sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Meditação

   Porque acreditamos tanto sermos merecedores do sofrimento? Mesmo que inocentes de qualquer crime, buscamos constantemente a punição.

   A vida já é suficientemente difícil, certo? E milhares de vidas cruzarão com a sua - muitas colidirão, na verdade, em alta velocidade, de forma desrespeitosa, trazendo dor,  bagunçando-a, sem qualquer reparo possível. Outras passarão deixando um pouco de si e levando um pouco de nós, causando saudade e alegria. Assim se vive, uma persecução de momentos, um pêndulo que oscila entre diversas emoções.

  Logo, por qual motivo adiantar as colisões e negar os momentos de pura felicidade, sentindo culpa ou ansiedades?

  Não há motivo para não permitir sentir todos os sentimentos bonitos e deixar o sofrimento e as dores e a raiva e as mágoas para quando o mal sobrevier. Porque coisas ruins acontecerão, isso é certo... Escolha, portanto, viver as tragédias o mínimo possível, deixando-as para seus momentos.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Avante!

    Gosto de humanizar as palavras, dar-lhes olhos, boca, nariz, polegares opositores e sentimentos próprios. Talvez, agora seja o momento de dar-lhes racionalidade, também - acrescentar às palavras o sentido que faz a nós, humanos tão... humanos! Não somos só impulsos e reações, temos o acréscimo da reflexão. E, portanto, faz-se a hora de pensá-las bem antes que sejam proferidas, para que se façam entender em sua inteireza, sem duplos significados. 

    Em parte, recorro aos sentimentos como válvula de escape da razão. A razão é assustadora, suas conclusões são literais, e por isso me afugentam para esses outros cômodos do cérebro, que de tão cômodos, me fizeram confortável demais, de modo que me incuti a esse conforto. Me iludi a mim, na verdade.

    É preciso sair desse cômodo, é preciso a junção da coragem da racionalidade e da força de afastar-se dos sentimentos. O primeiro passo é difícil e cambaleante, não é fácil apoiar o outro pé, a fim de ajudá-lo. Mas apoiei o outro pé, e agora estou mais firme para admitir a realidade que estava ludibriada.

   Esse momento difícil parece insuperável, seu fim parece irreal, mas é real, e muito real! A cada passo cambaleante rumo à razão, a cada lágrima derrubada e enxugada, a cada tentativa falha de voltar atrás, me dirijo mais à saída. E vai acabar logo, mais rapidamente do que eu quero, e mais devagar do que preciso. Veja, o que quero e o que preciso são coisas muito distintas, dois conceitos que vivem em mim e se confrontam a todo momento. Um tomado de razão e outro tomado de emoções.

   Os passos à frente e à frente seguem lentos, todos calmamente pensados e meticulosamente sofridos e superados, tomam horas do meu dia em concentração - mas os passos que retrocedem, apenas poucos milésimos de segundos.


    Tic -

    - tac. 


    Retrocedi.


 



terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Corte e Costura

    Há dias venho tentando reunir as palavras. Acontece que elas andam soltas por aí, descosturadas, espalhadas por todo canto, em grande quantidade, e nunca consigo colocar a linha na agulha. Não as alcanço e elas não vem até mim. Se tornaram bastante independentes, cresceram e seus significados se tornaram insociáveis. Cada uma das palavras é dona de si, e não acho que caiba mais a mim domá-las.  E quando isso aconteceu, eu não sei. Talvez tenha sido uma soma de fatores e as fui perdendo por distração, ao cortá-las em excesso.

    As respostas mais complicadas geralmente são as mais precisas. E por mais simples que uma resposta pareça, se olhada bem de perto, de pertinho, se torna imensa. Aproxime-se suficientemente de um átomo e ele toma a proporção de todo o universo.

    O que eu sinto nesse momento? É algo maior e mais estranho do que aparenta, é uma tragédia e uma comédia, é pequeno e gigantesco. O que sinto é um átimo de um átomo e por isso é forçoso observar algo tão singelo, com essa visão que sequer enxerga o olho da agulha.

  E então me sugerem, "por que não uma máquina de costura?", porque esse texto não é sobre corte e muito menos sobre costura. E ponto!

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Sinto muito, Múcio Góes

          Sou uma daquelas pessoas que ainda usa o Facebook, mas eu uso porque por lá ainda existem várias comunidades de literatura, cinema e outras artes, que estão bastante ativas e cheias de pessoas interessantes. Numa dessas comunidades encontrei um poema curtinho que me encantou bastante pela esperteza no uso das palavras. 

