quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Aversão

   Mais uma vez o sentimento de inadequação preencheu meu cérebro e travou minha personalidade. por completo. Um bug no sistema. Sentir-se inadequado não é simples, e é algo que sempre atrapalha minha diversão.

 Me flagro sorrindo e, de repente, percebo que estou sendo aberta demais. Nessa hora, a vontade é de pedir desculpas para sei lá qual pobre ouvido está me ouvindo tagarelar e então esconder meu rosto no algodão do meu travesseiro. Bem fundo. Quase sentindo o colchão do outro lado.

 Quando gosto de alguma situação ou de alguém, fico verdadeira em excesso. Eu sou "eu" demais, entende? Muito mesmo! Em nenhuma situação real, em que fui muito eu mesma, da forma intensa que sei que sou, consegui conquistar o que visava. Se meu eu fosse interessante ou minimamente eloquente, o fato dele aparecer assim não me incomodaria nenhum pouco... 

 Mas esse meu eu é estranho, faz conexões que só fazem sentido dentro de mim. Muda de assunto sem avisar, embaralha as palavras, é exacerbado. É um eu cheio de sentimentos, que quer se aprofundar com pouco ou nenhum conhecimento, que quer saber demais sobre você, que quer atenção quando ela não deve ser dada. Um eu que quer apresentar os gostos e desgostos, que são inversamente desgostados e gostados pelos outros. 

 Sou alguém que faz coisas erradas demais, e poucas boas o suficiente para superarem o que é ruim. Não sei se mencionei isso, mas esse eu é alguém egoísta, e com um ego de escala infinita!

 É por isso que guardo quem sou, com a pouca força que possuo. Tenho piedade das pessoas, mas não o suficiente para me calar com mais frequência. É inadequado em todos os sentidos ser quem sou. 

 Desculpe-me, estou trabalhando para me reprimir.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Ideia fixa

Me sinto repetitiva. Obcecada. Não consigo dormir e não consigo me manter completamente acordada. Ando sonhando e me deito acordada. Acho que preciso escrever algo que eu não sei o que é, e que também não sei por onde começa. Então fico digitando o tempo todo, esperando a inspiração descer e ungir a minha mente. É algo grande, tenho alguma certeza disso. E está bem amarrado em mim. Diria até que está me reprimindo. Talvez seja brega, talvez seja épico, mas é algo... Mas que algo? O que eu preciso tanto dizer, que não sai de mim?

É amor, culpa, raiva, tensão? Será fictício ou real? Eu realmente não sei. 

Mas parece urgente. 


quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Infância e literatura

 Meu primeiro contato com a literatura, aconteceu na estante da casa da minha avó, em alguma madrugada da minha infância, em que perdi o sono, nos dias em que pernoitava na casa dela. Comecei a ler por curiosidade de saber o que aquelas capas divertidas escondiam dentro de si.

 Um dos primeiros livros que li, depois de devorar boa parte da "Série Vaga-Lume", foi de uma coletânea chamada "Para gostar de ler - Poesias, Volume 6". Ali eu conheci a Cecília Meireles, Mário Quintana, Vinícios de Moraes e Henrique Lisboa, e acho que esses nomes foram uma introdução magnífica ao mundo das poesias e poemas.


poesia é a “Arte de criar imagens, de sugerir emoções por meio de uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e significados”, enquanto poema é “Obra em verso ou não em que há poesia” *



 Acho que é por isso que os poemas e poesias me são tão especiais, eles me lembram de uma época boa, me ensinaram o sentir a vida de uma forma bastante artística, além de tudo isso, me deram uma boa ajuda no ENEM, uma década depois.



 Aqui vai a seleção de alguns dos meus poemas favoritos, atualmente:

O último poema do último príncipe

Era capaz de atravessar a cidade em bicicleta só para te ver dançar.

E isso
diz muito sobre minha caixa torácica

- Matilde Campilho

Tiranias

antigamente
diziam: cuidado,
as paredes têm ouvidos

então
falávamos baixo
nos policiávamos

hoje
as coisas mudaram
os ouvidos têm paredes

de nada
adianta
gritar

 - Rui Proença


Dualismo

Não és bom, nem és mau: és triste e humano...
Vives ansiando, em maldições e preces,
Como se, a arder, no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano.

