O meu amor é deitar ao teu lado,
numa noite escura,
e contemplar estrelas...
na retina tua.
Talvez você retorne aqui e todos os textos tenham sumido ou note que as palavras foram trocadas e o sentido de um poema, de um texto, de uma frase, de um aforismo foi totalmente invertido. Aqui é RASCUNHOlogia, não Definitivologia.
O meu amor é deitar ao teu lado,
numa noite escura,
e contemplar estrelas...
na retina tua.
Esse gosto de sal...
Engulo a saliva grossa
o ar de tocar as cordas vocais não toca
Não sai palavra, o ar dá volta,
retorna, a expiração se agiganta
O silêncio esbarra no dente, tranco o lábio
Só ouço o nó na garganta.
Enquanto o ar condicionado faz efeito, enquanto o sono não vem, nessa noite quente de inverno, deito os dedos nas teclas, apago, reescrevo e eis o motivo: não tenho qualquer coisa a dizer. Coisa nenhuma. Só uns pensamentos cansados.
A vida dos poetas é animada? A vida dos escritores, dos artistas, dos pintores? Sim. Creio que sim. Eles vivem! E é a vida acontecendo com eles, essa que perpassa seus crânios, tira deles toda boa arte e poesia. A arte é a vida expressada. Mesmo a arte ruim e a má poesia são a vida... Acho que a vida perpassa até mesmo os artistas ruins, buscando uma forma de se expressar. A culpa não é da vida, mas do crânio do artista que não funciona direito e passa uma vida que se expressa desajeitada, cheia de plágios, erros gramaticais, imitações, remixes. Às vezes a vida quer se expressar num artista que está com as mãos muito ocupadas e o labor tira o lápis das mãos. Mas o pulso da arte pulsa, pulsa, pulsa no pulso, nas mãos, nos dedos, na vida do artista.
Essa vida não anda acontecendo direito comigo e a culpa é minha, que estou enclausurada. Meu crânio anda sobrecarregado, não tem espaço para a arte, só para o cansaço. O pensamento está cronometrado e minhas mãos sempre, sempre, sempre ocupadas. Daí não sai nada de arte. Nem boa, nem ruim. Nada. Não deixo a vida acontecer comigo e não aconteço com ela. Por isso não entendo qual o meu impulso de escrever. Também não entendo meu pulso de viver, de pensar ou de ocupar minhas mãos. Mesmo assim eu vivo do jeito que dá, penso no que posso, quando consigo e deixo as mãos calejadas. Ocasionalmente, sai alguma arte - arte cronicamente má. Mas arte.
A parte boa da arte má é que ninguém se importa, ninguém entende. Ela sai porque deve sair e sai com as palavras que o artista conhece, com seus vícios de linguagem, com a estrutura que intuitivamente entranharam na escola primária. Com quantas artes se faz um artista? Uma só? Só se for boa?
E cá estou. Sem ter o que dizer, dizendo nada, fazendo arte.
O ar quer sair dos pulmões
passar livre pela boca aos rojões
Essas cordas vocais sequer tremulam
Se obsta o som na língua e seguram
Cerra seu nome em meus dentes
prendem seu timbre em meus lábios
Mas as belas curvas! A grafia!
Tremulam vivas no vocabulário
Esse espaços entre as letras
do lápis brincam feito cirandeiras
suas vogais... suas consoantes
se reescrevem - nunca como antes
Esses rabiscos atentos
Apago, camuflo, não somem
os retornos e cruzamentos
que formam seu nome.