segunda-feira, 26 de abril de 2021

Sacramento da penitência

 Foi desvelado o mistério evidente! Desvelado pelos meus próprios lábios. Em palavras ditas em alto e bom som. Quase bom som, mas altas, e um tanto confusas, decerto... Mas claras como puderam ser! Coloquei tudo à mostra? Quase tudo... Mas apenas porque me esqueci. Me esqueci, porque naquelas longas horas de desabafo e confissões, me invadi de sentimentos e eles estavam tão amarrados em tantos cantos da mente, que inflamaram a minha memória. Lembrei de te dizer sobre os dias menos importantes e as razões mais mundanas. O que te importa? Dias de conversa ainda não desenrolariam esse gigantesco novelo. 

  Talvez se tivesse dito tudo corretamente, da maneira ajustada como achei que diria... se tivesse refinado o português e floreado as palavras todas... se houvesse um contexto melhor... a rejeição não teria ocorrido? Como mentimos para nós mesmos! Usando vagamente o cérebro, é certo que teria ocorrido de toda maneira.

 Que trágico é ter errado na intuição quanto a reciprocidade dos sentimentos e acertado quanto aos piores temores. Temores que envolviam a sua total ausência de conflito interno, e aquela conhecida repulsa apática dos objetos de afeto que não querem alimentar as esperanças dos apaixonados. Já senti tal repulsa quando um ou outro apaixonado se embrumou entre admiração e amor e declarou essa confusão toda pra mim. É difícil ouvir uma confissão assim. É difícil ser o objeto de afeto e ser quem o deseja. É difícil perder tudo, quando o que se tinha era quase nada. Queria o pão e agora sinto falta de quando me contentava com as migalhas.

 Às vezes me cabe a saudade de viver nos delírios apaixonados de antes, de acreditar que os finais seriam todos felizes, que seria recíproco se eu falasse, se eu apenas tivesse A Coragem e Falasse! Sinto falta desses prazeres pessoais, de viver dentro da minha própria mente, cheia de auto enganações. A imaginação te faz se sentir mais relevante do que é, faz bem pro ego, te dá motivos pra sorrir. A imaginação embriaga como o álcool, e eu precisava voltar à sobriedade. Quis mais que ilusões e consegui a realidade.

  Que coisa patética é essa a de viver e ainda mais de viver e amar, e ainda mais e mais a de viver e amar e não ter amor de volta. É patético ter vivido tantas grandes tragédias e emoções fortes, que flutuavam entre monumentais momentos de felicidade, magníficas conquistas e heroicas aventuras, e ter que abandonar as armas e as fantasias e acordar cedo, com o toque agudo do despertador, pegar a condução, sentindo o cheiro da fumaça do escapamento, bater o ponto e trabalhar.

 A fantasia acabou. Sei tudo o que preciso saber. A vida é assim, e reprimo o desejo de pensar que assim não é. Sonhar deve ocorrer à noite, com os olhos fechados e a consciência selvagem, juntando pedaços irracionais de memórias. De dia, viver.

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