Pobre, no bem como no mal, padeces;
E, rolando num vórtice vesano,
Oscilas entre a crença e o desengano,
Entre esperanças e desinteresses.

Capaz de horrores e de ações sublimes,
Não ficas das virtudes satisfeito,
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:

E, no perpétuo ideal que te devora,
Residem juntamente no teu peito
Um demônio que ruge e um deus que chora.

- Olavo Bilac (1919)

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Ansiedade

  Você se surpreendeu, amou naquele tempo e espaço, como se fosse viver ali para sempre, sem uma pista sequer da duração do seu sorriso. A felicidade é assim, algo sempre inesperado, não tem hora certa para começar ou acabar, e não há razão de racionalizá-la demais.

 Abrace esse ritmo lento do tempo, quando estiver em um momento especial, com toda a sua integralidade, sem alarde. Deguste o doce sabor da vida, perceba como ela é generosa, intensa, uma experiência sempre única, e como é um verdadeiro milagre poder apreciá-la conscientemente.

 Aproveite esses instantes bons, não de forma a decorá-los e encaixotá-los em seu cérebro, como futuras fontes de nostalgia, ou mesmo porque eles irão se desfazer num segundo ou dois, mas porque esses momentos te fazem sentir, genuinamente, a alegria de ser humano, de se ter o sangue correndo nas veias e todas as sensações abstratas inclusas nisso.

 Não há arrependimento em se estar completamente presente.

 Acorde e sinta a vida.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Os sonhos que não realizei

   Fico aqui tentando criar hipóteses, sofrendo imaginariamente com todas elas. Será que existem realidades alternativas? Talvez em uma delas as coisas tenham dado certo, ou talvez, em alguma delas, eu teria tudo. Tudo o que eu quero seria meu, estaria ao alcance das minhas mãos. Finalmente! Finalmente!

  Mas do que adianta me perder nesses pensamentos? O meu mundo é esse, e a minha vida é essa, e nada, absolutamente, poderá mudar as consequências das escolhas pessoais que me trouxeram até onde estou hoje.

 Existem coisas que não dariam certo, mesmo se a realidade toda fosse chacoalhada como um pano velho ou que os multiversos se colidissem. Não adianta insistir, as coisas nem sempre nos são favoráveis.

 É normal que nossos sonhos sejam afunilados ou até fuzilados, durante o nosso tempo de crescimento. É uma tortura lidar com essa frustração de não alcançar tudo, eu sei bem, mas não há como crescer confortavelmente. A realidade é dura assim, e não há atalhos. Temos que lutar, porque a alternativa é bem pior que isso.

  Sorte sermos humanos, sorte que a adaptação faz parte da nossa natureza. Caso contrário, ficaríamos parados em choque no primeiro sinal de que a carreira como astronauta fashionista não decolaria.

  A vida perfeita não existe, os planetas não se alinharão. E isso é ótimo.

 É ótimo porque você pode alcançar a vida boa, numa boa, bem tranquilamente, relax e sem estresse. Imagina só se tivesse tudo que almeja de uma vez só? Ia ficar sem rumo! Teria que encaixar todas as profissões que a Barbie já teve, nas 24h do dia - e ainda lidar com a falta de privacidade que advém da fama mundial como atriz.

 Você vai descobrir que realizar sonhos não é sinônimo de felicidade. Que ter tudo não quer dizer muita coisa. Por experiência pessoal, concluí que talvez falhar nos leve a conseguir as coisas que precisamos muitas vezes sem perceber.

  Nem sempre conseguimos o que queremos, grande coisa!

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Taman shud, a assombrosa trajetória dos astros e Omar Khayyam

  Eu tinha muito tempo livre no meu primeiro emprego, além de acesso limitado à internet. Um dos poucos sites permitidos no ambiente de trabalho era o Wikipédia - e eu ficava presar nesse site, lendo diversos "mistérios inexplicáveis" por horas a fio, e numa dessas, li sobre o caso Taman Shud

  
"Caso Taman Shud, também conhecido como o "Mistério do Homem de Somerton", é um inquérito criminal não solucionado acerca de um homem não identificado encontrado morto às 06:30 da manhã de 1 de dezembro de 1948 na praia de Somerton em AdelaideAustrália."


  Durante o inquérito policial aberto para apurar a morte desse homem (que até hoje não foi identificado), encontraram um pedaço de papel onde constava as palavras "Taman Shud". 

