terça-feira, 27 de agosto de 2019

Encontro fatal

   Por um acidente que nos conhecemos.
   Num domingo chuvoso, com pista escorregadia. Eu dirigia para o sul e você para o norte, ambos ignorantes quanto a existência um do outro, desacreditados do amor. 
  Minha vida sempre foi monótona e me pergunto se a sua era assim também. Eu tinha acabado de sair de um relacionamento de anos há alguns meses e estava a procura de algum aconchego, mas, sabe... os tempos estavam complicados para os carentes do coração. 
   E refletindo sobre as dores que cortavam minha alma, me distraí dos tormentos da realidade. E foi aí, no meio da estrada: BUM! 
    Nos chocamos de frente!
   Seu doce rosto apresentou um rubor inocente, e as gotas frias de água se engendraram, gloriosamente, entre suas rugas de receio. Elas reluziram na sua  bela pele, a luz das sirenes, como se ali houvessem milhares e milhares de estrelas a serem contempladas. Um universo inteiro de sóis!
   Ah, se minha caixa torácica estivesse aberta por outro motivo, com certeza teria sido por você.
    Foi através do para-brisa, que nesse ponto já estava todo rachado, que nossos olhares se encontraram. Nunca achei que sentiria algo tão intenso, tão puro como o amor. Sublime amor! – e era esse tipo de emoção estrondosa que sempre faltou em mim, que eu não tive com qualquer outro.
   Infelizmente, agora, minha consciência está se esvaindo e você já está sangrando até demais para estar vivo. Talvez um traumatismo craniano? Não sei… mas em cima do motor do seu carro, num solavanco gravitacional, aproximamos nossos corpos, apaixonadamente, pela nossa primeira e última vez.
   Nosso encontro foi fatal.

Pontualíssimo

  Com os olhos atentos, através do reflexo da complexa máquina, onde se lia apenas "ou seu dinheiro de volta", ele olhou o calendário: 13:50 horas. Domingo.
    Ansioso, inspirou coragem para si, depositou os ienes e adentrou no aparelho.
  O bip-bip das engrenagens reverberava dentro daquele grande recipiente de lata, quando sentiu uma súbita náusea e se controlou para manter o café da manhã dentro de si. Como sabia das reações naturais humanas, consolou-se com auto-ajuda: "Eu posso, eu consigo" e engoliu em seco.
 
 
   Sim, ele sabia que nunca mais seria o mesmo, que mudaria completamente, que assumiria a forma a que toda a vida se destinava a assumir, mas isso não era motivo plausível para agir contrário a sua filosofia, aos seus métodos. Logo, por qual razão esperar?
 
 
  Por todo o tempo em que viveu se adiantou, fosse uma prova de escola ou um casamento. Era assim e pronto. Adiantado. Ser adiantado é ser lógico, e esperar é agonizante e não civilizado. Foi com intolerância que entendeu, ao longo dos anos, o porquê dos atrasos das demais pessoas, tendo concluído que estas eram ignóbeis irresponsáveis e incuráveis, e por isso sempre agiu com mão de ferro para com toda e qualquer pessoa que cruzou seu caminho.
 
 
  Um incômodo lhe cortou a reflexão: Se lembrou que não adiantou toda a papelada necessária. Irritou-se ao recordar que, no dia em que ela deveria ter sido resolvida, ocupou-se, até tarde, com a demissão de alguns irresponsáveis, que se atrasaram devido a uma "catástrofe" "ambiental" "sem precedentes". Como pôde cometer tal negligência? Nem ele soube!
 
   Não queria que qualquer um de seus funcionários desajeitados escolhessem seu epitáfio ou a cor do mármore lápide. Passou por sua mente que eles ficariam tempo demais abismados com a morte para tomarem qualquer providência. Diante disso, montou um plano audacioso, arriscado, nunca antes realizado, e até um tanto antiético: resolveu adiar o que estava fazendo.
 
   Nervoso, ante as circunstância extraordinária, por um deslize dos dedos, apertou o botão "Prosseguir" ao invés do "Prosseguir vivendo".
 
 
 Foi enquanto pensava, desesperado, na decisão já tomada e em seu imediato destino, que um som que nunca antes passara por suas orelhas, rapidamente, o surpreendeu.
 
 
 Era o som de suas moléculas se desintegrando, uma por vez, limpando sua existência do mundo.
 
 
  Uma placa escrita "PRÓXIMO", em letras garrafais, brilhava em neon, do lado de fora da máquina, enquanto o motor esfriava.

sábado, 17 de agosto de 2019

Os Comandos Paradoxais


  Foi através de uma mentira que eu tive o prazer de conhecer os "Comandos Paradoxais". Mais especificamente, em um vídeo que mostrava imagens da atriz e cientista Hedy Lamarr, onde o narrador lia os comandos, em inglês, e os atribuía aquela, falsamente, a autoria do texto.


  Procurei na internet, e encontrei os tais comandos, mas dessa vez a atribuição da autoria estava, também falsamente atribuída, a Madre Teresa de Calcutá.

