terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Sépia

  Li por aí que as experiências mentais equivalem às experiências reais para o nosso cérebro. Mas, ao meu ver, apenas equivalem, não são exatamente a mesma coisa, tanto é que conseguimos distinguir sonhos de ilusões de realidade - ou pelo menos deveríamos, uma mente saudável consegue.

 Eu vivo muito tempo dentro de mim e alimento conscientemente muitas ilusões de como a minha vida deveria seguir, vou escrevendo a história ao meu bel prazer, dispensando qualquer coerência ou senso de responsabilidade, logo, tudo que que imagino se torna perfeito. Na minha mente, nunca há chuva quando deve haver sol, todos os diálogos se seguem em perfeita consonância, ninguém realmente se machuca pelos meus atos e estou sempre de bom humor. Vou sonhando enquanto meu corpo vive no mundo real, idealizando as situações, sem realmente agir para que aconteçam, me contentando com a irrealidade.

 Mas existem esses momentos em que a realidade, que nunca deixa de fazer o seu papel, me acorda, e é horrendo ser acordada! Eu acordo sempre muito mal, querendo voltar a dormir, mas quando tento retomar o sono, já não existe cama, não existe qualquer contexto que deixe me confortável pra sonhar, e esse desconforto é duro de enfrentar. 

 Se eu vivesse mais tempo na realidade e menos tempo na imaginação, o contraste entre a perfeição dos meus sonhos e dureza fria dos fatos reais seria menos delineado, o acordar não seria tão espantoso assim, eu já estaria acostumada a me levantar e a tomar as decisões difíceis que devem ser feitas durante a vida adulta.

 Ao mesmo tempo, o acordar odioso, me traz a possibilidade de viver um dia ou dois, realmente. Quando fico acordada por tão longo período, penso que não é possível viver de sonhos. De fato, as coisas que se realizam ali não se equiparam ao que se vive fora deles. Sentir o toque, a presença e ouvir a voz, de verdade, nunca será trocado pela memória dos toques, pela presença fantasmagórica dos sonhos e o sons mudos que saem dessa boca. As cores da realidade são mais vívidas e a satisfação dos desejos reais é infinitamente mais prazerosa. Não há como sentir, realmente sentir, de olhos fechados, vendo só o que se tem pra dentro do crânio. Sim, o acordar é doloroso, mas é também magnifico. Eu me lembro que preciso, necessito e me vicio no toque real, na voz real, na presença real, de olhos reais me olhando de volta e de reações espontâneas, imprevisíveis ao meu inconsciente. Eu nunca poderia simular toda a graça que é a companhia verdadeira, utilizando apenas a parca memória de momentos que morreram. Eu quero presença física, não aguento mais pensar no que foi, no que poderia ter sido, quero agir, de corpo, mesmo.

 Mas ao primeiro sinal de tristeza, tudo fica escuro, e então lentamente e repentinamente, volto ao sono, tudo fica sépia, inconsciente e perfeitamente irreal.

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