          O dono do poema, descobri, tratava-se de um pernambucano, chamado Múcio Góes, que se identificava como "mg6es" na internet. Ele publicava os poemas no instagram, facebook e nos blogs traversuras, prosa porosa, Blog de 7 Cabeças, árvore dos poemas, verba volant, scripta manent e no máximo o mínimo.

            Sua autodescrição no blogger: nasci com intuito / de sentir / sinto muito.

         Múcio foi autor de três livros, e era possível adquiri-los diretamente com ele.

                Após me apaixonar profundamente pela obra, descobri que Múcio faleceu em 20 de abril de 2018, após uma batalha contra uma doença, e eu, que nem o conhecia, senti a sua ausência, uma tristeza pelo falecimento de um artista tão grandioso e pouco conhecido.

                A seguir, alguns dos poemas do Múcio (queria colocar todos aqui):



como é que você 
se chama que eu
chamo tanto e
você não vem?

- Múcio Góes

---------------------------
converso com versos,
a poesia é o trem
em que me expresso.

- Múcio Góes

-----------------------------

vontades dão
e passam
transpassam
como trens passam
deixando trilhos e
saudades

- Múcio Góes
-------------------------------

eco...

quando você
não está,
o meu silêncio fala mais alto;
quando você 
faz falta,

eu falto.

- Múcio Góes

--------------------------

chega 
a  noite

         meço
         a dor

                e a dor
                   meço

- Múcio Goés



                   Até hoje a página Múcio Góes mg6es publica os poemas do autor, até hoje novos admiradores passam pelo processo que passei: de conhecê-lo, amá-lo e de sentir sua ausência. Apesar disso, vale a pena conferir seus maravilhosos e espertíssimos poemas!


quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Solo

 A minha dor é a maior do mundo

 porque é minha

 somente minha

 e nela estou 

só.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Outro poema

Te amo: quando seu Eu aparece

Quando se esconde em si

o ardor desaquece


Isso! Alivie minha prece...

tire de mim a trama

do solitário apagar das chamas.

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Pulso

O céu na minha mente

Abro as pálpebras e com uma só visão

o universo todo se acende


Esse incandescer... como explicá-lo à razão

cuja expressão é algo que não se compreende

sem que antes tenha se sentindo o pulsar do coração

assim, tão de repente?



quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Infinitude

Em meio ao vazio, flutuava solitária

Seguindo os rastros do nada

Inconsciente e involuntária

Quando dentre as trevas, uma surpresa iluminada: foi acompanhada!


Como mágica, se riu em alegria,

e esqueceu-se de como o silêncio funcionava

O seu vagar foi cercado de cantoria

uma festa completa, onde a monotonia hibernava


Mas, incontrolável, o tempo não pôde se segurar

e assim findou-se a folia

Novamente solitária, às lamúrias voltou a vagar

E a ninguém poderia culpar, por ter lhe apresentado o pranto e a melancolia


Agora, aprisionada em seu não findar

Se ia... se ia.





terça-feira, 4 de agosto de 2020

Deixa

 Repentinamente, sem aviso, surge esse sentimento estranho, e então eu imagino toda parte do seu corpo e lembro de tudo que tem seu cheiro. E daí  me vem as letras do seu nome, todas elas, repetidamente, num ciclo.
  
  Saber a intensidade dos seus batimentos cardíacos e a medida de sua íris quando me vê, de nada adiantaria. Saber se seus joelhos estão virados na minha direção, se seu corpo se inclina ao conversarmos, se sua voz se amansa e se o foco de sua visão são meus lábios, de nada adiantaria. Não adiantaria me tornar fluente na sua linguagem corporal, se nunca poderei aproximá-la a mim menos que a distância dos olhos.

  Apesar de tudo, não há dor que seja melhor que a do amor. Pelo amor vale sofrer, porque é justamente ele que faz a vida ser tolerável. Recíproco, unilateral, não importa! O amor inspira a arte, o amor inspira as músicas e as grandes festas das nossas vidas, além disso, é no amor que muitos de nós nascemos. 

  Não deveríamos nos arrepender de senti-lo, mesmo quando breve, nem de nos culparmos, quando ele é tão natural e incontrolável. O amor envolve as partes preciosas da existência, e ainda nos agracia em diversas formas diferentes, em tempos diferentes, em pessoas diferentes. 

  Não há porque morrer por amor, muito pelo contrário: há de se viver por ele!

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Florbela Espanca


  Florbela Espanca, batizada como Flor Bela Lobo, e que optou por se autonomear Florbela d'Alma da Conceição Espanca, foi uma poetisa portuguesa, que se suicidou em 1930. 

