quinta-feira, 21 de maio de 2020

Os olhos de quem vê

  No início do que futuramente seria nossa existência, houve essa grandiosa explosão e suas caóticas consequências. Elementos estranhos se formaram, se uniram, se separaram, explodiram, implodiram, aleatoriamente, sem que houvessem olhos para admirá-los. E foram mais milhares de anos para a formação das galáxias, de estrelas, planetas e um ambiente adequado à vida, e mais tempo ainda para que seres surgissem e se adaptassem àquele mundo estranho. Seres que foram saindo da água, em um processo lento e contínuo, indo para as árvores, descendo delas, desenvolvendo cérebros, sentimentos necessários à sobrevivência, polegares opositores. Essas espécies se juntaram, desenvolveram o organismo social, se organizaram, entraram em guerras com outros grupos, se solidificaram em tribos, nações, civilizações gigantescas.

  Os sentimentos se tornaram tão mais complexos para esses seres, que nos intervalos entre as guerras e sobrevivência, assim como todo seu entorno, inundaram as mentes, que passaram a buscar de significados para o que se tornaram. Os sentimentos os fizeram olhar para os céus, para as terras, para as próprias vidas e as dos próximos. A arte se entrelaçou a eles em algum momento dessa longa história, como uma válvula de escape, acredito, como uma bandeira de paz, de distrações, do tédio.

  Por isso tudo, não vejo outra razão para viver, que não seja a arte, não cabendo mais aos meus olhos olharem uma árvore, aos meus semelhantes ou as estrelas, sem que vejam, sintam e se expressem. Tudo é muito importante pra mim, porque esses olhos perecerão, e retornarão ao caos. Nunca mais serei todos esses pedaços da história, tudo está sempre a beira do abismo. Tudo será consumido, engolido entre dois infinitos, retornando ao habitat natural.

  Esses olhos nunca olharão tudo o que existe, mas farei questão que capturem tudo o que puderem capturar, que transformem toda e qualquer poeira em poesia, que deem significado ao comum, se embolem em fantasias, se confundam em sentimentos, e olhem todos os outros olhos, nos olhos, até seu final.

  

  

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Paz e Amor

 O amor puro é visto como fraqueza, enquanto o ódio é força. Um "eu te amo" genuíno enrosca na língua, mas um "eu te odeio", mesmo que falso, sai afrouxado da garganta. Um acordo de paz exige muito mais que uma declaração de guerra.

 É como se o sentir fosse cheio de amarras, um grandioso problema cultural, com gravidades variadas, positivado nas leis criminais até as religiosas: "Sinta-se assim, dessa forma, nessa intensidade, nessa fôrma, neste determinado período". 

 Escondemos com fervor o amor que sentimos, nos envergonhamos disso, rimos daqueles que sentem e suprimimos essas sensações em nós mesmos. E ainda temos um receio de aparentarmos gentileza, e por isso a nossa feição comum, na fila do restaurante, no metrô ou em qualquer lugar público é a rispidez, indiferença, tudo para não sermos vistos como fracos, incapazes de controlarmos a nossos instintos - oh, tão "contrários" à civilização!

A problemática ocorre quando a carga psicológica estoura e os sentimentos negativos se engrandecem e se ramificam, visto que não há como suprimir algo, sem que outra coisa oposta se libere.

 Natural mesmo é o amor, o ódio é industrializado.