Como sinto? Primeiro, o pequeno impacto que danifica a pele. Em questão de segundos, esse dano acessa meus nervos, é transmitido ao cérebro e uma reação é produzida: dor. A dor não é sentida à toa, é uma forma orgânica de te alertar que existe um problema ali e que ele deve ser contido para não se tornar algo maior. Se seu sistema orgânico de autopreservação estiver saudável, a dor acontece quando é tida como contornável ou quando a causa é passível de ser contida. É problemático quando a ferida não causa dor alguma, ela cresce e se instala e muitas vezes mata, por ter tido todo esse tempo, agindo furtivamente.
Quando sinto a dor, ando até a caixinha de remédios, limpo a ferida e colo um curativo para proteger meu corpo até que meu sistema imunológico atue para fechá-la totalmente. E quando a cura se inicia, já não choro, apesar de continuar tratando aquela ferida, que agora se mostra uma área sensível ao toque. A sensibilidade vai reduzindo ao passo que ela some. Talvez deixe uma cicatriz, mas se bem cuidada, não deixará sequer uma memória.
Um fato interessante: Às vezes antecipamos a dor, sentindo-a antes mesmo que ela aconteça. É uma dor mental, que dói na mesma intensidade, mas só cessa quando a dor real, física, advém. O corte efetivo, corta a dor da mente. Troca-se uma dor que não sangra, que não tem curativo, para uma dor totalmente contornável. É libertador. Dolorido, mas libertador.
E quando a dor é mental, e sem previsão de se concretizar fisicamente? Aquela dor que não advém da ansiedade que é ver que uma agulha te perfurará em alguns segundos. Aquela dor que não se alcança, que fica parecendo pior, por não ter solução, aquela que não se alivia através das lágrimas.
A libertação vem da dor física e curável, a gente aprende isso quando rala os joelhos pela primeira vez, depois de saber, com certeza, que aquela manobra de patins iria te espatifar no chão. Será que é assim que pensam as pessoas que se auto lesionam? Trocam uma dor por outra, porque a outra é prática e simples de contornar? Uma dor distrai a outra? É, talvez pensem assim. Trocam, para reduzir o tempo do sentimento angustiante. Trocam e trocam e trocam. Me parece bastante tentador esse mecanismo. Parece eficaz transformar algo inalcançável em alcançável. Se não fosse eficaz, ninguém o utilizaria.
Mas é eficaz por quanto tempo? Quando se foge das dores da mente, quando não se exploram as suas raízes, evidentemente, fica-se lesionando como forma de cuidado, a fim de conter apenas e tão somente os ramos. Que semente potente essa que cria a dor da mente! Principalmente quando encontra solo fértil. O mundo, tal como é, grada qualquer mente.
Se se pensa um tantinho que for sobre essa vida, que passa correndo diante dos olhos, e nesse mundo, que suga suas forças e que não as renova, cujas belezas não compensam as angústias; nas pessoas, que nunca estão dispostas a pensarem em algo a não ser em si mesmas; que ninguém teria paciência para te ouvir ou compreender, porque amar o próximo não é útil o suficiente no final das contas; ou porque o problema não está nos demais, mas em si mesmo, que não se responsabiliza pelos próprios atos, que é frágil demais pra existência, que sofre por pouco ou quase nada, que não se encoraja, que suga o sorriso dos outros, feito o mundo que te devora...
Ai! Ai! Ai!
A semente brotou em mim.