  Seus poemas são maravilhosos, e se percebe que seu peito era cheio de amor! Encontrei a poetisa em um grupo de literatura e sua obra nunca mais saiu da minha cabeça. 





  Abaixo, dois dos poemas dela que mais gostei de ler:



FANATISMO

Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver.
Não és sequer razão do meu viver
Pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!...
"Tudo no mundo é frágil, tudo passa...
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!..."
- Florbela Espanca, em "Livro de Sóror Saudade"

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Eu sei que me tens amor,
Bem o leio no teu olhar,
O amor quando é sentindo
Não se pode disfarçar.

Os olhos são indiscretos;
Revelam tudo que sentem,
Pode mentir os teus lábios,
Os olhos, esses, não mentem.


Aos olhos dele
Não acredito em nada. As minhas crenças
Voaram como voa a pomba mansa;
Pelo azul do ar. E assim fugiram
As minhas doces crenças de criança.

Fiquei então sem fé; e a toda a gente
Eu digo sempre, embora magoada:
Não acredito em Deus e a Virgem Santa
É uma ilusão apenas e mais nada!

Mas avisto os teus olhos, meu amor,
Duma luz suavíssima de dor...
E grito então ao ver esses dois céus:

Eu creio, sim, eu creio na Virgem Santa
Que criou esse brilho que m'encanta!
Eu creio, sim, creio, eu creio em Deus!

- Florbela Espanca

terça-feira, 2 de junho de 2020

Felicidade

 Consegue ouvir o tilintar das taças? As vozes distantes? A próxima gota e já chega, a próxima noite e já chega, a próxima década nunca chega! Evito a solidão ao preenchê-la com meus semelhantes. Quais seus nomes? Já não me importo. Basta-me um só gole para destravar a mandíbula e sorrir. É uma alegria líquida, entorpecedora, instantânea, que inunda a realidade fria. E então cai a noite, que logo é tomada pelo sol, e depois pela noite novamente. Olho para a mesa suja, já vazia, turva, e em agonia desejo que se exorcize da minha alma esses viciosos devaneios, que tanto consumiram meu coração. Encho os copos vazios, esvazio os copos cheios, me prendendo deliciosamente nesse triste e incansável ciclo. 

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Os olhos de quem vê

  No início do que futuramente seria nossa existência, houve essa grandiosa explosão e suas caóticas consequências. Elementos estranhos se formaram, se uniram, se separaram, explodiram, implodiram, aleatoriamente, sem que houvessem olhos para admirá-los. E foram mais milhares de anos para a formação das galáxias, de estrelas, planetas e um ambiente adequado à vida, e mais tempo ainda para que seres surgissem e se adaptassem àquele mundo estranho. Seres que foram saindo da água, em um processo lento e contínuo, indo para as árvores, descendo delas, desenvolvendo cérebros, sentimentos necessários à sobrevivência, polegares opositores. Essas espécies se juntaram, desenvolveram o organismo social, se organizaram, entraram em guerras com outros grupos, se solidificaram em tribos, nações, civilizações gigantescas.

  Os sentimentos se tornaram tão mais complexos para esses seres, que nos intervalos entre as guerras e sobrevivência, assim como todo seu entorno, inundaram as mentes, que passaram a buscar de significados para o que se tornaram. Os sentimentos os fizeram olhar para os céus, para as terras, para as próprias vidas e as dos próximos. A arte se entrelaçou a eles em algum momento dessa longa história, como uma válvula de escape, acredito, como uma bandeira de paz, de distrações, do tédio.

  Por isso tudo, não vejo outra razão para viver, que não seja a arte, não cabendo mais aos meus olhos olharem uma árvore, aos meus semelhantes ou as estrelas, sem que vejam, sintam e se expressem. Tudo é muito importante pra mim, porque esses olhos perecerão, e retornarão ao caos. Nunca mais serei todos esses pedaços da história, tudo está sempre a beira do abismo. Tudo será consumido, engolido entre dois infinitos, retornando ao habitat natural.

  Esses olhos nunca olharão tudo o que existe, mas farei questão que capturem tudo o que puderem capturar, que transformem toda e qualquer poeira em poesia, que deem significado ao comum, se embolem em fantasias, se confundam em sentimentos, e olhem todos os outros olhos, nos olhos, até seu final.

  

  

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Paz e Amor

 O amor puro é visto como fraqueza, enquanto o ódio é força. Um "eu te amo" genuíno enrosca na língua, mas um "eu te odeio", mesmo que falso, sai afrouxado da garganta. Um acordo de paz exige muito mais que uma declaração de guerra.

