada, até porque o shape falou por mim.

quarta-feira, 5 de março de 2025

Sobre o dia das mulheres e uma palestra

Fui convidada a palestrar num evento para mulheres. Querem que eu fale sobre minha experiência como mulher fisiculturista. A plateia será formada por mulheres comuns, muitas delas sequer pisaram numa academia e pensam que o movimento físico ficou para a infância - o que é uma pena. Nos remexíamos pulando no colo dos pais, subindo numa árvore, rolando no gramado, pulando em poças d'água, na amarelinha até chegar no céu. As mulheres deixam de fazer muitas coisas legais quando crescem, é raro vê-las mantendo passatempos da infância - ao contrário dos homens, que levam o futebol e os jogos até o último suspiro de vida.

A academia é tida, pelas mulheres, não como um espaço de movimento, mas como um espaço da vaidade - essa coisa vã que nos atrapalha nos afazeres domésticos e nas carreiras profissionais. Muitas mulheres temem esse lugarzinho assustador, fétido, competitivo e triste, que as fazem pensar que ali não é seu lugar, que não levam jeito, que estão ali perdendo tempo. Algumas se atrevem a ir com a única finalidade de obterem um resultado, conquistarem o que querem e saírem de lá o mais rápido possível. Se não conseguem rapidamente, desistem, se contentam com a ideia de que não possuem talento para o negócio e fogem sem olharem para trás! Arrivederci!

Além disso, antes os médicos mandavam os doentes, idosos e as gestantes fugirem da prática física. Hoje, isso já não é mais padrão, mas ficou marcado no inconsciente coletivo que o treino é para quem já tem saúde de atleta! E isso já ouvi nos discursos de muitas mulheres com quem conversei.

Segundo relato de Xenofonte, Sócrates conversou com Epigenes sobre sua força física. Epigenes afirma não se exercitar por não ser um atleta, ao que Sócrates responde com uma lição sobre os benefícios do exercício e as consequências da negligência. Dentre os benefícios, e isso há milênios (!): a luta contra a depressão, manutenção da memória, combate à insanidade e a obtenção de força para enfrentar os perigos e proteger a cidade.

Sócrates fecha o argumento apelando para a própria vaidade de Epigenes, dizendo-lhe que "é uma desgraça envelhecer por pura negligência, sem descobrir que tipo de pessoa você poderia se tornar ao desenvolver sua força e beleza corporal ao máximo. Mas você não pode perceber isso se for descuidado, pois isso não acontecerá por si só." (Memorabilia, 3.12).

Tem uma frase, atribuída ao Sócrates, mas penso que ela seja mais é uma síntese desse capítulo de Memorabilia: "Nenhum cidadão tem o direito de ser amador em matéria de treinamento físico. Que desgraça é para o homem envelhecer sem nunca ver a beleza e força de que seu corpo é capaz". 

A história humana ocidental criou e uniu os conceitos da palavra academia há 2.000 anos, que hoje significa duas coisas em português: espaço de estudo acadêmico e espaço de treino físico.

Isso porque, por volta de 387 a.C. o filósofo Platão, seguidor do Sócrates, fundou a sua escola de educação superior e a chamou de 'Academia'. O nome é em homenagem ao herói mitológico chamado Academos - um cidadão prudente, diplomático e sábio protetor de Atenas. Um cidadão, veja bem, foi tido como um herói que uniu habilidades físicas e mentais para salvar seu próprio povo!

O conceito de 'cidadão', para os socráticos, é muito além do que entendemos atualmente. Cidadão é alguém com a virtude da justiça! É aquele que sabe seu papel na pólis e o exerce bem. A cidadania era atrelada a deveres e responsabilidades do cidadão para com a sua cidade-Estado - um conceito diferente do que temos hoje, em que cidadão é aquele que possui direitos individuais. Dentre os deveres do cidadão está o desenvolvimento de habilidades para exercer bem o papel a si atribuído. Platão, inclusive, desenhou uma cidade perfeita, em que cada cidadão desenvolvia uma habilidade e trabalhava para o bem de todos.

Ter força física, perceba, não desincumbe o homem da força mental. Somos indivíduos com capacidades que devem ser exploradas em prol, não só da nossa vaidade, como da própria sociedade, afinal, vivemos em bandos e precisamos uns dos outros - são 8 bilhões de seres interconectados entre si, numa pólis que não tem fronteiras. A saúde de todos é de extrema relevância, e os terríveis anos da Covid não me deixam mentir. Talvez não precisemos, neste momento, da força para as pandemias ou guerras, mas um soldado bom se prepara em tempos de paz.

Não quero pedir para que as mulheres à minha frente se preparem para um front, até porque, até o momento, uma ideia de guerra é absurda e não quero assustá-las a fazerem 4 séries de agachamento livre para carregarem rifles. Mas posso alertá-las sobre suas próprias energias, estimulando-as a serem fortes em matéria de força física porque podem por si mesmas e porque podem precisar para cuidarem de quem amam. Elas nunca saberão o quão mais fortes podem ser se não tentarem! Quero que lembrem que a força não vem de graça, pelo contrário, ela se esvai de graça, e é só com a força que conseguimos força.

Quero afugentá-las um tanto da vaidade estética, para poderem conhecer que a força física é também descobrir a própria força mental. E sobre o que diziam os filósofos gregos sobre os benefícios do treinamento, hoje isso se confirma na ciência mais avançada. Da criança à idosa, da pessoa obesa à paciente com câncer terminal. É fato que nosso corpo é mais feliz com o movimento.

Aristóteles, outro filósofo grego, também fundou a própria escola e ele costumava caminhar com os alunos, explicando-lhes sobre o mundo. Os discípulos caminhantes tinham até nome: peripatéticos. Esse método de aprendizado aristotélico consistia em caminhar pelos ambientes com a intenção de instigar o conhecimento. Queria poder conduzir a plateia pela sala...

E espero que com a minha fala tenham paciência consigo mesmas no lento reaprendizado do movimento corporal - mas só espero, pois, como dizia Rubem Alves: "A vida tem sua própria sabedoria. Quem tenta ajudar uma borboleta a sair do casulo a mata. Quem tenta ajudar o broto a sair da semente o destrói. Há certas coisas que têm que acontecer de dentro para fora." Que essa sabedoria as guie para uma nova dimensão de autoconhecimento.