  No fim das contas, encontrei o autor do texto, e ele não tem nada de artista nem de santo.

  O autor Kent M. Keith, em 1968, foi o responsável por criar um curiosíssimo paradoxo, em seu livro denominado "The Silent Revolution". 

  Keith, que havia sido líder estudantil no colégio Roosevelt High School, em Honolulu, e bastante ativo nas lutas estudantis, direcionou seu livro a líderes estudantis de ensino médio, com o intuito de ensinar o significado de uma boa liderança.

  De acordo com o site oficial dos "Comandos Paradoxais", o livro foi escrito, partindo de uma presunção bastante audaciosa: a presunção de que a você se importa, verdadeiramente, com as outras pessoas, com o que elas pensam, como elas se sentem, o que elas precisam, e o que você pode fazer para ajudá-las. Para Keith, importar-se é uma grande característica de um bom líder.

  Para o autor, o grande desafio é sempre fazer o que é certo e o que é bom e verdadeiro, mesmo que você não seja apreciado por isso. Você deve se manter resiliente, a todo momento, caso contrário, muitas das coisas que precisam ser feitas no nosso mundo, nunca serão realizadas.

 Não ser valorizado pelas suas boas ações não deve ser um obstáculo, mas há uma outra situação, que é muito pior que a desvalorização: quando aqueles que estão sendo ajudados te atacam. É nessas horas que é necessário se manter mais firme em fazer o que é certo, é preciso se importar, e olhar os ataques pela perspectiva da compaixão. São nestes casos em que se nasce o paradoxo:

1. As pessoas são ilógicas, irracionais e egoístas. Ame-as, mesmo assim.
2. Se você fizer o bem, as pessoas suspeitarão de seus motivos interiores. Faça o bem mesmo assim.
3. Se você obtiver sucesso, ganhará falsos amigos e verdadeiros inimigos. Tenha sucesso mesmo assim.
4. O bem que você faz hoje, será esquecido amanhã. Faça o bem mesmo assim.
5. Honestidade e franqueza te fazem vulnerável. Seja honesto e franco mesmo assim.
6. Grandes homens com grandes ideais podem ser abatidos pelos menores homens com as menores mentes. Pense grande mesmo assim.
7. Pessoas beneficiam os desfavorecidos, mas só seguem os favorecidos. Lute pelos desfavorecidos mesmo assim.
8. O que você passa anos construindo, pode ruir em um dia. Construa mesmo assim.
9. Pessoas que realmente precisam de ajuda podem atacar quando você tentar ajudá-las. Ajude-as mesmo assim.
10. Dê ao mundo o seu melhor e você será chutado nos dentes. Dê ao mundo o seu melhor, mesmo assim.

  Seguir os comandos, é cansativo, dá nos nervos e é praticamente impossível. Mas se você trabalhar, com todo seu potencial para os atingir, não ficará arrependido. Afinal, você fez o melhor que pôde.

  O autor alerta que esses comandos não são destinados a santos ou mártires, mas a pessoas profundamente humanas, dispostas a serem líderes sensíveis.

  A atribuição do texto a Madre Teresa de Calcutá, se deve ao fato dela ter pendurado os "Comandos Paradoxais" em uma parede de um quarto em Calcutá, fato este que foi registrado em um livro de 1995, chamado "Mother Teresa: A simple Path". No caso, a internet acrescentou aos comandos da Madre Teresa a seguinte frase "A análise final será entre você e deus, nunca entre você e os outros" - o que contraria, ao meu ver, a ideia central dos comandos, acerca de altruísmo absoluto pregado pelo  verdadeiro autor da obra.



quarta-feira, 7 de agosto de 2019

O Questionário Proust

Fuçando aleatoriamente pela internet (quanta novidade!), encontrei um questionário com 35 perguntas, que ficou muito famoso quando o renomado escritor Marcel Proust o respondeu.

Esse questionário foi encontrado em 1924, e daí por diante foi respondido por muitas celebridades.




Pra não ficar de fora, também o respondi:


1.__Qual o seu ideal de felicidade perfeita?
Eu não tenho um ideal de felicidade perfeita. Se a felicidade fosse perfeita, eu não seria eu. Mas se for pra projetar um caminho de felicidade para eu percorrer e nunca atingir, escolho que a felicidade seja feita de mansidão.

__2.__Qual o seu maior medo?
A inexistência. Não a morte, nem a forma como será a morte. Mas a pura e simples inexistência.

__3.__Qual a característica que você mais deplora em si mesmo?
O meu comportamento autodestrutivo. Não concilio viver em paz comigo ou com o mundo. Suspeito de toda alegria. Sempre espero pelos momentos de dor.

__4.__Qual a característica que você mais deplora nos outros?
A terceirização de problemas pessoais. Se você se odeia, por qual razão precisa arrastar pessoas para seu ciclo de ódio?

