sábado, 25 de dezembro de 2021

Desabafologia

 Há situações sem saída, em que o máximo que podem te oferecer é o paliativo do ouvir. Pares de ouvidos ali, que tanto me ouvem, que tanto sentem comigo, mas que nada podem fazer. Muitas vezes me encontro em situações em que se mostra difícil o exercício empatia. Canso os ouvidos, tentando me explicar, e canso de cansá-los. Não entendem! As palavras se esgotam, e os sons que emito perdem o sentido. Não tem culpa à conferir. Assim somos nós.

 Quando isso acontece, o que me resta é a arte. Não aquela em que me expresso, mas aquela que se expressa por mim. Busco nas telas o meu destino, nas cores tristes o ressoar das minhas sensações. As músicas chorosas choram por mim e junto comigo, e os desencantos fictícios e suas reviravoltas imprevisíveis, servem de encantos reais e de previsibilidade de possibilidades. A melancolia artística me impacta desse modo, e sinto que me abraça até mais fortemente que os abraços humanos. Ela me mostra aos olhos e conta pelos ouvidos que eu não estou só. 

  O que sofro é sofrível, o que me despedaça, despedaça. A arte melancólica não afoga, me resgata. Valida os sentimentos mais inenarráveis e faz companhia. Com ela, nunca estou só.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Poetria V

 Todos são melhores que eu

Alguns melhores que eu naquele dia

Eu

Melhor que eles

num só instante

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

O Sonho

Engoliu-me O Sonho
Ah, foste tão aguardado! 
Focam estas vistas em tons esverdeados

Na relva, devaneios demorados
Sussurros e gracejos desgraçados
Entre bafejos, infantil descuidado...

Não acordo. Há perigo ao encalço!
Foges, tu, aterrorizado
Esqueceste tua ausência
No solo, ei-la forjado

Aguardo só, ao terror irado
Contento-me com as pistas do teu legado
Rastro para sempre marcado

Evaporou-se teu corpo alado
Consumido, deixou-me ilhado
Foi-se o presente, esqueceu-se o passado
E tamanha ausência me fez prostrado

Há um tanto de saudade...
Encheria um lago!
Daquela vida em terra firme
tão longe do imaginário.


sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Tempestades silenciosas

  Não costumava sentir lá muita coisa. Olhando aqui à distância, não... não percebia nada. Não percebo o que sinto até que algo grandioso me sacuda e me faça compreender, num salto, o quanto algo importa. É como se meus sentimentos fossem a caixa preta de uma avião e quando os reconheço, já é tarde demais. Ao invés de aterrissar, caí de amores. Uma queda livre, assustadora e embriagante. Sem paraquedas ou pensamentos de segurança. Estatelada no chão, ainda me sentia acomodada nas macias nuvens. Tão bom é amor! Agora, repetindo-se a história, sofrerei um novo impacto. Sei disso. E dos grandes! Como um raio solitário, que é acompanhado pelo estrondo, na distância de sua magnitude! Explico: Veio essa grande tempestade. Com ela, um show de raios iluminou o céu. Azul! Rosa! Branco! E então tanto vento! Foram todas as estruturas carregadas pelos ares, num turbilhão de mesas, cadeiras, janelas, metáforas e portas. No entanto, prossigo aqui, entrando na sala inexistente, apoiando os pés na acomodação inexistente, como se tudo prosseguisse no lugar. Quando o estrondo finalmente me acordar do devaneio apático, o que restará de mim? Tento muitas vezes adiantar o processo. Não adianta. Espremo os olhos com o fim de deles saírem água. Não saem. Então penso longamente sobre tudo. Os pensamentos são incessantes, porém desacompanhados do sentir. Os pensamentos são os raios? Os fatos são os raios? O sentir é o estrondo. Me é a única certeza de ser ele o estrondo. E por isso, tempestades silenciosas me assustam.