Enquanto o ar condicionado faz efeito, enquanto o sono não vem, nessa noite quente de inverno, deito os dedos nas teclas, apago, reescrevo e eis o motivo: não tenho qualquer coisa a dizer. Coisa nenhuma. Só uns pensamentos cansados.
A vida dos poetas é animada? A vida dos escritores, dos artistas, dos pintores? Sim. Creio que sim. Eles vivem! E é a vida acontecendo com eles, essa que perpassa seus crânios, tira deles toda boa arte e poesia. A arte é a vida expressada. Mesmo a arte ruim e a má poesia são a vida... Acho que a vida perpassa até mesmo os artistas ruins, buscando uma forma de se expressar. A culpa não é da vida, mas do crânio do artista que não funciona direito e passa uma vida que se expressa desajeitada, cheia de plágios, erros gramaticais, imitações, remixes. Às vezes a vida quer se expressar num artista que está com as mãos muito ocupadas e o labor tira o lápis das mãos. Mas o pulso da arte pulsa, pulsa, pulsa no pulso, nas mãos, nos dedos, na vida do artista.
Essa vida não anda acontecendo direito comigo e a culpa é minha, que estou enclausurada. Meu crânio anda sobrecarregado, não tem espaço para a arte, só para o cansaço. O pensamento está cronometrado e minhas mãos sempre, sempre, sempre ocupadas. Daí não sai nada de arte. Nem boa, nem ruim. Nada. Não deixo a vida acontecer comigo e não aconteço com ela. Por isso não entendo qual o meu impulso de escrever. Também não entendo meu pulso de viver, de pensar ou de ocupar minhas mãos. Mesmo assim eu vivo do jeito que dá, penso no que posso, quando consigo e deixo as mãos calejadas. Ocasionalmente, sai alguma arte - arte cronicamente má. Mas arte.
A parte boa da arte má é que ninguém se importa, ninguém entende. Ela sai porque deve sair e sai com as palavras que o artista conhece, com seus vícios de linguagem, com a estrutura que intuitivamente entranharam na escola primária. Com quantas artes se faz um artista? Uma só? Só se for boa?
E cá estou. Sem ter o que dizer, dizendo nada, fazendo arte.
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