quarta-feira, 17 de julho de 2019

Um dia da vida

Roupas, sapatos, perfumes e cosméticos. E tudo que eu faço para me distrair.
A maquiagem para passar em cima da carne dos olhos, da carne das bochechas e perto dos dentes, onde ficam os lábios.
As blusas de tecidos finos, comprados com folhas de papel, para cobrirem o meu frágil tronco, o tronco que envolve meu sistema nervoso e órgãos internos.
Os sapatos de pele de animais, produzidos em grande escala, vendidos como modelos exclusivos, para esquentarem o conjunto de ossos, pele e calos que são meus pés.
Perfumes fortes que disfarçam o cheiro exalado naturalmente por esse corpo que está constantemente em decomposição, desde que nasceu.
Os cosméticos para retirarem as secreções naturalmente produzidas pelos cabelos e pela face, para que retardem minhas inevitáveis rugas, manchas de sol, desengordurem a superfície do crânio e me afastem de tudo aquilo que me aproxima do pensamento de ser mortal.
Tudo comprado em até 12x sem juros e sem entrada, com um pedaço de plástico que faz circular valores que só existem no mundo virtual.
Plástico esse, conquistado com horas de vida gastas atrás de um retângulo feito de árvore cortada, em um local onde se senta o perfumado corpo, trajado com as vestes e sapatos e borrado com os cosméticos, seis vezes por semana, oito horas por dia.
E assim a medida de tempo idealizada e utilizada pela espécie humana é gasta. Se passam as 24h, 48h, cinco meses, oitenta anos. O corpo toma o curso natural de morrer, as roupas se rasgam e se perdem, os sapatos estragam, o perfume oxida e os cosméticos já não resolvem mais é nada.
É assim que se vive, nesse vida gloriosa que nunca realmente se inicia, que está sempre no final.

Aprisionados

Estão presos dentro de mim, pensamentos silenciosos, mais velozes que as minhas mãos, mais coloridos que as cores que meus estúpidos olhos humanos capturam. Pensamentos impronunciáveis, complexos demais para a simples composição cerebral a que tenho acesso.
Me entopem a garganta e contorcem o meu rosto. Aceleram minha pulsação e afogam meus olhos. Meus lábios se selam e minha frágil atenção se dissolve.
É uma doença a estupidez, impede o contato entre mim e eu mesma. Tudo o que faço é simular essas sinapses que se escondem tão fundo no meu inconsciente.
No intervalo, procuro ligar as palavras a uma sentença, os traços a um desenho e as tentativas (paliativas) a uma cura.

terça-feira, 16 de julho de 2019

Como agir de forma ética, segundo Immanuel Kant


"Age sempre de tal modo que o teu comportamento possa vir a ser princípio de uma lei universal." - Immanuel Kant



  Em tempos de extremismos e de justiças particulares, saber se está do "lado certo da história" é um dos questionamentos mais populares dos debates. É um tanto triste notar que é a isso que se resumiu, na última década, as complexas áreas da política, filosofia e ciência. 

  Nesse debate pífio, se perde a essência do que é ético, e todos os pormenores se diluem em um "espectro polarizado", em um jogão de domingo, regado à cerveja e insensatez. Não se debatem ideias individualmente, pelo contrário, colocam-as num saco e generalizam suas problemáticas em grupos, como que para não se perder tempo. Debate-se em 140 caracteres mal redigidos, assuntos que levaram mentes brilhantes a se debruçarem em livros por quase toda a vida - qual time será lembrado por possuir mais vitórias éticas: Palmeiras ou Corinthians?

  Numa década tão aflorada e tão revestida de certezas absolutas, é complexo encontrar textos que impõem calma, atenção e reflexão. E procurando por escritos assim, que me deparei com um tal de Immanuel Kant e suas opiniões sobre a ética:



“Não preciso pois de perspicácia de muito largo alcance para saber o que hei de fazer para que o meu querer seja moralmente bom. Inexperiente a respeito do curso das coisas do mundo, incapaz de prevenção em face dos acontecimentos que nele se venham a dar, basta que eu pergunte a mim mesmo: – podes tu querer também que a tua máxima se converta em lei universal? Se não podes, então deves rejeitá-la”. - Immanuel Kant



  Apesar de  ser uma reflexão antiga, por ironia, ela é revigorante. Ela é necessária aos tempos atuais, porque impõe certa responsabilidade moral às pessoas. A responsabilidade pelo próprio futuro e pela segurança de seu entorno, atinge o diálogo, implicando na individualização das ideias e na extinção de "pensamentos em lote".                                                                                                                     

Assim, antes de querer e lutar fervorosamente para subir no "trem da história" e deixar os "retrógrados para trás", é preciso saber se essa vitória foi ganha pela ética ou pela desarrazoada força bruta. É preciso tentar prever se essa vitória compensará a luta.