  Depois disso, especialistas foram convocados para interpretarem o significado da frase, e eles concluíram que ela significa "fim" ou "terminado". Além disso, descobriram que o papel tinha sido arrancado do livro de poemas denominado "Os Rubaiyat", escrito pelo persa Omar Khayyam.
  Omar Khayyam era poeta, matemático e astrônomo, que viveu entre 1040 e 1120 d.C, e escreveu livros importantes sobre álgebra e poesia. Ele era islâmico, mas tinha uma visão diferente sobre Deus - para ele, havia um ser superior, no entanto, ele acreditava que os fenômenos e acontecimentos não eram resultado de sua intervenção divina, mas das concretas leis da natureza. 

  Lendo tudo isso, me peguei mais curiosa por Omar Khayyam do que pelo "Caso Taman Shud", e fui atrás de ler o livro de poemas "Os Rubaiyat" (até porque eu não entenderia nada sobre o livro dele que aborda as ciências exatas).

  Descobri que "Os Rubaiyat" é uma métrica de poemas, e que essa coletânea foi batizada assim por Edward Fitzgerald, responsável pela tradução e subsequente fama desses escritos.




  Sou apaixonada por poemas, e temos a sorte de possuir o livro disponível gratuitamente, em português, nesse link aqui.

   Li boa parte dos poemas traduzidos pelos escritores Fernando Pessoa e Alfredo Braga - este último criticou algumas das traduções feitas e argumentou que nenhuma delas é 100% fiel ao persa, considerando que elas sempre carregam as perspectivas pessoais de cada um dos autores.

  Para Braga, é necessário analisar o autor, antes de traduzir a obra, e na introdução do livro, ele tentou decifrar quem é Omar Khayyam e como seria o estilo de escrita deste último, se falasse português: 


"Um homem erudito e sofisticado, que sabe da assombrosa trajetória dos astros, da pureza da rigorosa geometria, e da elegante álgebra, que percebe a inconseqüente soberba dos homens sábios (e a dos outros) e caminha entre rosas, tulipas, lindas mulheres e finos vinhos, provavelmente não ia se entregar a tão imponente singeleza para falar do último gesto, daquele ato inelutável de um outro crepúsculo"


 Khayyam teria uma escrita, portanto, "pontual, concisa e elegante", sem floreios, como muitas das traduções feitas.

  

99. Quando eu não mais viver, não haverá mais rosas,
nem lábios vermelhos, nem vinhos perfumados;
não haverá auroras, nem amores, nem penas:
o Universo terá acabado, pois ele é o meu
pensamento.


109. Homem ingênuo, pensas que és sábio
e estás sufocado entre os dois infinitos 
do passado e do futuro. Não podes sair.
Bebe, e esquece a tua impotência.


  Mas como dito anteriormente, apesar de muito questionar a religião, Khayyam ainda acreditava em Deus, no entanto, assim como interpretou Nietszche em "O anticristo", séculos mais tarde, essa existência não abarca a vida após a morte. Para ele, Deus criou a vida, mas não a vida eterna:


79. Não terás paz na terra, e é tolice acreditar
no repouso eterno. Depois da morte
teu sono será breve: renascerás na erva
que será pisada, ou na flor que murchará.


89. Somos os peões deste jogo do xadrez
que Deus trama. Ele nos move, lança-nos 
uns contra os outros, nos desloca, e depois 
nos recolhe, um a um, à Caixa do Nada.


  Apesar de tanto questionar o universo, Khayyam não quis questionar a razão de sua existência, e fiquei na dúvida se foi por cansaço ou se foi por saber, de antemão, que não havia uma:


83. Não pedi para nascer. Recebo, sem espanto ou ira,
o que a vida me entrega. Um dia hei de partir; 
não me importa saber qual o motivo
da minha misteriosa passagem pelo mundo.


  Khayyam também escreveu sobre o amor e muito sobre o vinho. Pelo que percebi, o amor e a embriaguez (um dos poucos entretenimentos da época), seriam sua rota de fuga das suas crises existenciais.


91. O amor que não consome, não é amor;
a brasa tem o mesmo calor de uma fogueira?
Aquele que ama, pelas noites e dias,
vai se consumindo no prazer e na dor.

93. O vinho dá-te o calor que não tens;
suaviza o jugo do passado e te alivia
das brumas do futuro; inunda-te de luz
e te liberta desta prisão.


