quinta-feira, 25 de julho de 2024

Teste de personalidade e suicídio

 Adoro testes de personalidade. Nunca soube bem responder o porquê disso, mas recentemente refleti sobre a questão... Notei que gosto de saber como sou, seja para saber se minhas características positivas são realmente benéficas para as pessoas a minha volta, seja para que eu possa me corrigir no que prejudica a mim mesma ou as pessoas a minha volta. 

Os testes de personalidade não são tudo, eles desembocam para a neurociência, psicologia e filosofia com bastante frequência, nos meus raciocínios. Tenho uma curiosidade imensa pelo meu existir nesse mundo, como também uma vontade maior de viver nele.

Não faço esses testes e simplesmente abraço o resultado, realmente paro para pensar sobre a vida, e não me conformo em constatar, simplesmente, se estou apta a uma aceitação social. É além disso, é saber se estou de fato aprimorando quem eu sou ou mesmo de descobrir quem quero ser. Melhorar quem quero ser é uma dessas motivações escondidas no reino do meu subconsciente e, com os anos, vim a alçando para a superfície, para o campo do meu saber, para a luz da razão. 

O Carl Jung disse certa vez que se a gente não torna o inconsciente em consciente, o inconsciente dirige nossa vida de tal modo que o denominamos de destino. E acrescento: o caos da mente humana e dos contextos da vida, as nossas motivações internas variam descontroladamente. Uma dessas minhas motivações inconscientes é melhorar quem eu quero ser e ter uma boa vida, mas imagine só se eu não as conhecesse bem e fosse jogada para um contexto em que "melhorar o que quero ser" significasse uma cirurgia plástica e a "boa vida" significasse usufruir unicamente dos prazeres passageiros, talvez eu me encontrasse profundamente infeliz, mesmo indo em direção aos meus objetivos, como tantas vezes fiz.

Trazer as coisas inconscientes para a luz da razão, para mim, atualmente, significa conceitua-las, defini-las e então trilhar um caminho em direção ao que defini criteriosamente - mesmo que o caminho se dissolva diante dos meus olhos, (re)traço a rota - não temo tanto assim o progresso.

Notei também que meu objetivo em melhorar a mim mesma não tem a ver com o dinheiro, necessariamente, mas busco desenvolver habilidades para ter uma boa vida (enquanto ela durar), e prolongá-la pelo tempo que der. Quando notei isso, refleti severamente se compensa buscar ser feliz num mundo injusto e cruel como é o nosso. Demorei para chegar a boas referências, mas cheguei: encontrei Sócrates, Epícuro, Cícero, a cidade de Platão, Marco Aurélio, Kant, Voltaire, Montaigne, Gibran, Camus, encontrei também tantas boas pesquisas e divulgadores científicos, como Pinker, Haidt, que convergem com pensadores antiguíssimos que, nunca, jamais, sonhariam com a existência do "Google".


Mas houve um intervalo de tempo entre meus questionamentos e o encontro dessas referências, porque olhei para o mim mesma e encontrei também o mundo. Sem bons guias, me encontrei num período longo de infelicidade e ansiedade, em que não vi sentido em fazer testes de personalidade ou de melhorar a mim mesma. Não vi sentido na minha vida, porque nenhuma vida humana tem sentido outro que não seja a morte.

É como se eu estivesse numa fila de abate gigante, como se eu já fosse um fantasma navegando entre fantasmas. Perdi tantas noites de sono, sucumbi ao pânico tantas vezes que achei que enlouqueceria, utilizei do álcool para me ajudar a esquecer que vida não tinha sentido algum, era o mais próximo de um medicamento que meu salário poderia alcançar. E eu pensava comigo que um terapeuta não entenderia que não se tratava de uma depressão: era só a minha constatação da realidade!

Por qual motivo me conhecer se vou morrer? Por qual razão lutar se toda batalha é, num contexto maior, perdida? Que inútil é dançar sozinha no meu quarto, pintar quadros ou experimentar a aquarela num mundo tomado por inteligências artificiais. Inútil! Escrever poesia quando o ChatGPT as faz em 3 segundos é uma piada. É ridículo ler  histórias de uma humanidade decadente, sentir por garranchos que meu cérebro traduz como letras, usar a empatia para me pôr no lugar de um outro qualquer que era também fantasma, chorar com as músicas produtos de um capitalismo voraz, comer algo industrializado para alimentar a carne podre que envolve os ossos, correr na rua dessa cidade degradada, pobre, de terceiro mundo, sentir o vento quente do calor interiorano do Mato Grosso do Sul numa pele em decomposição, rir genuinamente (que é produzir ruídos enquanto batia os dentes), buscar um emprego que, como todos, seria drenante escravocata, para sustentar nada que leva ao nada, estudar para a aliviar uma curiosidade de uma mente corroída, frugal, passageira - tudo me era um completo absurdo, então me compensava reduzir as expectativas, matar aquela curiosidade infantil, as alegrias, silenciar tudo dentro de mim (um fantasma), para que eu não permitisse que a morte me levasse nada (como se ela fosse ligar!). 

Yves de La Taille escreveu que Camus tem razão quando observou que o suicídio é o problema filosófico mais importante para a humanidade. Tal ato, pela negação, demonstra que o sentido da vida é o mais urgente dos temas humanos - sem um sentido, o homem não vive (quanto mais uma Aline!). Camus me ajudou na busca desse sentido quando escreveu, em seu Mito de Sísifo: "Será preciso morrer voluntariamente, ou pode-se ter esperança apesar de tudo?" (p. 20). 

O Camus compreendia que, após despertarmos para vida, para sua complexidade, sua falta de sentido, viria, com o tempo, a consequência: suicídio ou restabelecimento. E eu verifiquei que eu mesma estive nessa encruzilhada, só que meus passos estavam rumo ao caminho do suicídio. Apesar de não estar factualmente suicida, por ter um medo desesperador da morte, eu estava estimulando um futuro suicídio através do autoabandono... Pois é... foi uma época em que acolhi comportamentos autodestrutivos de propósito. 

Mas ainda assim, quando deitada na cama, o meu corpo liberava adrenalina, as palmas das mãos frias, os pés frios, o suor, a mandíbula rígida, a nuca quente: eu sentia um grande pavor. Entreguei à morte tudo, mas ela não me levou o medo!

Eu ouvi aquele medo, nele havia um sentido de esperança. A minha natureza tem o intento de viver, a minha natureza sou eu, e eu, meu medo, minha natureza, abri Cartas à Meneceu e Epícuro falou ao meu ouvido que eu não deveria temer a morte enquanto ela não acontecesse. E dele, li os antigos, eles me ensinaram o que pode ser vida boa, Aristóteles com sua matemática-lógica sacrificou dias de sua vida em prol de seu amor à vida e os repassou a seu filho, Marco Aurélio me inspirou coragem em suas confissões, Kant me inspirou a ética, e me reconheci como parte da humanidade, Gibran me inspirou a amar religiosamente o próximo, mesmo ante meu ceticismo, e Camus me demonstrou que a vida é absurda, que nada, de fato, faz sentido, como tudo, e que ser triste, de fato, é absurdo... então, por que não ser, ao invés disso, feliz?

E assim voltei aos meus testes de personalidade.

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