O amor sempre deixa indícios, e assim abriu-se a investigação. O objetivo? O objetivo seria o flagrante! A prisão! A justiça! Esse seria segundo flagrante, na verdade... Para melhor compreensão, é preciso contextualizar os fatos. O primeiro "flagrante", e aqui sinto constrangimento em dizer, deu-se quando o amor entrou em minha própria propriedade privada e foi se ocupando... ocupando, furtivamente, até que o encontrei por infestado em todas as frestas de todos os cantos. Até localiza-lo, fui vitimada por vermelhidões espontâneas, sentimentos desequilibrados e intensos, passava do riso ao choro em questão de segundos, sentia um enorme vazio que era preenchido repentinamente por você. Note, encontrei-o tarde demais, quando já não podia sair de mim. Que tipo de criminoso é esse que se alastra na vida e depois não sai de jeito nenhum? Seria isso algum tipo de doença? Pois bem, em depoimento, obtive o nome do invasor: amor. Seu crime: influenciar meu humor. Sua motivação: desconhecida. Ele alegou ter chegado através de uma arma branca, do tipo flecha, atirada de um arco, por uma metáfora relativa a lenda do "cupido". Claramente embriagado ou sob efeito de psicotrópicos, não logrei obter sua real motivação e origem, ao passo que desisti de realizar qualquer outra acareação.
Notavelmente sofri danos, e claramente precisava de uma reparação. E daí em diante, fui me questionando os por quês, decifrando seus motivos, que se desdobravam em outras diversas linhas investigativas, e tudo isso a fim de exilá-lo, mas não consegui. E é por isso (ou porque o amor já me controlava totalmente?), retomo, que dei início a inspeção. Foi uma investigação um tanto arriscada, de fato, que utilizou um método não convencional e que colocou minha própria felicidade em jogo. "Talvez" - pensava a essa altura - "encontrarei no outro a resposta para o que estou vivendo e me livre de vez de qualquer sentimento delituoso". Pensei bem e raciocinei "Talvez seja o outro o próprio mandante" e não muito depois, me surpreendi com a hipótese "Talvez o amor seja apenas a consequência e que outro seja o principal envolvido! Sim, o amor não possui culpa alguma. Isso tudo é a culpa do outro". Eureka.
Bom... no começo pensei em ser direta "Ei, você me ama? Eu tenho um amor aqui, e não sei bem o que fazer com ele, não quer sair, preciso que se responsabilize também por isso!", mas através da observação do perímetro, e da possível ocorrência de reação violenta, constatei o óbvio "Qual criminoso se entregaria tão rapidamente?". Me deu uma certa frustração não poder confrontar de vez o investigado, um certo receio... então prossegui buscando mais provas antes de uma possível inquirição, afinal, não quero que ocorra uma fuga desnecessária ou um processo administrativo contra minha pessoa, por iniciar uma investigação infundada - seria trágico. TRÁGICO!
Os primeiros questionamentos objetivavam identificar se o tal investigado possuía qualquer conduta típica prévia, se o investigado possuía o dolo específico de lesionar ou se sequer possuía ciência da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta. Foi realizado acompanhamento tático e, após, montada campana de monitoramento de seus comportamentos civis, no intuito de responder a questão: "Será que age de maneira diferente com relação a mim?", nada de anormal fora constatado, tendo em vista seu bom comportamento ter se demonstrado comum a todos.
Para além disso, fez-se necessária a busca de outras provas, como a cooperação com testemunhas oculares, agentes infiltrados, consultores, psicólogos e toda baboseira contida em fóruns de páginas de internet. Ainda, disfarcei-me de diversas formas, a fim de obter a mais cândida versão do ocorrido e nada! NADA FOI OBTIDO!
A conclusão de que talvez não fosse culpa do investigado, que sua potencialidade lesiva era ínfima e que tal flecha atirada em minha direção, tenha sido acidental, me foi pessoalmente perturbadora. Até então, eu cria possuir a intuição policial, no entanto, o amor lastreado interferiu fortemente em minhas percepções: ora o via como autor, mesmo sem provas concretas, ora o via como um inocente, que estava no local errado, na hora errada, e ora me via como a principal culpada. Na verdade, de fato, talvez só existam inocentes... são tantas possibilidades! Daí que abandonei as investigações. Minhas percepções policiais estão avacalhadas, não há como considerar o anseio dos indícios e as provas corrompidas pelos desejos do amor. Fecho aqui o caderno investigativo sem crime ou autor. Um interrogatório poderia ser a única saída? Nunca. "Servir e proteger"? esse lema encontra-se evidentemente desatualizado.
O amor sempre deixa indícios e se não os há... não o há...