 É como se o sentir fosse cheio de amarras, um grandioso problema cultural, com gravidades variadas, positivado nas leis criminais até as religiosas: "Sinta-se assim, dessa forma, nessa intensidade, nessa fôrma, neste determinado período". 

 Escondemos com fervor o amor que sentimos, nos envergonhamos disso, rimos daqueles que sentem e suprimimos essas sensações em nós mesmos. E ainda temos um receio de aparentarmos gentileza, e por isso a nossa feição comum, na fila do restaurante, no metrô ou em qualquer lugar público é a rispidez, indiferença, tudo para não sermos vistos como fracos, incapazes de controlarmos a nossos instintos - oh, tão "contrários" à civilização!

A problemática ocorre quando a carga psicológica estoura e os sentimentos negativos se engrandecem e se ramificam, visto que não há como suprimir algo, sem que outra coisa oposta se libere.

 Natural mesmo é o amor, o ódio é industrializado.

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Perspectiva

  Muito me pergunto a quem pertencem os olhos que estão lendo essa frase. Será que conseguirei mantê-los atentos? Estão curiosos até aqui ... ou até aqui? 

                                                                                                                        ...E aqui??


 ALÔ!!!


                                                                            :)


  O que será que esses olhos acham de mim? Espero que gostem, que sintam, que fiquem felizes ou mesmo que chorem, mas torço para que achem algo, qualquer coisa! Fui escrito, justamente, pra não trazer é indiferença. Indiferença é meu arqui-inimigo, à ela prefiro até o ódio.

   Aqui, talvez, tenham se cansado, pois tenho a firme intuição de que todos os olhos querem saber do texto e não do que ele acha. Mas eu penso e me questiono, sim, senhor! Em excesso! E creio que meus sentimentos mereçam um pouco mais de atenção, as questões que me tocam realmente também... Será que seguirão passando as vírgulas, os pontos de interrogação ou mesmo seguirão para o próximo parágrafo?  Por favor, sigam! 

  Gostaria de encarar os olhos do leitor, pra ter mais certeza, mas não compartilho do dom do enxergar, só o do expressar.  Mas isso não me entristece, pois apesar de não ter visão, braços ou pernas, tenho o privilégio de ser infinito, lido e relido, interpretado e corrigido à exaustão, por diversas gerações - isso é imortalidade, coisa que os humanos apenas almejam. Aposto que você é quem ficou refletindo agora, não?

   Não que eu possua lá qualquer relevância acadêmica ou cultural, mas tenho certa importância pessoal, afinal de contas, sou um eco da autora, para além de sua vida. Se ela morrer, ainda estarei redigido, com essas mesmas palavras, que foram tecladas pelos dedos dela e que permanecerão como sua marca na existência. 

   Será que alguém está me lendo em um momento depois que minha autora se foi? Ou você é mais uma das pessoas que ela obrigou a me ler? Será que gostou mesmo do que mostrei? 

    Saber mais sobre você será eternamente minha dúvida cruel! De qualquer forma, obrigado por ter chegado até o final, tenha um bom dia, uma boa tarde ou uma boa noite e lembre-se: Estarei para sempre aqui, à disposição de seus olhos.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Consternação

 Quando sofremos, estamos no meio desse enorme furacão particular. Nosso sofrimento é o maior do mundo. Repentinamente! Como não veem?! Não há cura, não há fim pra dor, as palavras de conforto são todas genéricas, ineficazes, é escruciante. 

ES CRU CI AN TE! 

 Nos sentimos incapacitados e tudo a nossa volta perde um pouco da cor, um pouco dos cheiros e nada tem outro sabor que não seja de gororoba de hospital. Um girassol visto num dia ruim tem cheiro de velório, o sol é frio e nosso caminhar é fraco, como o dos doentes terminais. Cada passo à frente é reavaliado. Por que não voltar e deitar?

 O coração fica desritmado, como se morrendo em vida. Gritamos por dentro, usando toda capacidade pulmonar, porque a injustiça é grande demais, porque não merecemos aquilo. Choramos até os soluços. Nos escondemos em nossos cômodos, deitados como viemos ao mundo "É cruel, é cruel!". O riso do outro sempre é uma piada de mau gosto.

 Pra nós, um furacão de categoria sem precedentes! 

 Para os demais, 

 uma bola de feno rolando preguiçosamente no deserto.

quinta-feira, 26 de março de 2020

Queria escrever algo bonito

Já perdeu o significado da sua existência e se tornou um trem descarrilhado pronto pra ceifar a vida de diversas pessoas inocentes? Às vezes é assim que me sinto. Sou como algo pronto para explodir em mil pedaços, que se perdem como baratas tontas no meio das pessoas. Essa sou eu. Sou os mil pedaços nojentos explodidos nas caras incrédulas das pessoas.

