terça-feira, 27 de agosto de 2019

Pontualíssimo

  Com os olhos atentos, através do reflexo da complexa máquina, onde se lia apenas "ou seu dinheiro de volta", ele olhou o calendário: 13:50 horas. Domingo.
    Ansioso, inspirou coragem para si, depositou os ienes e adentrou no aparelho.
  O bip-bip das engrenagens reverberava dentro daquele grande recipiente de lata, quando sentiu uma súbita náusea e se controlou para manter o café da manhã dentro de si. Como sabia das reações naturais humanas, consolou-se com auto-ajuda: "Eu posso, eu consigo" e engoliu em seco.
 
 
   Sim, ele sabia que nunca mais seria o mesmo, que mudaria completamente, que assumiria a forma a que toda a vida se destinava a assumir, mas isso não era motivo plausível para agir contrário a sua filosofia, aos seus métodos. Logo, por qual razão esperar?
 
 
  Por todo o tempo em que viveu se adiantou, fosse uma prova de escola ou um casamento. Era assim e pronto. Adiantado. Ser adiantado é ser lógico, e esperar é agonizante e não civilizado. Foi com intolerância que entendeu, ao longo dos anos, o porquê dos atrasos das demais pessoas, tendo concluído que estas eram ignóbeis irresponsáveis e incuráveis, e por isso sempre agiu com mão de ferro para com toda e qualquer pessoa que cruzou seu caminho.
 
 
  Um incômodo lhe cortou a reflexão: Se lembrou que não adiantou toda a papelada necessária. Irritou-se ao recordar que, no dia em que ela deveria ter sido resolvida, ocupou-se, até tarde, com a demissão de alguns irresponsáveis, que se atrasaram devido a uma "catástrofe" "ambiental" "sem precedentes". Como pôde cometer tal negligência? Nem ele soube!
 
   Não queria que qualquer um de seus funcionários desajeitados escolhessem seu epitáfio ou a cor do mármore lápide. Passou por sua mente que eles ficariam tempo demais abismados com a morte para tomarem qualquer providência. Diante disso, montou um plano audacioso, arriscado, nunca antes realizado, e até um tanto antiético: resolveu adiar o que estava fazendo.
 
   Nervoso, ante as circunstância extraordinária, por um deslize dos dedos, apertou o botão "Prosseguir" ao invés do "Prosseguir vivendo".
 
 
 Foi enquanto pensava, desesperado, na decisão já tomada e em seu imediato destino, que um som que nunca antes passara por suas orelhas, rapidamente, o surpreendeu.
 
 
 Era o som de suas moléculas se desintegrando, uma por vez, limpando sua existência do mundo.
 
 
  Uma placa escrita "PRÓXIMO", em letras garrafais, brilhava em neon, do lado de fora da máquina, enquanto o motor esfriava.

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