Roupas, sapatos, perfumes e cosméticos. E tudo que eu faço para me distrair.
A maquiagem para passar em cima da carne dos olhos, da carne das bochechas e perto dos dentes, onde ficam os lábios.
As blusas de tecidos finos, comprados com folhas de papel, para cobrirem o meu frágil tronco, o tronco que envolve meu sistema nervoso e órgãos internos.
Os sapatos de pele de animais, produzidos em grande escala, vendidos como modelos exclusivos, para esquentarem o conjunto de ossos, pele e calos que são meus pés.
Perfumes fortes que disfarçam o cheiro exalado naturalmente por esse corpo que está constantemente em decomposição, desde que nasceu.
Os cosméticos para retirarem as secreções naturalmente produzidas pelos cabelos e pela face, para que retardem minhas inevitáveis rugas, manchas de sol, desengordurem a superfície do crânio e me afastem de tudo aquilo que me aproxima do pensamento de ser mortal.
Tudo comprado em até 12x sem juros e sem entrada, com um pedaço de plástico que faz circular valores que só existem no mundo virtual.
Plástico esse, conquistado com horas de vida gastas atrás de um retângulo feito de árvore cortada, em um local onde se senta o perfumado corpo, trajado com as vestes e sapatos e borrado com os cosméticos, seis vezes por semana, oito horas por dia.
E assim a medida de tempo idealizada e utilizada pela espécie humana é gasta. Se passam as 24h, 48h, cinco meses, oitenta anos. O corpo toma o curso natural de morrer, as roupas se rasgam e se perdem, os sapatos estragam, o perfume oxida e os cosméticos já não resolvem mais é nada.
É assim que se vive, nesse vida gloriosa que nunca realmente se inicia, que está sempre no final.
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