 Para lidar com as frustrações, Khayyam, que escreveu os poemas quando já passava dos 70 anos de idade, deu um conselho que devemos seguir à risca: viver enquanto estivermos vivos:


78. Sente todos os perfumes, todas as cores,
todas as músicas; ama todas as mulheres.
Lembra-te que a vida é breve e que breve voltarás ao pó.


 Lendo os poemas do livro, me tocou muito o fato de Khayyam, criado numa época com pouco acesso a informações, um homem das ciências exatas, de uma religião muito provavelmente limitadora, antagônica ao concreto, à filosofia e à ciência (como a grande maioria das religiões), contestar sua mortalidade... Um homem de novecentos anos atrás fez o que muitos se negam a fazer nessa era de informação - ele olhou para o céu, e contemplou as estrelas, e pensou na sua morte e na passagem do tempo, e se permitiu sentir fascínio e medo, sem recorrer às explicações floreadas, revestidas de uma confortável "verdade divina".

 Quero morrer, como ele morreu, sabendo do meu inevitável fim e usando essa informação ao meu favor. Aproveitarei meus dias até que eles acabem - mas sem a exorbitante quantidade de vinho recomendada por Khayyam, até porque meu fígado não aguentaria mais 70 anos nesse ritmo.

Ces't la vie!

Taman shud.

sábado, 9 de novembro de 2019

Bloqueio

 Depois de horas nesse jogo de digitar, apagar e reescrever, vou jogando uma palavra após a outra e torcendo pra que a reunião delas forme um contexto e que esse contexto tenha qualquer sentido minimamente palatável. 

 Quando não quero escrever, desenhar ou produzir, os rabiscos se encaixam com desgosto, concluindo-se sem começo e iniciando-se sem fim.

 Para dar recheio nesse bolo de frustrações, procuro pelos sinônimos com o maior número de caracteres, os mais complexos possíveis - é um tanto vergonhoso.

 E desse jeito desastrado, vou escrevendo e escrevendo, com muita preguiça, semicerrando os olhos, e enchendo a tela de símbolos estranhos, que somente se assemelham a algo que integraria a língua pátria.

 Bloqueios mentais devem ter suas existências respeitadas, concluo.


segunda-feira, 4 de novembro de 2019

O amor é brega

  Não adianta mais fugir de certas coisas, e talvez lhe escrever essa furdunça emaranhada e cheia de estranheza, as faça se resolverem de alguma forma misteriosa. Só preciso achar o fio da meada.

  Meu bom deus, o nervoso toma conta, mas tenho que começar de algum lugar: Bom... Ok, Certo, Vamos lá, Tudo bem, Tudo certo, Partiu, Adiante. Tá bom... acho que esse parágrafo inteiro é feito enrolação para não dizer o que tem que ser dito. Mea culpa! Mas como é difícil esse troço de se abrir.

  Bora, pois é aqui que tá o tal fio da meada:

  Acho que a paixão é um lero-lero desnecessário, que me pegou de supetão, e se imbromou nesse meu corpo, sem dó, nem piedade. E é por causa dessa joça que tô aqui - e em tudo quanto é ombro - chorando as pitangas. 

  É bobo o quanto sua presença me arrepia a pele, o quanto faz meu rosto avermelhar inteiro. Me deixa sem eira nem beira, dilata minhas pupilas e me faz ficar molenga...molenga, igual pudim no ponto. 

   A culpa ou é toda sua por colocar as belezas nos olhos de quem vê, ou é de deus que te criou assim, com tudo no jeito pra me fazer suspirar de um lado pro outro. Seja lá de quem for a culpa, eu tô arrastando minha asa por você, meu dengo. E tudo que queria era umzinho só chamego seu. 

  Ai, ai... tô que fico ouvindo a rádio, e qualquer músiquinha me deixa meio assim. Puxando aqui da memória, acho que pensei em nós dois juntinhos mais de mil vezes, só hoje, e meu riso fica tão frouxo que nem sei.

E sem pensar duas vezes, o sentimento cresceu todo destrambelhado no meu peito. E foi me atrapalhando a rotina toda. O amor, esse intruso, se assanha na minha voz, me fazendo dar com a língua nos dentes, em toda santa vez que tocam no seu nome. 