Não sou bela, sou uma massa orgânica caótica, que está agindo de forma a se autodestruir - destruindo as pessoas que estão a minha volta. Eu só queria parar com essa bobagem e escrever algo bonito, como a beleza de... vejamos, algo que todos gostam... talvez, Ah! Como as asas de uma borboleta do campo! 

Asas coloridas e com uma arquitetura singular! Rara, raríssima! Que capturou o olhar e o interesse de nossa espécie! Observe-a flutuando no ar, delicada. Ah, mas veja só, sua singularidade foi sua sina. Suas asas foram capturadas. Oh, não!

Me perdi, essa é a sentença. A beleza fugiu de mim, porque eu não a tenho mais.Viu só? Não consigo.

Impacto

 Estávamos conversando, narrando nossas vontades juvenis e nossas histórias de corações partidos, sobre o que é certo e o que é errado. Sobre desejos e felicidade à longo prazo. Julgamos os impulsivos que se entregaram aos princípios errados, quando na verdade falávamos sobre nossa própria alma.

 E enquanto falávamos, pudemos sentir a formação de um certo bioma em nosso entorno.  E discutimos alvoroçados e rimos de muitos outros assuntos, com os olhares curiosos de uma criança, inseridos no nosso próprio universo de ideias.

 Estávamos tão próximos, que a verdade emergiu repentinamente, sobrepondo a nossa deplorável atuação, escancarando nossas tão evidentes mentiras.

 Nos envolvemos nessa doce... doce simbiose, por alguns instantes, sem conflitos, sem questionamentos. Envoltos num ar diferente, gentil. É um daqueles segundos que se pudesse, seguraria com a ponta dos dedos e o observaria por toda a eternidade, por anos e anos, fixamente, em êxtase, em alegria absoluta.

 No entanto, os instantes se somam e perpassam nossas vontades. Engolindo os sorrisos e trazendo os agouros. O tilintar do relógio, som árduo da nossa questionável moral, nos despertou, e seu perturbador ruído descruzou nossos olhos. 

 Sabe... Às vezes me esqueço quão infeliz consigo ser. Há barreiras que não podem ser derrubadas em qualquer universo, em qualquer realidade. Nem em um bilhão de anos! Se esses impasses por um privilegiado acaso, fossem inexistentes, nós não seríamos nós. Seríamos a versão feliz, diferente da real. 

 Nossa sina é que nascemos nesse exato tempo e espaço, com esses empecilhos que moldaram de maneira tão intrínseca nossas entranhas, não havendo como negociar com os fatos. É uma punição severa, imutável.

 O silêncio veio, e calamos nossas vozes, em uníssona melancolia.

 Me estremeci, assim como você.

 E continuamos conversando depois, mas agora sobre o clima.


segunda-feira, 23 de março de 2020

Eureka! Eureka?

 O livro divino deixado a nós foi utilizado por conquistadores, por poderosos, por clérigos, ficou em posse de instituições cheias de corruptos,  foi imposto aos nossos antepassados das formas mais cruéis imagináveis, no entanto, mesmo diante de toda essa incerteza histórica, devemos confiar nas escrituras cegamente, devemos seguir os mandamentos ali "colocados por Deus", à risca. Uma risca que tem diversos formatos, incongruências e contradições, tudo isso à depender da geografia de seu nascimento, das influências sociais... Muita gente já foi queimada por não crer da forma adequa... 

O...

MEU.....

DEUS!

 Me equivoquei! Estava errada! EUREKA! EUREKA! ESTÁ EM TODOS OS JORNAIS:  A ciência finalmente comprovou a existência divina, estava ali o tempo todo e agora é REAL!

 Temos um céu e um inferno, temos um corpo descartável e uma alma eterna. Temos um criador e somos suas criaturas. Seguiremos a bíblia e alçaremos os céus! Não há espaço para ceticismos ou conflitos religiosos, a paz na terra reinará.

  Deus é onisciente, onipotente e onipresente. Sua benevolência nos fez livres para adorá-lo. Seu amor é tão grande, que ele nos deu o dom da vida, moldando-nos à sua imagem e semelhança à partir do barro.

  Não há mais razões para questionar o que é perfeito, certo?

  Certo?

  Mas... só uma dúvida...

