Não lembro da primeira vez que tive um amigo, mas me recordo precisamente em como fazia do desconhecido a amizade. Era simples e tão orgânico! Subia numa árvore com outro ser humaninho, sequer sabia seu nome, mas bastava uma risada e ali eu mesma punha o laço da relação: amigo. A mãe chamava pra casa e eu já reclamava que queria brincar mais "brincar mais com meu amigo, mãe!". A amizade é o espaço que dou para alguém ocupar no meu coração e quem ali entra chamo amigo. Quem pisa nesse lugar, reside pra sempre. Todo canto do meu peito tem um amigo. É uma infestação! Similar a uma colmeia, onde me encontro acolhida. Se o amigo se foi, não há espaço vago, pois fica a memória do amigo. Ali está o amigo que me ensinou queda de braço, ao lado o amigo que me ensinou o primeiro beijo, mais a frente o amigo que acendeu meu primeiro baseado e está ocupado o lugar até do amigo que me ensinou o que não era ser amigo. Esse último, muito importante. O amigo que não é amigo me deixou mais criteriosa. Se terei o coração ocupado, que seja bem ocupado. Os espaços cedidos estão consumidos, e hoje, com os novos, tenho mais cuidado, tanto mais cuidado! Sintam-se em casa, amigos. Enquanto tiver um coração que pulsa, não sofrerão com as intempéries, em mim terão abrigo.
Talvez você retorne aqui e todos os textos tenham sumido ou note que as palavras foram trocadas e o sentido de um poema, de um texto, de uma frase, de um aforismo foi totalmente invertido. Aqui é RASCUNHOlogia, não Definitivologia.
quarta-feira, 21 de julho de 2021
Justiça
A justiça é um conceito difícil, e assim como o conceito da liberdade, é algo que todo mundo sente que sabe, mas que se enrola ao definir. E como se enrolam... Se pudesse humanizar a palavra, seria alguém de peito estufado e sorriso no rosto, dizendo orgulhoso que fez o que é certo. Justiça! Justiça! Justiça? Justiça?! O que é isso? Justiça é notavelmente fazer o certo, e o certo é que o certo é ainda mais abstrato. A Justiça é, portanto, de uma conceituação abstrata, e de forma irônica choca-se com frequência histórica cada vez mais intensa na Liberdade. Note: Quando se cresce a conceituação da Justiça, numa tentativa de limitar sua aplicabilidade, cresce o número de colisões com sua irmã abstrata, a Liberdade - que é mais velha e mais frágil e tão mais vaga, e como todo velho, tão facilmente abandonada! Mas isso deixo para outra hora. Por ora, A Justiça parece um agir contra o errado, e o justo é que O Certo prevaleça. É o certo, portanto, a raiz da Justiça. O certo é a rocha de gelatina em que se funda a Justiça e todos seus desdobramentos. Para os hadza o certo é um, para um ocidental vegano o certo é outro, mesmo que ambos tenham por certo a preservação da vida. O certo é definido pelos conceitos de grupo, pelo ambiente, pelos acidentes ideológicos, pelas guerras vencidas, pelos poderosos, pelos antes fracos que tomaram o poder, pelos tons cinzentos e falhas argumentativas, pela vantagem: pelo pensamento que prevalece. Um estatístico se debruçará em linhas múltiplas de raciocínio que tanto se desdobraram na história, a fim de encontrar de onde saiu que aquele certo é justo e que aquele injusto é errado. Seja lá o que seja certo e seja lá o que seja justo, isso é o certo (por agora) e ponto final.
Mudança
Mudança tem algo de indissociável com o tempo. Demos nome de tempo pra essa coisa que nunca para de mudar, que acontece incessantemente. Eu sempre tento agarrar o tempo quando a mudança que estou vivendo é boa demais para o que virá em seguida. Pare, mudança! Já está perfeito por aqui! Tentei segurar, sempre tento, na verdade, e não consigo... então tento decorar aquilo tudo pra me deliciar depois. A maravilha que é ter um cérebro dotado de reviver memórias é poder simular tantas vezes quanto possível aquele momento de mudança estática. Mas a mudança afeta até a memória. Muda o momento simples para uma grandiosa ópera, muda os móveis de lugar. As mãos nunca ficaram tão próximas, aquela não era a cor do meu cabelo, aquela música sequer havia sido lançada, então não era a que tocava na pista de dança. Nunca se revisita uma memória da mesma forma. Tudo e absolutamente tudo muda. E que bom é mudar, porque a ausência de mudanças é a inexistência, enquanto mudar é a exploração da vida. Não sou a pessoa que fui, e pouco me importa. Não penso da forma como pensava, e pouco me importa. Mudei ao ponto de aproveitar as mudanças. Mudar é uma constante possibilidade de amar mais, de sorrir mais, de melhorar, de sentir o sangue nas veias, correndo e correndo até não correr mais.
quinta-feira, 8 de julho de 2021
sexta-feira, 2 de julho de 2021
Necessidade
Não precisa ser perfeito
só precisa ser
E nem disso precisa
Porque o que se precisa
é que não se precisa de
coisa alguma
Muito menos
de algo.