Luis Fernando Veríssimo vê o homem apaixonado como a parte mais honesta da experiência humana, é o cerne do que o constitui como individuo, é o seu âmago, é o que dá o pontapé celular inicial das propriedades da carne, é o idiota essencial; é aquele cara atrás de um poste, que finge encontrar ao acaso a mulher amada no local em que ele sabe que a iria a encontrar. É o cara que simula ler, no poste, a lista de bichos e à proximidade dela diz "olha que coincidência". O verdadeiro homem seria aquele imbecil ali, e não o cidadão adulto e razoável que o mascara. O homem nunca é tão ele mesmo quanto atrás daquele poste.
Não atrás de um poste, mas atrás de uma caneta, esteve o Vinícius de Moraes, o idiota essencial mais elegante que conheço, um aficionado pelo apaixonar-se. O Toquinho, seu parceiro musical, já confirmou isso num podcast recente, falando que havia nele uma busca incessante pelo amor da vida. A sua amiga, Tônia Barreto, no documentário Vinícius (2005) o descreveu como uma espécie de Don Juan, que se autoinstigava à paixão só para ter sobre o que escrever. De fato, foi um grande apaixonado. E um apaixonado em série!
O impasse do Vinícius é que logo após a conquista da paixão arrebatadora, ele se esgotava do fogo da poesia e logo ia arranjando desculpas para partir para outro "amor da vida". Entre elas, implicar com uma cirurgia do nariz que teria desfeito a bela e única face da musa.
Fico pensando... se ele escrevia tão bem quando apaixonado, o que não escreveria se tivesse amado de verdade alguma de suas musas? Imagine só as epopeias! Ou talvez, tivéssemos perdido um grande poeta brasileiro para o absoluto silêncio... Isso porque, mesmo tendo à disposição a sensibilidade, criatividade e a inteligência necessárias para se escrever poemas sobre o amor de verdade verdadeira, amar é uma dessas coisas que nos deixam realmente sem palavras. É parte tão fundamental do nosso íntimo, ainda mais que o poste, que sua expressão é manuseada com grande cuidado pelos maiores autores do mundo, como o Pablo Neruda nos Cem Sonetos de Amor.
O Neruda foi o tipo de autor que, no auge do sentimento, conseguiu conectar as exuberâncias da rosa de sal, do topázio e cravos com a ardência da paixão e, sem soar brega, disse que nada dessa exuberância toda representava o amor que ele sentia pela Matilde Urratia. Infelizmente as palavras limitavam a correta descrição precisa daquele amor em palavras (e ele tentou pelo menos 100 vezes!). Apesar da limitação, a mensagem alcançou certamente a destinatária, isso porque os amantes são cidadãos de um mundo feito de entrelinhas. E entre as linhas do poema XVII... como deve ter sido para Matilde saber que ela era amada como se ama a certas coisas obscuras, secretamente, entre a sombra e a alma? Talvez só sendo amada assim.
Escrever sobre amar, como sentimento, não como ato, é como pisar numa corda bamba que, a qualquer deslize, é ridículo. E escrever enquanto se está embriagado de amor é ainda mais complicado. Bom, se me acusarem de passar todos os dias a falar sobre o amor, mea culpa!, confesso que falo, mas calo muito... muitíssimo mais o que sinto. E isso a contragosto.
Sobre o amor, esse grande mistério à plena vista, não escrevo, presto reverência.
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