 Se Ele nos criou à sua imagem e semelhança, por qual motivo essas características biológicas em nós introduzidas pelo próprio Senhor, são por ele consideradas pecaminosas? Por lógica, se Deus moldou perfeitamente o mundo tal como é, ao mesmo tempo em que abomina sua própria criação - não há como argumentar que Ele seja perfeito, visto que o que criou, assumidamente, possui defeitos que ele mesmo impõe que sejam corrigidos.

 Isso leva a refletir ainda que, se formos criaturas de Deus, somos também seus reféns. Reféns que, sem qualquer consulta prévia, foram criados com o dever de temê-Lo e adorá-Lo, de negarmos nossa carne para vivermos num suposto espírito puro, caso contrário a condenação é o inferno, infierno, hell, l'enfer, onde tostaremos num fogo eterno, em agonia e sofrimento.

 É como uma constante arma apontada para nossa cabeça: amor ou morte! Negue os impulsos biologicamente humanos e queira ser divino - mas não um mero querer, é um querer artificialmente  natural, que deve obrigatoriamente e conscientemente partir do inconsciente de forma desobrigada - afinal, cristão mesmo é aquele que não está coagido a tanto. Pois então... É uma baita tarefa impossível seguir esse paradoxo, mas ele deve ser seguido, ou... bem, a sua batata vai assar.

 Somos também vítimas de Sua tortura, fomos colocados aqui, contra nossa vontade, em um mundo cruel, sem garantias de felicidade, sempre pressionados à testes e mais testes de fé, extremamente subjetivos, cuja resposta só virá quando não puder fazer mais nada para se redimir! Veja, um judeu na câmara de gás durante o holocausto escreveu um frase que ilustra meu ponto: "Se houver um deus, ele terá que implorar pelo meu perdão". Um absurdo amar incondicionalmente alguém nessas condições!

 Se deus tudo criou, diga-se a luz, o céu e a terra, o tempo, os sons e tudo o que existe, dentre suas criações estão tudo que é bom, assim como tudo que é mau

 Não há como acreditar que existe um deus todo poderoso, onisciente, onipotente e onipresente que seja bom, quando ele permite a existência do mal e de todo sofrimento e dor consequentes a isso. Epicuro questionou o deus todo poderoso e as características a ele atribuídas na bíblia:


"Se deus deseja prevenir o mal, mas não possui capacidade? Logo ele não é onipotente. Se ele tem capacidade, mas não deseja? Então ele é malevolente. Se ele possui capacidade e deseja? Então porque o mal existe? Se ele não é capaz e não deseja? Então por que lhe chamamos Deus?" (Epicuro)


 Seguindo a lógica religiosa, é impossível, ainda, encontrar argumentos para terceirizar essa responsabilidade de deus na criação do mal, porque ele, mesmo que não o tenha criado diretamente, possibilitou seu surgimento de forma dolosa, vez que que ele sabe de tudo o que aconteceu e que acontecerá, tamanho seu poder e força! Ele é o culpado pela câmara de gás, pela morte, pela depressão, ódio...

  Outra contradição é o tal do livre arbítrio. Se deus sabe tudo o que acontecerá, ele sabe, de antemão, desde a sua criação, se você será condenado ao inferno ou elevado ao céu. Ele criou o destino e nos enganou a crermos que tínhamos liberdade para tanto. Ele sabe quais regras você cumprirá e quais descumprirá - em todas as infinitas possibilidades de escolhas - não há contraditório e muito menos ampla defesa, está traçado seu destino "grandes coisas vão acontecer a ti!".

  Muitos conseguiram entrar no reino do céu por ignorância quanto A Palavra, agora que sabem, não tem fuga. Agora que absolutamente todo o mundo tomou ciência da existência divina, as arbitrariedades devem ser obedecidas, sem o direito de alegar desconhecimento da Lei.

Deus existe. eureka.

sexta-feira, 6 de março de 2020

Dance

 Repare como as crianças rodopiam e pulam, conhecendo o mundo a sua volta com curiosa admiração. Colocam a mão para fora da janela do carro, se encaixam nos troncos das árvores, sobem nos móveis, colocam os dedinhos na tomada, se enterram na lama! Mas à medida que envelhecemos, o que foi aprendido com tanta diversão, com tanta pureza, passa a ser utilizado para metas, objetivos, fins, de forma necessária, obrigatória e laboral.

  De segunda até domingo, nos movimentamos em horário comercial, em troca de trocados, cansados, estressados, pensando no próximo prazo, nos relacionamentos, nas dívidas. Vez ou outra, por ordens  estéticas ou médicas, comparecemos a uma academia, dojo, box, e nos mexemos sob essa intensa ameaça à saúde, às dores ou problemas de autoestima, como reféns, pagando a mensalidade sem valorizá-la integralmente.