 Mas ao contrário da minha malemolência, o tal do amor é doce, mas não é mole não. Me deixa numa agonia danada, que só deus na causa!

  Se me pedirem pra explicar, a paixonite é uma mistureba de sentimento que faz o coração fica ora amuado, ora explodindo em alegria. Tem altos e baixos demais, que deixa a gente com o estômago embrulhado.

  Amar é trouxa, um saco sem fundo! E tudo quanto é coisa que cê apronta, mais parece um indício de que essa baboseira toda não é só coisa do meu coração. Ai meu pai, só faço é me obcecar. Quanto mais afasto o pensamento, mais ele se aprochega. 

    Fico sem jeito de sentir todo esse sentimento que tá descrito aí, e olha que procurei resposta em tudo quanto é canto. Um dia, com a benção do senhor (!), paro de me avoar tanto assim, e volto a ficar com o pé no chão, sem  azucrinação na cabeça.

 Até lá, vou ficando na minha, com um parafuso a menos.

  


terça-feira, 29 de outubro de 2019

Deixe ver seus olhos, Capitu

" Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saia delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve. A eternidade tem as suas pêndulas; nem por não acabar nunca deixa de querer saber a duração das felicidades e dos suplícios. Há de dobrar o gozo aos bem-aventurados do céu conhecer a soma dos tormentos que já terão padecido no inferno aos seus inimigos; assim também a quantidade de delícias que terão gozado no céu os seus desafetos aumentará as dores aos condenados do inferno."


Dom Casmurro: Capítulo XXXII - Olhos de Ressaca

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Lembre

  Perpetua-se em nosso cérebro, sem qualquer consentimento, essa tentativa dolorosa de reviver o que já foi vivido. 

  Com insistência e pouca qualidade, as sinapses reproduzem palavras que deixaram de ecoar, sons que cessaram, imagens sem estática. Criam alternativas, saídas mágicas, cenários demasiadamente favoráveis, expondo ao corpo, desarrazoadamente, a sentimentos.

  E tudo não se passa de traços de memórias, indícios imaginários de objetos que não estão mais ali. Espaços vazios, onde antes havia calor. Realidades terminantemente imutáveis.

  Lembrar é uma parte agridoce da existência. 

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Aguarde

  Você pensou que no dia 03 de setembro estaria assim? Que seu corpo estaria caído no lar vazio e que seu sangue escorreria, vermelho vivo, pelas rachaduras do piso do quarto?
  Quando você era somente uma criança, rodeada por pessoas que te amavam, feliz e ignorante em relação ao mundo, doce e inocente, passou-se pela sua mente que seu destino seria um futuro rodeado pela dor, pela solidão e pela tristeza? Que sentiria uma dor escruciante e profunda, tão profunda, que te faria tirar a própria vida?
  Com que idade você começou a se sentir isolado, infeliz e sem propósitos? Qual foi o primeiro momento em que a ideia de que uma arma apontada pro seu crânio seria uma solução, se desenrolou no seu precioso, único e incrível cérebro?
  Mas seus olhos passaram a usar as lentes da tristeza e começaram a ver tudo como um buraco sem entrada ou saída. 
  Toda bondade era mal vista, todo tempo tranquilo era suspeito e toda raiva, angústia e ansiedade se acumularam por causa da vergonha de esvaziar a alma.
  Se você tivesse esperado dez minutos para apertar o gatilho, teria visto que a pessoa com quem mais se importava, a fonte dos seus sorrisos, teria voltado, teria desistido de desistir e estaria à porta da sua casa, pronta para recomeçar.
 Se tivesse esperado mais quinze minutos, choraria, mas agora de felicidade, e conversaria por longas horas, tirando toda a dor do peito.
 E se esperasse mais um dia, teria rido, como nunca antes, de uma piada idiota, contada por um amigo que te procurou por estar com saudade da sua amizade.
 Se esperasse uma semana, receberia notícias maravilhosas e muito aguardadas.
 Mais um pouco de tempo, e aprenderia a lidar com as frustrações, tornaria-se mais saudável, reformaria o que havia sido destruído e construiria muitas coisas que haviam sido antes postergadas.
 Se tivesse esperado. 
 Se apenas tivesse esperado.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Ponto final

