quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Os sonhos que não realizei

   Fico aqui tentando criar hipóteses, sofrendo imaginariamente com todas elas. Será que existem realidades alternativas? Talvez em uma delas as coisas tenham dado certo, ou talvez, em alguma delas, eu teria tudo. Tudo o que eu quero seria meu, estaria ao alcance das minhas mãos. Finalmente! Finalmente!

  Mas do que adianta me perder nesses pensamentos? O meu mundo é esse, e a minha vida é essa, e nada, absolutamente, poderá mudar as consequências das escolhas pessoais que me trouxeram até onde estou hoje.

 Existem coisas que não dariam certo, mesmo se a realidade toda fosse chacoalhada como um pano velho ou que os multiversos se colidissem. Não adianta insistir, as coisas nem sempre nos são favoráveis.

 É normal que nossos sonhos sejam afunilados ou até fuzilados, durante o nosso tempo de crescimento. É uma tortura lidar com essa frustração de não alcançar tudo, eu sei bem, mas não há como crescer confortavelmente. A realidade é dura assim, e não há atalhos. Temos que lutar, porque a alternativa é bem pior que isso.

  Sorte sermos humanos, sorte que a adaptação faz parte da nossa natureza. Caso contrário, ficaríamos parados em choque no primeiro sinal de que a carreira como astronauta fashionista não decolaria.

  A vida perfeita não existe, os planetas não se alinharão. E isso é ótimo.

 É ótimo porque você pode alcançar a vida boa, numa boa, bem tranquilamente, relax e sem estresse. Imagina só se tivesse tudo que almeja de uma vez só? Ia ficar sem rumo! Teria que encaixar todas as profissões que a Barbie já teve, nas 24h do dia - e ainda lidar com a falta de privacidade que advém da fama mundial como atriz.

 Você vai descobrir que realizar sonhos não é sinônimo de felicidade. Que ter tudo não quer dizer muita coisa. Por experiência pessoal, concluí que talvez falhar nos leve a conseguir as coisas que precisamos muitas vezes sem perceber.

  Nem sempre conseguimos o que queremos, grande coisa!

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Taman shud, a assombrosa trajetória dos astros e Omar Khayyam

  Eu tinha muito tempo livre no meu primeiro emprego, além de acesso limitado à internet. Um dos poucos sites permitidos no ambiente de trabalho era o Wikipédia - e eu ficava presar nesse site, lendo diversos "mistérios inexplicáveis" por horas a fio, e numa dessas, li sobre o caso Taman Shud

  
"Caso Taman Shud, também conhecido como o "Mistério do Homem de Somerton", é um inquérito criminal não solucionado acerca de um homem não identificado encontrado morto às 06:30 da manhã de 1 de dezembro de 1948 na praia de Somerton em AdelaideAustrália."


  Durante o inquérito policial aberto para apurar a morte desse homem (que até hoje não foi identificado), encontraram um pedaço de papel onde constava as palavras "Taman Shud". 

  Depois disso, especialistas foram convocados para interpretarem o significado da frase, e eles concluíram que ela significa "fim" ou "terminado". Além disso, descobriram que o papel tinha sido arrancado do livro de poemas denominado "Os Rubaiyat", escrito pelo persa Omar Khayyam.
  Omar Khayyam era poeta, matemático e astrônomo, que viveu entre 1040 e 1120 d.C, e escreveu livros importantes sobre álgebra e poesia. Ele era islâmico, mas tinha uma visão diferente sobre Deus - para ele, havia um ser superior, no entanto, ele acreditava que os fenômenos e acontecimentos não eram resultado de sua intervenção divina, mas das concretas leis da natureza. 

  Lendo tudo isso, me peguei mais curiosa por Omar Khayyam do que pelo "Caso Taman Shud", e fui atrás de ler o livro de poemas "Os Rubaiyat" (até porque eu não entenderia nada sobre o livro dele que aborda as ciências exatas).

  Descobri que "Os Rubaiyat" é uma métrica de poemas, e que essa coletânea foi batizada assim por Edward Fitzgerald, responsável pela tradução e subsequente fama desses escritos.




  Sou apaixonada por poemas, e temos a sorte de possuir o livro disponível gratuitamente, em português, nesse link aqui.