 A vida adulta é cheia dessas questões, quando se encontra uma solução, devem-se considerar outros milhares de aspectos, de subdivisões. Deve-se calcular tudo muito bem, de forma exaustiva.

 Às vezes o esgotamento mental bate tão forte, que somos obrigados a nos alongarmos mais no banho, na cama ou na cozinha, lavando aquela pilha de louças.

 Mas algo incrível vez ou outra nos acontece - em alguns desses intervalos, aquela música sensacional aparece na rádio e invade a nossa mente, afastando ou reprimindo as responsabilidades e crises adultas. 

 Os ombros deliciosamente se remexem, os pés se firmam para acompanhá-los e você se flagra... dançando! Dançando sozinho, sem julgamentos, vivendo um momento muito especial consigo.

  Dançar é utilizar o corpo para fim nenhum a não ser aquele de se expressar. Acontecem em alguns minutos, onde não há espaço para opiniões políticas, não há formulação de filosofias, planos, ansiedades ou tristeza.

 Esses movimentos aleatórios tentam acompanhar os graves, se dramatizam nos agudos, pra lá e pra cá, no refrão, como se protagonizássemos um show espetacular, sem plateia, sem o aguardo dos aplausos ou vaias. É a pura movimentação do corpo, a aceleração do sangue nas artérias, a pulsação do coração e a lubrificação das articulações. Libera-se a endorfina, e seus músculos repuxam um sorriso, mas você não vai lá se importar com os aspectos neurológicos ou anatômicos. Você simplesmente dança, bailando nos sons.

  É espetacular, ouso argumentar que é quase divino. Isso é viver intensamente, sem a necessidade da adrenalina.

  Se você permitir se entregar ao movimento, se concentrar nos pés, pernas, braços e ritmo, é como se transcendesse os problemas terrenos, subjetivos aos universais. É você consigo mesmo, integralmente, sem distrações, divertindo-se como a pura criança que foi.

  Divirta-se.





sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Labirinto

  Não sei como podem guardar para si os sentimentos. Como pode alguém manter segredo, distância, mistérios? Imagino o esforço estrondoso para não se expressar! Como funciona um cérebro assim?

  Acho que a pessoa deve ter que evitar as sensações e tudo que culmina para sua lembrança. Acho que ela não para pra pensar em si mesma, como que guardando tudo dentro da própria mente.

 É como se estivesse montando um labirinto com caminhos conhecidos, que cresce e se ramifica, a fim de confundir-se a si mesma na própria complexidade.

  Eu conseguiria construir o labirinto, de fato, mas nunca esqueceria de seu mapa, por mais que o reformasse a todo momento, por mais que o fizesse eterno.

  Não consigo me esconder de mim e muito menos dos outros. É quase como se fosse uma falha em ser disciplinada o suficiente para abafar a enxurrada de sensações e pensamentos que circundam meu crânio.

  Meus pensamentos são quase como criaturas concretas, que pesam, pulam e se reviram a todo momento, me entretendo, magoando, inspirando e frustrando, quase destruindo minha frágil caixa craniana. São tão intensos e persistentes que frequentemente deslizam pela língua e se libertam pela minha boca, quase sem controle - e quando não descolo os lábios e travo os dentes, eles movem os músculos e coram minha face, me entregando, sem se importarem com as consequências.

  Se me fecho demais e não me entrego aos movimentos involuntários

  escrevo.




quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

A mentira e outras drogas

  Odiamos a verdade, amamos a verdade. Ela é um anjo ou o demônio, nos destrói ou afaga. Nosso afeto varia, porque ela nem sempre condiz com o que nos deixa felizes e confortáveis.

  A verdade não tem lado, não desfavorece e não faz acepção de pessoas. E por isso ela dói. Nos faz lembrar que não somos especiais. Muito pelo contrário! Somos falhos, traçamos princípios à régua, e os seguimos à passos embriagados. 

 Mas lá vamos nós, mais uma vez, tentando fazer a verdade se curvar ao nosso desejo, mesmo cientes de toda sua força vital. Arquitetamos planos para escondê-la, com a crença que construímos bases fortes o suficiente para que as mentiras se tornem a realidade. 

 A estrutura ruirá, ela está fadada a isso. Qualquer material é frágil demais para conter a poderosa verdade!

 Apesar de tudo, somos teimosos, nós humanos. E sabendo da fragilidade, sempre cremos ter a milagrosa posse do material mais forte existente - aquele necessário para reconstruir os fatos.