 É uma dor muito grande existir, principalmente sabendo que a existência é completamente desnecessária pra mim, pro meu mundo e pro caos do universo.
 Falo demais, sinto demais. Repito as histórias. Inflamo o ouvido dos outros sem intenção com extrema frequência. Ocupo a privacidade alheia com os meus devaneios idiotas, com as minhas trapalhadas e meus exageros. Minhas personalidade é grande demais. Ela lota.
 Pensar em voltar pra inexistência (esse vazio de que viemos e para onde vamos) me atormenta dia e noite, o tempo inteiro. Por isso não sumi comigo antes.
 Eu não quero morrer. Mas vou derrubar a banqueta e quebrar meu pescoço naquele lenço verde, que costumo amarrar na janela do quarto, nos piores dias.
 Partir é sempre assim, dramático. Cheio de superlativos e apelações. É difícil, dificílimo. Quando menos se espera os pés se fixam no chão, cessando a asfixia. A mão larga o gatilho. A faca desencosta do pulso. E tudo que resta é um alívio puramente biológico, não mental. 
 A dor segue a passos largos, sempre em frente, mais e mais resistente.

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Filme adolescente e Epicurismo

 As vantagens de ser invisível (2012) é um filme, adaptado de um livro de mesmo nome, do autor  Stephen Chbosky. A história gira em torno "das cartas de Charlie, um adolescente de quem pouco se sabe – a não ser pelo que ele conta ao amigo nessas correspondências –, que vive entre a apatia e o entusiasmo, tateando territórios inexplorados, encurralado entre o desejo de viver a própria vida e ao mesmo tempo fugir dela".

Assisti somente ao filme, e uma cena me chamou a atenção - um monólogo do personagem principal, sobre "estar vivo", enquanto andava em um carro, com os amigos:




Sei que tudo isso não passará de histórias. E que nossas imagens se tornarão fotografias antigas. Todos nos tornaremos pais de alguém. Mas, nesse momento, estes momentos não são só histórias. Isto está acontecendo. Estou aqui, e estou olhando para ela. E ela é tão linda. Consigo enxergar. E é neste momento que você sabe que não é uma história triste. Você está vivo. Você se levanta e vê as luzes nos prédios e tudo que faz você se perguntar. Está ouvindo aquela música, naquele passeio, com as pessoas que mais ama neste mundo. E, neste momento, eu juro… SOMOS INFINITOS.



   Esse monólogo tocou, e muito, o jovem coração ateísta, do meu eu adolescente de 17 anos que assistiu esse filme em 2012. Da adolescente que passava 28h das 24h do dia, sentindo o tempo escorrendo entre os dedos, o incessante medo da morte. O texto me lembrou que, enquanto estamos vivos, temos o privilégio de sentir todos os tipos de sensações, podemos experimentar, questionar, nos revoltarmos, mudarmos. 

E mais tarde na vida, encontrei tal filosofia, bem melhor discorrida, nos livros, em especial em um chamado "Carta sobre a felicidade (A Meneceu)", do filósofo Epicuro de Samos, que adquiri em um sebo, em Curitiba.

 A "carta" foi escrita por Epicuro a um de seus discípulos, e versa sobre a conduta humana e como alcançar a "saúde do espírito". Ao contrário do que se encontra em filósofos modernos, que são mais "niilistas", Epicuro acreditava que o exercício da filosofia teria como única meta tornar feliz o homem que a pratica, e através dela logrará-se perder, totalmente, o medo da morte, aliviando, assim os sofrimentos, alcançando-se o prazer de viver.

"Enquanto sou a morte não é, quando eu não for, a morte será". 

  Para o filósofo, que refletiu sobre o fim da existência há mais de 200 anos a.C., os momentos devem ser carinhosamente experienciados, afirmava, ainda, que não havia vantagem na vida eterna, uma vez que o importante não é a duração da vida, mas a qualidade da vida. 

  Nessa mesma carta, são detalhadas diversas instruções de como se obter a paz, dentre elas, a de controlar o prazer, que não deve ser buscado indiscriminadamente, pois poderá resultar em dor; do mesmo modo, a de sofrer a dor, pois ela poderá resultar em prazer:


"(...) a prudência é o princípio e o supremo bem, razão pela qual ela é mais preciosa do que a própria filosofia; é dela que originaram todas as demais virtudes; é ela que nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, beleza e justiça, e que não existe prudência, beleza e justiça sem felicidade. (Cartas sobre a Felicidade. p. 45)"

  Enquanto estivermos vivos, a morte não existirá, então não há razão para temer o que não existe - e nesses deliciosos momentos da existência, aproveitados com qualidade, experienciamos o prazer do infinito em um só minuto. 