   Li boa parte dos poemas traduzidos pelos escritores Fernando Pessoa e Alfredo Braga - este último criticou algumas das traduções feitas e argumentou que nenhuma delas é 100% fiel ao persa, considerando que elas sempre carregam as perspectivas pessoais de cada um dos autores.

  Para Braga, é necessário analisar o autor, antes de traduzir a obra, e na introdução do livro, ele tentou decifrar quem é Omar Khayyam e como seria o estilo de escrita deste último, se falasse português: 


"Um homem erudito e sofisticado, que sabe da assombrosa trajetória dos astros, da pureza da rigorosa geometria, e da elegante álgebra, que percebe a inconseqüente soberba dos homens sábios (e a dos outros) e caminha entre rosas, tulipas, lindas mulheres e finos vinhos, provavelmente não ia se entregar a tão imponente singeleza para falar do último gesto, daquele ato inelutável de um outro crepúsculo"


 Khayyam teria uma escrita, portanto, "pontual, concisa e elegante", sem floreios, como muitas das traduções feitas.

  

99. Quando eu não mais viver, não haverá mais rosas,
nem lábios vermelhos, nem vinhos perfumados;
não haverá auroras, nem amores, nem penas:
o Universo terá acabado, pois ele é o meu
pensamento.


109. Homem ingênuo, pensas que és sábio
e estás sufocado entre os dois infinitos 
do passado e do futuro. Não podes sair.
Bebe, e esquece a tua impotência.


  Mas como dito anteriormente, apesar de muito questionar a religião, Khayyam ainda acreditava em Deus, no entanto, assim como interpretou Nietszche em "O anticristo", séculos mais tarde, essa existência não abarca a vida após a morte. Para ele, Deus criou a vida, mas não a vida eterna:


79. Não terás paz na terra, e é tolice acreditar
no repouso eterno. Depois da morte
teu sono será breve: renascerás na erva
que será pisada, ou na flor que murchará.


89. Somos os peões deste jogo do xadrez
que Deus trama. Ele nos move, lança-nos 
uns contra os outros, nos desloca, e depois 
nos recolhe, um a um, à Caixa do Nada.


  Apesar de tanto questionar o universo, Khayyam não quis questionar a razão de sua existência, e fiquei na dúvida se foi por cansaço ou se foi por saber, de antemão, que não havia uma:


83. Não pedi para nascer. Recebo, sem espanto ou ira,
o que a vida me entrega. Um dia hei de partir; 
não me importa saber qual o motivo
da minha misteriosa passagem pelo mundo.


  Khayyam também escreveu sobre o amor e muito sobre o vinho. Pelo que percebi, o amor e a embriaguez (um dos poucos entretenimentos da época), seriam sua rota de fuga das suas crises existenciais.


91. O amor que não consome, não é amor;
a brasa tem o mesmo calor de uma fogueira?
Aquele que ama, pelas noites e dias,
vai se consumindo no prazer e na dor.

93. O vinho dá-te o calor que não tens;
suaviza o jugo do passado e te alivia
das brumas do futuro; inunda-te de luz
e te liberta desta prisão.


 Para lidar com as frustrações, Khayyam, que escreveu os poemas quando já passava dos 70 anos de idade, deu um conselho que devemos seguir à risca: viver enquanto estivermos vivos:


78. Sente todos os perfumes, todas as cores,
todas as músicas; ama todas as mulheres.
Lembra-te que a vida é breve e que breve voltarás ao pó.


 Lendo os poemas do livro, me tocou muito o fato de Khayyam, criado numa época com pouco acesso a informações, um homem das ciências exatas, de uma religião muito provavelmente limitadora, antagônica ao concreto, à filosofia e à ciência (como a grande maioria das religiões), contestar sua mortalidade... Um homem de novecentos anos atrás fez o que muitos se negam a fazer nessa era de informação - ele olhou para o céu, e contemplou as estrelas, e pensou na sua morte e na passagem do tempo, e se permitiu sentir fascínio e medo, sem recorrer às explicações floreadas, revestidas de uma confortável "verdade divina".

