Em algum momento nos vemos obrigados a nos conformar. Talvez esteja conformada, talvez esteja distraída com outros problemas, com outras felicidades. Troquei de mesa, passei a me alimentar de outras histórias.
Eu já estava bebendo de uma jarra que não tinha líquido, saciando a sede com a memória da saciedade. Sentando-me solitária à mesa, acompanhada da sua ausência, que há muito havia se retirado. Eu fiquei. Eu permaneci. E duro foi o processo de me retirar, também, do assento. Contentei-me com cada vez menos migalhas, lembrando do sabor do prato principal. E como era saboroso!
O dia em que lemos o mesmo livro juntos, em que olhou nos meus olhos, o que se prendeu em meus lábios. Do dia em que ouvimos música, das noites abafadas de conversas atropeladas. Daquele dia de chuva, repleto de boas risadas. O dia em que você derrubou café, o dia em que vi seus pés desnudos. O dia em que mostramos os dentes um para o outro. Os dias em que importamos um para o outro, nas trivialidades, dos segundos passageiros de curiosidade. De nós nos descobrindo. Das suas mãos no beiral da porta, da cabeça recostada, perguntando a razão do tempo passar tão rápido, do cheiro da sua respiração, dos seus ombros, cabelos, da sua voz. Da sua voz dizendo meu nome: feliz, manhoso, irônico, cantado, irritado, cuidadoso. Dos nossos assovios, dos nossos desenhos. E então, em algum momento, a mesa foi se esvaziando. O que tem no cardápio? Lembranças.
A primeira vez que você se afastou, saborosa era sua presença. Da primeira vez que você me criticou, saboroso era seu elogio. Dos muitos dias das ondulações de humor, saborosa era sua constância. Das discussões que davam em remorso, saborosas eram as intelectuais. De tentar te odiar, te amando. Da minha solidão, na mesa, contentando-me com o sabor de cada passo de sua saída.
Da minha saudade, quando saborosa era a história. E não a realidade.
A escrita não expressa o meu levantar da mesa. Os passos difíceis de empurrar a cadeira, levar os pratos, os talheres. Colocar as cadeiras no lugar. Ali, sequer haviam sobras. Essas coisas só se descrevem em mim mesma. Não têm nome e nem como nutrir.
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