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

A música

 De onde surgiu a melodia? Quando terá sido a primeira vez em que um barulho foi alinhado de tal forma, que rearranjou-se em uma canção? Talvez nossos ancestrais a tenha a utilizado como ritual aos deuses, aos céus, ao submundo, e daí pra frente, foi sendo ela apropriada, aos gostos e desprazeres.

  E durante as eras, foi mudando as formas, cuidadosamente, descuidadosamente,  sendo censurada ou impelida, pelo autoritarismo das sociedades modernas, pelas tradições ou pela imprevisibilidade das revoluções.

 E os humanos ainda costuraram os poemas aos ritmos, e tantos outros mais foram capturados por essa estranha junção artística! E a música perdura, em maior ou menor grau de complexidade musical, tornando-se tão sólida e grandiosa, ao ponto de ser industrializada. 

  No entanto, ao menos por ora, não me importam os críticos ou as qualidades, mas sim a beleza dos sons, entrando em nossos ouvidos, através de curiosas ondas invisíveis, que de forma quase literal, tocam os sentimentos mais subjetivos que habitam nossos cérebros, que se escondem em nossos inconscientes, decodificando os desejos. 

 Como essa maravilha caótica foi transformando a crua anatomia de nossos ouvidos em mágica? 

 Um olhar, um toque, quando a música é acertadamente inserida em uma película, transforma a simples passagem de imagens e roteiros, em um filme.

  A chuva não é só chuva, quando envolvida pela harmonia dos sons. 

 Ela traduz o cotidiano para o magnífico, induzindo nossos comportamentos, dos animalescos aos rebeldes, dos amorosos aos ímpios. Conecta as almas, penetra nossas memórias. Transforma o ordinário em épico, com alguns poucos acordes.

 Me fazem pensar em você, no mundo ou na morte. 

 E tudo se torna mais importante do que realmente é.

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Encontro fatal

   Por um acidente que nos conhecemos.
   Num domingo chuvoso, com pista escorregadia. Eu dirigia para o sul e você para o norte, ambos ignorantes quanto a existência um do outro, desacreditados do amor. 
  Minha vida sempre foi monótona e me pergunto se a sua era assim também. Eu tinha acabado de sair de um relacionamento de anos há alguns meses e estava a procura de algum aconchego, mas, sabe... os tempos estavam complicados para os carentes do coração. 
   E refletindo sobre as dores que cortavam minha alma, me distraí dos tormentos da realidade. E foi aí, no meio da estrada: BUM! 
    Nos chocamos de frente!
   Seu doce rosto apresentou um rubor inocente, e as gotas frias de água se engendraram, gloriosamente, entre suas rugas de receio. Elas reluziram na sua  bela pele, a luz das sirenes, como se ali houvessem milhares e milhares de estrelas a serem contempladas. Um universo inteiro de sóis!
   Ah, se minha caixa torácica estivesse aberta por outro motivo, com certeza teria sido por você.
    Foi através do para-brisa, que nesse ponto já estava todo rachado, que nossos olhares se encontraram. Nunca achei que sentiria algo tão intenso, tão puro como o amor. Sublime amor! – e era esse tipo de emoção estrondosa que sempre faltou em mim, que eu não tive com qualquer outro.
   Infelizmente, agora, minha consciência está se esvaindo e você já está sangrando até demais para estar vivo. Talvez um traumatismo craniano? Não sei… mas em cima do motor do seu carro, num solavanco gravitacional, aproximamos nossos corpos, apaixonadamente, pela nossa primeira e última vez.
   Nosso encontro foi fatal.

Pontualíssimo

  Com os olhos atentos, através do reflexo da complexa máquina, onde se lia apenas "ou seu dinheiro de volta", ele olhou o calendário: 13:50 horas. Domingo.
    Ansioso, inspirou coragem para si, depositou os ienes e adentrou no aparelho.
  O bip-bip das engrenagens reverberava dentro daquele grande recipiente de lata, quando sentiu uma súbita náusea e se controlou para manter o café da manhã dentro de si. Como sabia das reações naturais humanas, consolou-se com auto-ajuda: "Eu posso, eu consigo" e engoliu em seco.
 
