Ainda não tenho uma voz artística... talvez nunca venha a ter e, no final, tenha que me contentar com o agudo dos outros. Isso é uma tragédia, não? Não poder chorar com a própria lágrima. Acontece que não sei aonde encontrar inspiração, falta-me técnica e, mais que tudo, falta-me o delicado tempo para criação.
Insiro a arte nos intervalos entre as obrigações infindáveis e os descansos necessários. Se tento produzir algo enquanto exausta, fico desapontada e desmotivada. Fiquei a olhar para a última tela que fiz, dei alguns passos para trás, olhei de novo, inverti, virei de ponta-cabeça, passei tinta, apaguei, recuei: nada. Tentei acelerar o processo para finalização, numa ânsia de sentir algum alívio, mas a arte não conversa com o utilitarismo e confirmo isso ao escrever esse texto enquanto a tinta está ali secando.
Que frustração! Mesmo que eu me sente em frente a um prompt de uma inteligência artificial, não saberia o que pedir para ver. Ta aí... a arte não se limita ao vislumbramento, ela tem muito de ação. Ela expurga algo de dentro de mim, e eu que devo pôr as mãos na massaroca. Ela torna a minha desordem em ordem, mas minha desordem está por demais caótica, e talvez por isso eu não esteja conseguindo... sabe?... encontrar palavras, talvez paletas de cores, formas, afinações...
Pensei em fazer arte abstrata, porque o que tenho aqui talvez não tenha lá muita definição. Mas o que descobri é que é muito difícil criar abstrações, e como é difícil fugir das amarras estéticas daquilo que penso que seja bonito para os outros... Estou mesmo é amarrada, pensando no que é bom aos outros... E nem a mim e nem aos outros está agradando com essa maldita estiagem artística. Resumindo: tudo que crio está uma porcaria e tenho minhas tristes teorias.
Talvez nada ande saindo de mim porque não tenho o que dizer. É possível que o que eu tenha aqui não seja bagunça, mas um grande Nada, um poço deserto. Aí, não importa a ferramenta. E olha que venho tentando várias! Mas quando estou no meio da pintura, do texto, da frase daquele poema que reescrevi mil vezes, odeio a tudo que está ali e o que está aqui, penso no esforço a ser feito e refeito, recolho tudo, jogo nas três gavetas da mesa do meu escritório e fecho.
Como lembrança do meu potencial, deixo em cima da mesa uma boa pintura antiga, daí trabalho, enquanto ela me encara.