 Quero morrer, como ele morreu, sabendo do meu inevitável fim e usando essa informação ao meu favor. Aproveitarei meus dias até que eles acabem - mas sem a exorbitante quantidade de vinho recomendada por Khayyam, até porque meu fígado não aguentaria mais 70 anos nesse ritmo.

Ces't la vie!

Taman shud.

sábado, 9 de novembro de 2019

Bloqueio

 Depois de horas nesse jogo de digitar, apagar e reescrever, vou jogando uma palavra após a outra e torcendo pra que a reunião delas forme um contexto e que esse contexto tenha qualquer sentido minimamente palatável. 

 Quando não quero escrever, desenhar ou produzir, os rabiscos se encaixam com desgosto, concluindo-se sem começo e iniciando-se sem fim.

 Para dar recheio nesse bolo de frustrações, procuro pelos sinônimos com o maior número de caracteres, os mais complexos possíveis - é um tanto vergonhoso.

 E desse jeito desastrado, vou escrevendo e escrevendo, com muita preguiça, semicerrando os olhos, e enchendo a tela de símbolos estranhos, que somente se assemelham a algo que integraria a língua pátria.

 Bloqueios mentais devem ter suas existências respeitadas, concluo.


segunda-feira, 4 de novembro de 2019

O amor é brega

  Não adianta mais fugir de certas coisas, e talvez lhe escrever essa furdunça emaranhada e cheia de estranheza, as faça se resolverem de alguma forma misteriosa. Só preciso achar o fio da meada.

  Meu bom deus, o nervoso toma conta, mas tenho que começar de algum lugar: Bom... Ok, Certo, Vamos lá, Tudo bem, Tudo certo, Partiu, Adiante. Tá bom... acho que esse parágrafo inteiro é feito enrolação para não dizer o que tem que ser dito. Mea culpa! Mas como é difícil esse troço de se abrir.

  Bora, pois é aqui que tá o tal fio da meada:

  Acho que a paixão é um lero-lero desnecessário, que me pegou de supetão, e se imbromou nesse meu corpo, sem dó, nem piedade. E é por causa dessa joça que tô aqui - e em tudo quanto é ombro - chorando as pitangas. 

  É bobo o quanto sua presença me arrepia a pele, o quanto faz meu rosto avermelhar inteiro. Me deixa sem eira nem beira, dilata minhas pupilas e me faz ficar molenga...molenga, igual pudim no ponto. 

   A culpa ou é toda sua por colocar as belezas nos olhos de quem vê, ou é de deus que te criou assim, com tudo no jeito pra me fazer suspirar de um lado pro outro. Seja lá de quem for a culpa, eu tô arrastando minha asa por você, meu dengo. E tudo que queria era umzinho só chamego seu. 

  Ai, ai... tô que fico ouvindo a rádio, e qualquer músiquinha me deixa meio assim. Puxando aqui da memória, acho que pensei em nós dois juntinhos mais de mil vezes, só hoje, e meu riso fica tão frouxo que nem sei.

E sem pensar duas vezes, o sentimento cresceu todo destrambelhado no meu peito. E foi me atrapalhando a rotina toda. O amor, esse intruso, se assanha na minha voz, me fazendo dar com a língua nos dentes, em toda santa vez que tocam no seu nome. 

 Mas ao contrário da minha malemolência, o tal do amor é doce, mas não é mole não. Me deixa numa agonia danada, que só deus na causa!

  Se me pedirem pra explicar, a paixonite é uma mistureba de sentimento que faz o coração fica ora amuado, ora explodindo em alegria. Tem altos e baixos demais, que deixa a gente com o estômago embrulhado.

  Amar é trouxa, um saco sem fundo! E tudo quanto é coisa que cê apronta, mais parece um indício de que essa baboseira toda não é só coisa do meu coração. Ai meu pai, só faço é me obcecar. Quanto mais afasto o pensamento, mais ele se aprochega. 

    Fico sem jeito de sentir todo esse sentimento que tá descrito aí, e olha que procurei resposta em tudo quanto é canto. Um dia, com a benção do senhor (!), paro de me avoar tanto assim, e volto a ficar com o pé no chão, sem  azucrinação na cabeça.

 Até lá, vou ficando na minha, com um parafuso a menos.