Dizem "Olhe lá a masmorra da bruxa", "sumiu na floresta" - e dizem com festa.
Acalme-se, vilã. A mocinha é que te colocou nesse posto. Cruzou seu caminho e atrapalhou seus objetivos, com aquela pureza infantilizada, em corpo de mulher adulta. Eu te digo, vilã, odeio as mocinhas. "Ah, mas são tão boazinhas!". Poupe-me. Sem elas, você não seria vilã, sem vilã, elas também não seriam mocinhas. As vilãs são as que mais me apetecem. Para mim, as mocinhas são seres bidimensionais. Têm a personalidade de uma folha de papel em branco. Ganharam o protagonismo por causa do chororô, e não do mérito.
No mundo encantado de suas cabecinhas ocas, as mocinhas assoviam com os pássaros, como se todos lhes devessem bondade. Sempre com aqueles olhos de cachorro abandonado. Mas não são elas cachorros - muito menos dos abandonados. Afastam-se de todos se minimamente contrariadas! Não percebem as enrascadas em que se colocam. Não ouvem de qualquer um a razão!
Para elas, o mundo é rosa e tem gosto de caramelo. Aceitam a tudo, sem questionarem. Uma ou outra até carrega um livro, mas não se vê sair da boca delas a filosofia de uma só página. Carregam, por carregarem. É parte de seu papel não ligar para os problemas do mundo. Parecem sensíveis, mas não são. São narcisistas não assumidas. Se a alguém servem, é para manter seu papel.
Todo sofrimento, para as boazinhas, é suportável, porque acham que o sofrimento lhes trás algum tipo de dignidade. Porque acham que o sofrimento lhes dá complexidade de caráter. E ganham afeto e carinho com seus olhinhos úmidos de lágrimas. "Ah, lá vai a mocinha, suportando os males da vida! Como sofre, tadinha!".
Quando o sofrimento aparece, sei que, por dentro, abrem um largo sorriso. É quando sentem ganhar mais camadas na personalidade. É quando recebem a dó e a pena, que para elas soa como gloriosos aplausos. HORA DE PROTAGONIZAR ALGO (em suas vidas ordinárias)!
É o desejo íntimo de toda mocinha: uma boa vilã. É o desejo de toda mocinha, limpar a casa com panos velhos, aos chutes, aos berros, esperando a salvação. Participariam de uma narrativa, e se bem chorada, de um espetáculo! Como seria bom, para essa novela, se o príncipe encantado a visse sofrer entre os trapos. Da dó, brotaria um amor. Um amor-dó. Que dó. Quanta pena! E casam-se em dois minutos. Não encontraram o amor da vida, encontraram a reviravolta da história!
E se o príncipe não tiver defeitos, e se não houver alguém para odiá-la, se ela se entediar do céu que vive. Se não houver vilãs à vista, se desespera! Busca o sofrimento, busca a pena, busca a dó. Deprime-se, grandemente sem seu alimento diário, que não é pão de ló. E então passam a ver pequenos dissabores como grandiosas tragédias. Isso porque não há nada abaixo da bondade da mocinha. É oca, coitada.
E quando a vida é entediante por muito tempo seguido, e não há vilãs por perto, nada sobra das mocinhas. E quando perdem a mocidade, e enterram o príncipe velho, e se perdem dos netos, e do cantar dos pássaros (que agora as irritam, e são seus vilões), e se cansam da masmorra de ouro que elas próprias construíram? Amarguram-se, e aí, somente aí, formam camadas.
E seu castelo vira masmorra, e os vilões tornam-se as pequenas coisas, e as grandes coisas, seus arqui-inimigos. E então se enclausuram, e veem os problemas do mundo. O ar podre que as conduziu à monarquia, e os anos de servidão inútil pagos com pena. Despe-se de seu papel, como um queimado se livra das chamas. Ojeriza seus dias inconscientes. Comove-se com a miséria de sua simplicidade e como é patética sua biografia. E arrisca-se a ler, realmente ler, uma ou duas páginas dos livros que antes lhe serviam de estética. E ali aprende um ou dois feitiços. E encontra motivos para querer viver a vida que não viveu. "Acorda, princesa, a vida não é um glacê"! Rebela-se! Formula os próprios planos para tornar-se a verdadeira protagonista.
E aí aparece uma mocinha, para estragar seus objetivos.
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