Todos nascemos com a capacidade de amarmos mutualmente e o nosso berço regula esse amor. Sinto amor pela minha família, ela foi a primeira a me ensinar nesta terra o que eu deveria aceitar e negar, o que me fazia sentir cuidado e o que eu deveria fazer para cuidar de quem amo.
Aprendi que no amor a gente também se estressa, que tem quem te tenha amor, mas que seja mais egoísta, que tem quem não te ame apesar de aparentar te amar, que vai te dizer palavras bonitas depois de um ato cruel, mas que essas palavras não são de amor, só de culpa.
O amor da família é tão confuso! O amor da família é inescapável! O amor da família é... condicionado! Tal qual cachorros, fomos treinados para amar sangue do nosso sangue. Perguntei-me numa época: existe saída? Há algo maior e genuíno?
Os filmes me ensinaram, os livros, as revistas, os sites, os blogs, e EUREKA!: o amor da família era sempre mais turbulento do que o se encontra nas almas gêmeas. O amor existe e ele é romântico! Minha alma caminhava por aí a me esperar!
Tal qual os românticos, desenvolvi essa expectativa que no primeiro suspiro, no primeiro arrepio, o amor da paixão me livraria das intempéries do condicionado amor familiar e eu conheceria o verdadeiro. Apaixonei-me pelos poemas, o lia nas prosas, sentia-o no vento, sentia o amor fibrilar no éter!
Até então, eu cria em muitas coisas, dentre elas, o poder do Destino ou que o destino de tudo era o amor. E esperei... esperei. Esperei. Esperei. Cansei-me de esperar. E procurei, então, o caminho sem ajuda nenhuma do Destino. Ou o Destino queria me fazer procurar? Procurei. E confundi-me em seus labirintos: a admiração é o amor que chegou? A beleza é o amor? O coração batendo errante é o amor? O amor se foi, que horas ele volta? Quais suas regras? Há manual de instrução? Há de ser corajoso para perseguir o amor ou se ele fugiu não era para ser?
A beleza não é o amor, ela acaba, a admiração é só admiração, o coração batendo errante? Timidez ou arritmia, ou desejo. Conclui: é tudo tão mais simples e carnal. O amor é esse pseudo-mistério que preenchemos com nossas crenças. Tudo que envolve amor, envolve serotonina, dopamina, sinapse cerebral, envolve, como finalidade, a sobrevivência da espécie pela reprodução humana. Esse conjunto de sentimentos, de condições genéticas, marcas do espaço-tempo, unidos, que são tão recorrentes entre nós humanos, é o que chamamos de amor. Ele é bom quando dura, quando recíproco, quando socialmente aceito, é ruim quando é contra-cultura, ou solitário, ou quando se finda, seja pela reduzida produção dos hormônios, seja pela própria morte que a tudo separa.
Há quem possa perseguir o amor para o alcançar, há quem receba o amor no colo, levinho, sem esforço. Há quem passe por intempéries e consiga consumar o amor, há quem passe por intempéries para fracassar. E quem fracassa, diz para si "não era o amor a visitar, era a carência a confundir". O amor, como os deuses, não erra. Em todo erro o amor não está, em todo acerto é ele por certeza. Toda moléstia é o preparo para a sua eufórica chegada! Que cansativo é o amor. Que indiferente é o amor.
A descrença em muito me foi confortável, menos quanto ao amor. Tal qual todas as coisas, é uma ficção, um delírio coletivo, uma mentira feita por esses nossos cérebros criativos, repassada de geração em geração. Uma mentira contada muitas vezes se torna uma "verdade", e essa é a mentira: é o amor. E poemas se tornaram essas piadas de mau gosto, os filmes só querem a bilheteria, os livros, o best seller. Esta é a realidade: os poetas apertam os botões certos e reagimos com o maquinário, apaixonados. Manipuladores! Mentirosos! A vida é uma tragicomédia mal dirigida!
Cessei minha busca. Não o espero, não o procuro, não penso nele, ele não pensa em mim, o destino inexiste, todos os caminhos são pontes a serem construídas, não meros passeios definidos por nossas sinapses cerebrais, nossas expectativas, nossos sonhos. O saudável é manter as sinapses cerebrais direcionadas para determinadas reações químicas. Somos máquinas orgânicas, pré-programadas, racionais por acidente, não há nada além. No lugar de fios, temos veias, carne e ossos no lugar de metais e plásticos.
Até que o amor chegou.