quinta-feira, 30 de maio de 2024

O que minhas leituras me ensinaram sobre o amor

 Carl Sagan, cientista, investigador do cosmos e contemplador da finitude da vida, entendeu que para "pequenas criaturas como nós, a vastidão é suportável somente através do amor". Um poema belíssimo de Thompson conta que o medo não sabe fugir como o amor sabe perseguir. Parafraseando-o: se o amor não o encontrou, ele ainda o encontrará, mesmo que o desarrazoado medo de ser amado tente o afastar dele. O amor seria como um navio à deriva, pronto a ser atracado... E penso que o medo, talvez, não passe daquele frio que Aquiles deve ter sentido ao encontrar seu destino em sua vida curta e gloriosa.

O amor é natural como tantas outras emoções e ele te alcança, mesmo nas horas mais inoportunas, talvez por isso tenham tentado, a tanto custo, civilizá-lo. A humanidade tem essa relação de ioiô com o sentimento e, inoportunamente, ele sobreviveu muitas intempéries históricas, ao seco utilitarismo e às regras morais de ingênuos homens, ganhando um fôlego todo renovado no romantismo. 

 Mas deixe-me retroceder um tanto: antes das bibliotecas burguesas fartas de amores ou das pesadas Bíblias latinas que direcionavam os corações para o céu cristão, o amor já era fruto da curiosidade humana. Ele já era parte dos mitos fundadores da terra. Sim, ele já penetrava os corações de Eurídice e Orfeu. Antes do Éden, entrelaçou Enllil à Ninlil, que decoraram a noite com o fruto de seu amor: a prateada lua. O amor caminhava naqueles tempos em que os deuses pisavam na terra, com os homens, talvez antes do fogo e correntes de Prometeu.

Sócrates, conta Platão, num tal banquete, disse ter aprendido sobre o amor com Diotima. Tantos são os pecados ligados às mulheres nas histórias antigas, que achei belíssimo me deparar com os ensinamentos de Diotima sobre um assunto tão antagonista às atribuições femininas nos relatos históricos: o amor. Ela o ensina que o amor é como uma escada, os primeiros degraus são puramente materiais, como a beleza do corpo físico, mas seu mais alto degrau é a percepção da beleza em si própria. Qual não foram os olhos de Sócrates ao beber desse saber! Será que foram de amor à sua sabedoria e beleza? Quem sabe...

Quem sabe quando ou o quanto se ama? Como se diferencia as sinapses cerebrais, a química da dopamina e serotonina que representa o amor? De Sócrates, aos burgueses, para cá, o amor ganhou diversas interpretações. Rumi, ao dançar rodopiando sozinho, percebeu que assim como a Terra nunca gira no mesmo lugar, o poeta também ciranda uma estrela imaginária no reino da imaginação. E ali, no ponto mais alto da contemplação, admira o amor, o poeta.

O amor é fogo que arde sem se ver, a ferida que dói e não se sente, nos dizeres de Camões. Ele é intenso, sensual e instantâneo, dizem uns. Ele é o peso do mar que nos golpeia, como refletiu Garcilaso, ele nunca acaba, a tudo suporta, dizem outros. É visível nos olhos de Florbela, que nunca mentem. O amor habitaria o destino, estaria ali mesmo quando os amantes não passavam de palavras silenciosas sobre os lábios trêmulos da vida, como pensava Gibran.

O amor, parece, foi ficando mais rápido, mais fluído, mais livre, a ponto de confundi-lo com os dissabores do desejo. Quando o fascínio e a rendição de José Ortega y Gasset se acabam, caracteriza-o como a trivial paixão, e tenta-se de novo, de novo e novamente, como se a subir num carrossel para se tontear até a saída triunfal!

Vinícius de Moraes viveu seus dias de poeta nesse carrossel, à procura do amor, do romance, da alma gêmea, do ideal em que os poetas cirandam. Terá ele o encontrado passando pela praia de Ipanema e o anotado no papel ao invés de agarrá-lo? Talvez o poeta tenha encontrado o amor algumas vezes na vida, riu seu riso, derramou seu pranto, e descobriu na solidão, fim de quem ama, que o amor não é imortal, mas infinito enquanto dura.

 O amor pode ter mais de um semblante, e dividir o peito em vários pedaços, como os olhos de Alvarenga Peixoto iam de Jônia à Nise, mas se faz do peito um imenso braseiro que transforma em cinzas tudo que existe de ruim, como fez na alma de Gibran, trata-se do abençoado fogo do amor, ou de um bom poema?

 Bom... mesmo que amor tenha algumas faces na vida, como distinguí-lo do ardor da paixão fatal, geradora da loucura e do desejo de Alceu Wamosy? A que ponto estamos na escada de Diotima? Quem sabe a resposta esteja em Cícero, para quem o amor verdadeiro é aquele que o torna mais generoso, altruísta e mais atento aos problemas humanos. Mas se o que sente o torna mais egoísta e isolado, não amas. Nem ama ninguém que assim o faça!

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