quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

A mentira e outras drogas

  Odiamos a verdade, amamos a verdade. Ela é um anjo ou o demônio, nos destrói ou afaga. Nosso afeto varia, porque ela nem sempre condiz com o que nos deixa felizes e confortáveis.

  A verdade não tem lado, não desfavorece e não faz acepção de pessoas. E por isso ela dói. Nos faz lembrar que não somos especiais. Muito pelo contrário! Somos falhos, traçamos princípios à régua, e os seguimos à passos embriagados. 

 Mas lá vamos nós, mais uma vez, tentando fazer a verdade se curvar ao nosso desejo, mesmo cientes de toda sua força vital. Arquitetamos planos para escondê-la, com a crença que construímos bases fortes o suficiente para que as mentiras se tornem a realidade. 

 A estrutura ruirá, ela está fadada a isso. Qualquer material é frágil demais para conter a poderosa verdade!

 Apesar de tudo, somos teimosos, nós humanos. E sabendo da fragilidade, sempre cremos ter a milagrosa posse do material mais forte existente - aquele necessário para reconstruir os fatos.

 É preciso alertar que muito dificilmente moramos sozinhos na mentira, sempre temos outros hóspedes, residentes ou visitas. É uma casa cheia! 

 Viver na mentira é cansativo, até porque temos que ficar o tempo em estado de alerta, existindo em angústias, tampando as rachaduras, as infiltrações, exterminando as pestes, nos furtando das perguntas desconfortáveis e fazendo todo esse malabarismo fracassado para transparecer normalidade... uma normalidade muito suspeita, por sinal. 

 Isso tudo é mantido por qual razão senão o egoísmo? A vontade de parecermos perfeitos, alinhados, justos, como deuses terrenos que não cometem erros, que não se permitem errar, decepcionar, frustar, é uma tentativa vã de não perdermos o controle de uma situação que nós mesmos instituímos.

 Acha que os hóspedes não irão reparar o mau acabamento, a mudança repentina de escadas, paredes e portas? Eles seguirão felizes nessa mudança metafórica infinita?

 Esse egoísmo é tirano! Todos são atingidos, todos sofrem! E muitas vezes a construção mal feita aprisiona os outros, impedindo-os de explorarem a vida, de serem felizes, de aprenderem lições, de se reconstruírem, mesmo depois que sofreram - inclusive a nós mesmos, os construtores.

 Somos o que somos, sentimos o que sentimos, e se não há escapatória fácil, que nos entreguemos. Por isso, deixe que se infiltre em todos os cantos, crie mofos, arrombe as portas, quebre as paredes e as janelas daquela sala vazia que você reformou à juros altos! Liberte de vez a verdade e seus prisioneiros!

Lide com os detalhes, as opiniões alheias e os traumas à partir da sólida base que é a verdade. Com o caos instaurado e o espelho finalmente refletindo o verdadeiro eu, há milhares de possibilidades, planos a serem reformulados, estratégias a serem pensadas. E quer saber? Libertar é poder, é ter as rédeas e o verdadeiro controle da situação.

 Viver na mentira é um ciclo, um crime de estelionato, dos mais vis: por fora somos a atrativa casa de campo com vista para o céu, sonho de qualquer imobiliária, e por dentro um cárcere desajeitado.

 Responsabilize-se por ser quem é em sua integralidade, mesmo que essa sua persona seja cruel, porque é na tentativa de parecermos (e só parecermos) bons, que praticamos o mal sem assumirmos os erros, sem ajudarmos realmente o próximo.

 Assuma-se e dali por diante conseguirá verdadeiramente melhorar, passo à passo, sem violações e angústias exacerbadas.

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