Há muito tempo venho ensaiado publicar algo sobre esta senhora super cool e de nome gringo. Cá estou!
Hilda de Almeida Prado Hilst, conhecida como Hilda Hilst, era uma premiada poeta paulista, nascida em 1930. Formou-se em Direito na USP, mas dedicou sua vida à poesia, tendo escrito o seu primeiro livro no ano de 1950.
Hilda também escreveu peças de teatro e ficções. Nos anos 90, adentrou na escrita pornográfica e, mais à frente, tornou-se cronista para o Correio Popular em Campinas. Hilda faleceu no ano de 2004 - um ano em que eu estava ocupada demais, aprendendo a tabuada, para poder procurar conhecer essa mulher incrível.
Meu primeiro contato com a poesia da Hilda foi através das redes sociais, em pequenos trechos desconexos, assinados pelas iniciais do nome: H.H. Apesar de tantas premiações dadas a uma poeta brasileira, seu nome nunca me foi mencionado durante a escola, daí que achei que ela era gringa - como ignoraram ela?! Dos poemas que li, achei-os bem eróticos, e essa interpretação foi confirmada quando uma amiga me emprestou o livro "júbilo, memória, noviciado da paixão", lançado em 1974 ((daí o motivo de não ter sido mencionada nas aulas de literatura)).
Vou colar aqui alguns dos poemas da Hilda, que me inspiraram a explorar mais o erotismo, no poema "A tensão!", de minha autoria (link clicando aqui):
1. Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.
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2.
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento
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3.
E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.
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Retomando, sobre o livro "júbilo, memória, noviciado da paixão", os primeiros poemas não são endereçados à alguém, mas com o passar das folhas, após o poema IX, ela direciona diversos escritos a um tal de Túlio, que são cheios de paixão, e depois de um certo rancor por ele.
IX
Debruça-te sobre a tua casa e a tua mulher
E pergunta no mais fundo de ti, no teu abismo,
Se é maior teu espaço de amor, ou maiores
Que o céu esses rigores, a ti te proibindo
Tua amiga incorporada ao teu próprio destino.
Do máximo e do mínimo e a meu favor
(Não me louvando a mim o raciocínio)
Ressurgiria um conceito didático, exemplar:
De que não cabe medida se se trata
Dessa coisa incontida que é o amor.
O coração amante se dilata. O preconceito?
Um punhado de sal num mar de águas.
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III
Túlio: aceita a graça que te concede
A padroeira, a mãe do meu Senhor,
De me tomar a alma e o corpo, e atrair
Para o teu próprio gozo, essa que anda
A te louvar, essa primeira
A te cantar no verso, tua amiga, eu mesma,
Incendiada, coroada de espinhos, e apesar
Sempre viva
(...)
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VI
Soergo meu passado e meu futuro
E digo à boca do Tempo que os devore.
E degustando o Êxito do Agora
A cada instante me vejo renascendo
E no teu rosto, Túlio, faz-se um Tempo
[...]
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Em seguida, um capítulo todo (ode descontínua e remota para flauta e oboé. de ariana para dionísio), escrito por uma persona chamada Ariana, é direcionado a um tal de Dionísio. E esse Dionísio trata-se de alguém que fez a Ariana sofrer, bastante. Depois desse capítulo, alguns poemas bastante tristes, que remontaram-me a ideia de suicídio, Túlio torna a ser mencionado. Pelo que me parece, os homens tratam-se de amantes do(s) eu(s) lírico(s).
IV
Porque te amo
Deverias ao menos te deter
Um instante
Como as pessoas fazem
Quando veem a petúnia
Ou a chuva de granizo
[...]
Porque te amo, Dionísio,
É que me faço assim tão simultânea
Madura, adolescente
E por isso talvez
Te aborreças de mim.
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V
Quando Beatriz e Caiana ter perguntarem, Dionísio,
Se me amas, podes dizer que não. Pouco me importa
Ser nada à tua volta, sobra, coisa esgarçada
No entendimento de tua mãe e irmã. A mim me importa,
Dionísio, o que dizes deitado, ao meu ouvido
E o que tu dizes nem pode ser cantado
Porque é palavra de luta e despudor.
E no meu verso se faria injúria
E no meu quarto se faz verbo de amor.
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E o que entendo ter acontecido com Dionísio, aparece uns capítulos depois "Esquivança, amigo./É o que se faz em ti./Frígido, esquivo/Da benquerança de mim".
E quanto à Túlio? Um tanto mais a frente, ele é questionado pelo eu lírico "Tu ainda me amas?/ Eu te pergunto lívida/ (...) E te levantas, me olhas/ E te fazes cansado/ De perguntas antigas", umas folhas adiante ela lhe diz "Tem sido o teu reinado, inconsistência./ Ou te transformas, rei de fogo e justo,/ E, a quem merece, dás amor e alento/ Ou se refaz em ira a minha luxúria/ Me desfaço de ti, muito a contento".
Instigada pela leitura desses amantes todos, acabei por encontrar um álbum do Zeca Baleiro, chamado "ode descontínua e remota para flauta e oboé. de ariana para dionísio", lançado em 2005, e um romance chamado "De Dionísio para Ariana", além de teses de doutorado e um tantão de artigos, e concluí que não fui a única instigada. Definitivamente.
Durante as leituras post-júbilo, retirei mais algumas conclusões sobre essa série de poemas, como sendo a descrição da formação do amor da mulher para com o homem, cheio das antíteses que se juntam nesse sentimento calmo e agitado: o correto e o incorreto, corpo e a alma, o sagrado e o profano, o grego e o cristão, o céu e a terra, a terra e a água (e até entre a do mar e a do rio).
Antíteses, dilemas, dualismos, paradoxos ambulantes... E tentamos nós, cinicamente afastar a existência de nossas incoerências, vivendo uma constante punição por não sermos unidimensionais. Aí que vem o amor, o erotismo, a paixão, nos destrambelha a todos, e depois a poesia, que termina de desorganizar (ou de expressar essa desorganização?).
Concluindo, uma provocação de Hilda para que você questione seus próprio paradoxos: "Se o teu, o meu, o nosso do tigre/ Se fizesse livre, como seria?" (...) "Te farias mais garra?/ Mais crueza? Ou nasceria/ Em ti uma outra criatura/ Límpida, solar, ígnea?".