quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Embrionário hinário

 Quando se ama, o outro se torna o epicentro dos sentimentos, e portanto o nosso mundo, a nossa casa, a terra em que (re)nascemos e ali formamos a nossa nova vida. O outro torna-se, de uma só vez, nosso lar e criador, e dele retiramos a validação da nossa própria existência como suas criaturas. Afinal, o que somos nós sem as leis físicas e as reações químicas do cosmos que nos forma? E no momento em que o outro ganha tamanha proporção em nosso coração, quando o outro é, de repente, o universo, a sensação é a de que alcançamos o nirvana, que somos um com o outro e unos, um, "tudo está bem, tão bem!". Meditamos nisso, nos encontramos nele, e nele nos acolhemos "esse é o incrível Cosmos". Observamos o céu em seus olhos, e é tudo tão belo nesse mundo! "Belo Cosmos!". Vai-se o sol, que esquenta e cai a noite, que aquieta e nos acolhe, vem o frio, que ameniza e então chove, molha-se o solo e nascem as flores e suspiramos "assim é o belo Cosmos!". 

 Tanto admiramos "Belo Cosmos!". Admiremos O Cosmos, "Belo Cosmos!" onde as brilhantes estrelas colidem, "belo Cosmos!", e então gloriosamente implodem "belo cosmos!", transformam-se em buracos negros que a tudo sugam "cosmos!" e em que os planetas se formam e as galáxias se misturam, e o tempo se confunde entre gravidades diversas, e novas formas de vida surgem e ressurgem aos montes, algumas florescem e então morrem, e outras sequer desabrocham "se ninguém as viu, foram sequer vida?". Assim é O Cosmos, assim distante, assim indecifrável, assim imprevisível, assim caótico, assim indiferente "cosmos?!".

  "Indiferente cosmos!". Fantasias e delírios narcísicos à parte, o cosmos é o que é, ele existe e é tão menos sentimental e humanizável! O cosmos não se revela tido que nada tem a esconder. O cosmos não dá ou retira ou retribui, não cria ou destrói "indiferente cosmos!".

 Reconheçamos! No cosmos há tudo que há "e todos aqui habitamos!". É o tecido leve, onde está costurado meu lar "nosso lar!". Nele em que existimos tantos anos antes, em que até então não deixamos de existir e em que existiremos (e hei de existir!) tantos anos além, até nossos dias acabarem. Nesse cosmos em que de fato existimos, em que somos a criatura indesejada de um criador sem desejos, onde nasceu a terra em que apoiamos nossos pés, esse cosmos findará em si, também, num dia qualquer, seja noite fria ou no alto sol do verão.

 E nessa, exatamente nessa realidade, em que apoiamos os pés e formamos pensamentos, é onde nos validamos como seres da existência, "aqui!" nesse cosmos "nesse cosmos!"... que é tão diferente de mim, e com tanto em comum à você.

 

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Vagueza

 O momento passa, e nenhum que o segue se assemelha ao anterior, e assim por diante. Quantas vezes já falei sobre isso? Muitíssimas. Falo muito do óbvio. 

                                          Repito. 

Volto. 

                     Reanaliso. 

  Aqueles pedaços da história, antes tão vívidos, foram se misturando e se esvaindo e se distanciando do tempo em que estou agora. Tudo que me lembro, aqui, embaçou-se. E como há de embaçar!

 Vejo nossos dias como vejo meu reflexo no espelho do banheiro úmido: encobertos por um tipo de vapor. As cores ficaram em tons azulados. Aquela camisa... não teria sido ela marrom? Bordô? É injustiça que minha memória tenha escondido os detalhes, mas por outro lado, as sensações, essas ao menos conseguiu preservar. 

 Quando me reconto pela décima vez sobre aquele dia quente, esboço um sorriso, e quando me reconto sobre o dia chuvoso, esboço o choro. Como eram tristes os dias chuvosos, como eram felizes os dias de sol, e como foi agridoce aquele dia quente e chuvoso... E assim, a depender da memória que se fixa, meu dia é conduzido pelo sentimento lembrado. E todo dia sinto algo antigo misturado ao novo, é uma alquimia! Todo instante sinto. Ainda sinto sentimentos que deveriam ter se embaçado junto com o reflexo do espelho. Em mim ainda habita um incômodo sentir que não se transformou em memória. Para que isso aconteça, resta mais esperar.