 É preciso alertar que muito dificilmente moramos sozinhos na mentira, sempre temos outros hóspedes, residentes ou visitas. É uma casa cheia! 

 Viver na mentira é cansativo, até porque temos que ficar o tempo em estado de alerta, existindo em angústias, tampando as rachaduras, as infiltrações, exterminando as pestes, nos furtando das perguntas desconfortáveis e fazendo todo esse malabarismo fracassado para transparecer normalidade... uma normalidade muito suspeita, por sinal. 

 Isso tudo é mantido por qual razão senão o egoísmo? A vontade de parecermos perfeitos, alinhados, justos, como deuses terrenos que não cometem erros, que não se permitem errar, decepcionar, frustar, é uma tentativa vã de não perdermos o controle de uma situação que nós mesmos instituímos.

 Acha que os hóspedes não irão reparar o mau acabamento, a mudança repentina de escadas, paredes e portas? Eles seguirão felizes nessa mudança metafórica infinita?

 Esse egoísmo é tirano! Todos são atingidos, todos sofrem! E muitas vezes a construção mal feita aprisiona os outros, impedindo-os de explorarem a vida, de serem felizes, de aprenderem lições, de se reconstruírem, mesmo depois que sofreram - inclusive a nós mesmos, os construtores.

 Somos o que somos, sentimos o que sentimos, e se não há escapatória fácil, que nos entreguemos. Por isso, deixe que se infiltre em todos os cantos, crie mofos, arrombe as portas, quebre as paredes e as janelas daquela sala vazia que você reformou à juros altos! Liberte de vez a verdade e seus prisioneiros!

Lide com os detalhes, as opiniões alheias e os traumas à partir da sólida base que é a verdade. Com o caos instaurado e o espelho finalmente refletindo o verdadeiro eu, há milhares de possibilidades, planos a serem reformulados, estratégias a serem pensadas. E quer saber? Libertar é poder, é ter as rédeas e o verdadeiro controle da situação.

 Viver na mentira é um ciclo, um crime de estelionato, dos mais vis: por fora somos a atrativa casa de campo com vista para o céu, sonho de qualquer imobiliária, e por dentro um cárcere desajeitado.

 Responsabilize-se por ser quem é em sua integralidade, mesmo que essa sua persona seja cruel, porque é na tentativa de parecermos (e só parecermos) bons, que praticamos o mal sem assumirmos os erros, sem ajudarmos realmente o próximo.

 Assuma-se e dali por diante conseguirá verdadeiramente melhorar, passo à passo, sem violações e angústias exacerbadas.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

A praia

 Sempre sonho com aquela praia, aquela exata praia, naquele exato dia ensolarado, quando o mar se agita...

 As profusas ondas se elevam ameaçadoramente, mas as pessoas normalmente ali permanecem, na areia quente. Sempre sorrindo, conversando, divertindo-se, sem se importarem com a sinuosa vaga que se aproxima.

 Do outro lado, cá estou, em uma montanha à beira mar que eventualmente será consumida pela água salgada. Ansiosa, gotejando com o calor intenso e desejando me juntar aos demais em sua felicidade e ignorância. 

 Mas não consigo. Não consigo descer e esquecer sobre nosso inevitável final.

 E à distância eu perduro, aguardando em temor.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Declaração

 Quando o amor ajusta a manga da camisa, encaracola os dedos no cabelo, franze o cenho, move as pernas, se aproxima ou mesmo quando passo os olhos na simples junção das letras que forjam seu nome, me sufoco com não sei que misto de sensações exóticas.

 Como um único ser vivo dentre outros bilhões de minha espécie, causa essa catástrofe nos meus neurotransmissores? Inexplicável como o amor atinge até a saúde, deixando a visão turva, a ideia fixa e tudo mais esplêndido, mais incomum, como uma alucinação. Inexplicável...

 Tenho essa vontade enorme de expressar em palavras, toda essa tempestade que acontece dentro de mim, mas acho que se os grandes poetas e músicos, que tanto se debruçaram sobre os pormenores do amor, não conseguiram decifrá-lo precisamente à razão, logo, quem sou eu para explicá-lo? 

 Na verdade, me parece que esgotaram as palavras bonitas e todas as suas variáveis! Ou se cria um novo dicionário ou continuemos a utilizar o que restou do que já existe, depreciando todo o esplendor do amor. 

 Artistas de todo tipo, que me roubaram antes que eu pudesse nascer, a oportunidade de falar de todo o coração, sobre o amor e suas inconsequentes avarias, tenho algo a lhes dizer:

Bastardos ancestrais criativos!