terça-feira, 7 de novembro de 2023

Felicidade genuína, bacon, Voltaire e labuta

  As pessoas buscam livros de autoajuda, mas não querem, de fato, ajuda. E geralmente esses livros não têm nada de autoajuda, mas de autofingimento: seja foda, como fingir ser confiante, fingir ser bom de oratória, fingir ser influente, fingir ser feliz - tudo por R$ 39,99. Mas assim como é perceptível para o bom observador a temperatura de uma cor numa pintura, é simples, para os olhos atentos, perceber as pessoas que estão fingindo esses valores das que realmente vivem esses valores.


  Se você busca aparentar valores com sucesso para alcançá-los genuinamente, o requisito mínimo é que você seja excelente ator, tipo vencedor de múltiplos Oscars, sabe? Um ator tão bom que seja hábil para encenar, para si mesmo, uma mentira. No entanto, se não dominas a arte desse teatro inalcançável, busque ajuda para realmente ser o que almeja. Toda busca por ajuda real é uma autoajuda. 

  Não conseguimos ser nada além do que já habita em nós. E o humano possui dentro de si uma enorme capacidade de bondade ou de maldade, de ferir, de curar, de ser feliz, como de não ser. A nossa natureza é também bondosa, agradável, cuidadosa, comunitária, mas nos esquecemos disso após tanto ouvirmos sobre a famosa "aptidão inata da humanidade para a crueldade, egoísmo e indiferença".

Venha cá, se o mundo fosse formado por essa vil comunidade de lobos humanos, penso se estaríamos na world wide web, com possibilidade de acessá-lá por muitos anos, com essa expectativa de vida aumentada... Sim, temos pessoas boas, observe as que você ama e que te amam, e observe também as  que mudaram a realidade humana para melhor.

 

 Aí você se pergunta, será que eu consigo me ajudar a ser melhor? Menos ruim? Menos tímido? Menos estressado? Menos ignorante? Se reparar bem, a felicidade é a finalidade última de todos esses quesitos. É claro que conseguimos melhorar e alcançar a felicidade. A condição é possuir os aparatos necessários para tanto, como cérebro, consciência, compreensão das suas limitações e uma força de vontade real para mudanças (no plural) que pode envolver a aceitação racional de alguma pílula.

  Com as ferramentas em mãos, entra a ação - daquela ação que sobrevive às intempéries. Aquela ação que envolve uma execução resiliente da melhora. E a execução resiliente da melhora só se dá com a execução resiliente da melhora. Esta frase pode parecer repetida e óbvia, mas quem vive a experiência humana sabe bem que, na prática, não pensamos assim. Pensamos que a resiliência é leve como uma pluma, feita de arco-íris, uma ponte naturalmente mágica entre a execução e a finalidade! Desconsideramos a necessidade do esforço e do uso da razão para a manutenção desse esforço, e cultivamos uma expectativa irreal de que a melhora cairá do céu após o primeiro mísero passo para fora da zona de conforto. Essa expectativa esperançosa pode até ser um bom almoço, mas é um mau jantar, como diria Francis Bacon.

 Não ficar idealizando que você será melhor num piscar de olhos, como nos filmes em que o vilão encontra a redenção após uma súbita empatia com relação ao mocinho, já é um bom começo. Isso porque espasmos de boas reações todos temos. Constância que é difícil! É difícil trabalhar em tantos valores e, portanto, é difícil ser feliz. E se tem algo essencialmente humano e útil na formação do nosso ser, essa é a Razão. É a razão que terá que ser usada quando os ânimos estiverem baixos e a jornada estiver te fazendo querer desistir. A felicidade é um estado de manutenção racional.

 Eu costumava pensar, e não devo estar sozinha nisso, que se felicidade fosse uma escolha ela deixava de ser genuína e, portanto, deixava de ser felicidade. Isso porque na infância, minha felicidade era assim, repentina! 

  Quando eu era criança, eu temia me tornar aquele tipo de adulto endurecido pela vida e pensava que manteria sempre meu estado de ânimo nas alturas serotoninérgicas. E eu também não precisava passar por metade dos dilemas morais que passo hoje. E a cada ano que passa é mais trabalhoso ser flexível e feliz.

 Depois que saímos da infância, a felicidade vem pela razão e cada vez mais com o passar dos anos e o baquear dos traumas. Perdemos o luxo dela vir sozinha, brotando de um cérebro não completamente desenvolvido e de uma vida inexperiente e envolta em magia. Buscar a felicidade, com os anos, vira uma tarefa muito prazerosa, porém difícil. A felicidade é um desses paradoxos que só a vida nos proporciona.

 Imagine só deixar de labutar pelo próprio sorriso e ceder aos inevitáveis conflitos, pressões de sociedades indiferentes a mim, a uma estética ilusória, modal? Imagine só deixar de ser feliz para aparentar felicidade tão somente para atender as expectativas alheias por um sorriso? Como Voltaire decidiu, eu decido, escolho ser feliz porque faz muito bem para a minha saúde.

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