__5.__Qual a pessoa viva você mais admira?
Não admiro alguém específico. Admiro qualquer pessoa que luta por ser alguém melhor.

__6.__Qual a sua maior extravagância?
Colocar uma roupa chamativa e uma maquiagem divertida, para sair e beber até o sol nascer, sem me importar com as coisas que me perturbam ou com o meu futuro.

__7.__Qual o seu estado mental atual?
Estou me segurando para não explodir em tristeza e desespero.

__8.__Qual virtude você considera mais superestimada?
Organização, justamente porque as pessoas ligam isso à eficiência e inteligência, quando essa virtude, na maioria das vezes, se limita a organização de objetos materiais.

__9.__Em qual ocasião você mente?
Sempre que eu acho necessário não magoar alguém.

__10.__O que você menos gosta na sua aparência?
Meu rosto masculinizado, definitivamente. Odeio meus traços faciais. Principalmente quando eu sorrio. É um encontro muito desastroso entre a ponta do nariz e os lábios superiores.

__11.__Qual a pessoa viva que você menos gosta?
O atual presente do Brasil. Uma besta ao quadrado.

__12.__Qual a qualidade que você mais gosta em um homem?
Expressões de curiosidade e de pensamentos profundos.

__13.__Qual a qualidade que você mais gosta em uma mulher?
Firmeza no que diz e em como age.

__14.__Quais palavras ou frases que você mais usa?
Diversas palavras de baixíssimo calão e, no meu âmago, sempre me lembro do começo do Soneto 19 de Shakespeare, em que se diz "Tempo voraz".

__15.__O que ou quem é o maior amor da sua vida?
A pessoa que eu estou agora. Que me acalma e que me passa uma certeza enorme de que me ama. 

_16.__Quando e onde você foi mais feliz?
Acho que sou mais feliz agora do que antes. Antes eu sofria sem entender, e me sentia sempre solitária e diferente das outras pessoas, nas minhas opiniões e questionamentos acerca do mundo. Hoje tenho companhia, o que faz com que eu me sinta parte dos terráqueos.

__17.__Qual talento você mais gostaria de ter?
Queria ter talento para as ciências exatas.

__18.__Se você pudesse mudar uma coisa em si mesmo, o que seria?
Meu quociente de inteligência (para cima, claro).

__19.__O que você considera como sendo sua maior realização?
Ter conseguido estudar, sem deixar o medo do fracasso me desestimular, por 06 meses, até passar na Ordem.

__20.__Se você fosse morrer e voltar como uma pessoa ou coisa, o que seria?
Eu seria uma pessoa, pois as "coisas" não possuem consciência de si, e eu adoro ter consciência. Eu iria querer ser uma Albert Einstein moderna.

__21.__Onde você gostaria de viver?
Em algum lugar calmo, com vista pro mar, mas próximo de uma grande metrópole. Isso combinaria com a minha ambiversão.

__22.__Qual o seu bem mais precioso?
O meu carro, porque é a única coisa de valor que eu tenho.

__23.__O que você entende como a mais baixa miséria?
A pobreza extrema aliada ao uso exacerbado de drogas. É uma morte em vida.

__24.__Qual a sua ocupação favorita?
Usar a minha criatividade com desenho, escrita e composição.

__25.__Qual a sua característica mais marcante?
Eu não sei, mas as pessoas costumam me chamar de "exótica".

__26.__O que você mais valoriza nos seus amigos?
Compreensão (empatia).

__27.__Quais são seus escritores favoritos?
Luiz Fernando Veríssimo, Douglas Adams, Terry Pratchett, Edgar Allan Poe, George Orwell, Arthur Schopenhauer, William Shakespeare, Machado de Assis, Vladmir Nobokov, Nietzche, Isaac Asimov e Foucault.

__28.__Qual é o seu herói fictício?
Rincewind.

__29.__Com qual figura histórica você mais se identifica?
Niccolo Machiaveli.

__30.__Quais são seus heróis da vida real?
Mr. Rogers, George Carlin, Carl Sagan, Leonardo DaVinci, Platão

__31.__Quais os seus nomes favoritos?
Paul, George, Ringo e John.

__32.__O que você mais odeia?
Ideologias. Odeio o fato de que é difícil não ficar preso a uma.

__33.__Qual o seu maior arrependimento?
Ter magoado uma pessoa importante.

__34.__Como você gostaria de morrer?
Repentinamente aos 120 anos de idade, mesmo sendo uma centenária extremamente ativa.

__35.__Qual o seu lema?
Não morrer até fazer algo pela humanidade.

 A parte interessante desses questionários pessoais, é que você não apenas se conhece mais, no momento presente, ao avaliar suas prioridades e percepções, como eles também funcionam como uma cápsula do tempo das suas infinitas metamorfoses.

 Talvez, daqui a dois anos, você sinta falta do passado, e as perguntas te ajudem a aliviar a saudade ou a te fazer crescer. Ou os dois. Sei lá. Não tô te impondo nada.

Faça. Salve. Conheça-se!