 
   Sim, ele sabia que nunca mais seria o mesmo, que mudaria completamente, que assumiria a forma a que toda a vida se destinava a assumir, mas isso não era motivo plausível para agir contrário a sua filosofia, aos seus métodos. Logo, por qual razão esperar?
 
 
  Por todo o tempo em que viveu se adiantou, fosse uma prova de escola ou um casamento. Era assim e pronto. Adiantado. Ser adiantado é ser lógico, e esperar é agonizante e não civilizado. Foi com intolerância que entendeu, ao longo dos anos, o porquê dos atrasos das demais pessoas, tendo concluído que estas eram ignóbeis irresponsáveis e incuráveis, e por isso sempre agiu com mão de ferro para com toda e qualquer pessoa que cruzou seu caminho.
 
 
  Um incômodo lhe cortou a reflexão: Se lembrou que não adiantou toda a papelada necessária. Irritou-se ao recordar que, no dia em que ela deveria ter sido resolvida, ocupou-se, até tarde, com a demissão de alguns irresponsáveis, que se atrasaram devido a uma "catástrofe" "ambiental" "sem precedentes". Como pôde cometer tal negligência? Nem ele soube!
 
   Não queria que qualquer um de seus funcionários desajeitados escolhessem seu epitáfio ou a cor do mármore lápide. Passou por sua mente que eles ficariam tempo demais abismados com a morte para tomarem qualquer providência. Diante disso, montou um plano audacioso, arriscado, nunca antes realizado, e até um tanto antiético: resolveu adiar o que estava fazendo.
 
   Nervoso, ante as circunstância extraordinária, por um deslize dos dedos, apertou o botão "Prosseguir" ao invés do "Prosseguir vivendo".
 
 
 Foi enquanto pensava, desesperado, na decisão já tomada e em seu imediato destino, que um som que nunca antes passara por suas orelhas, rapidamente, o surpreendeu.
 
 
 Era o som de suas moléculas se desintegrando, uma por vez, limpando sua existência do mundo.
 
 
  Uma placa escrita "PRÓXIMO", em letras garrafais, brilhava em neon, do lado de fora da máquina, enquanto o motor esfriava.

sábado, 17 de agosto de 2019

Os Comandos Paradoxais


  Foi através de uma mentira que eu tive o prazer de conhecer os "Comandos Paradoxais". Mais especificamente, em um vídeo que mostrava imagens da atriz e cientista Hedy Lamarr, onde o narrador lia os comandos, em inglês, e os atribuía aquela, falsamente, a autoria do texto.


  Procurei na internet, e encontrei os tais comandos, mas dessa vez a atribuição da autoria estava, também falsamente atribuída, a Madre Teresa de Calcutá.

  No fim das contas, encontrei o autor do texto, e ele não tem nada de artista nem de santo.

  O autor Kent M. Keith, em 1968, foi o responsável por criar um curiosíssimo paradoxo, em seu livro denominado "The Silent Revolution". 

  Keith, que havia sido líder estudantil no colégio Roosevelt High School, em Honolulu, e bastante ativo nas lutas estudantis, direcionou seu livro a líderes estudantis de ensino médio, com o intuito de ensinar o significado de uma boa liderança.

  De acordo com o site oficial dos "Comandos Paradoxais", o livro foi escrito, partindo de uma presunção bastante audaciosa: a presunção de que a você se importa, verdadeiramente, com as outras pessoas, com o que elas pensam, como elas se sentem, o que elas precisam, e o que você pode fazer para ajudá-las. Para Keith, importar-se é uma grande característica de um bom líder.

  Para o autor, o grande desafio é sempre fazer o que é certo e o que é bom e verdadeiro, mesmo que você não seja apreciado por isso. Você deve se manter resiliente, a todo momento, caso contrário, muitas das coisas que precisam ser feitas no nosso mundo, nunca serão realizadas.

 Não ser valorizado pelas suas boas ações não deve ser um obstáculo, mas há uma outra situação, que é muito pior que a desvalorização: quando aqueles que estão sendo ajudados te atacam. É nessas horas que é necessário se manter mais firme em fazer o que é certo, é preciso se importar, e olhar os ataques pela perspectiva da compaixão. São nestes casos em que se nasce o paradoxo:

1. As pessoas são ilógicas, irracionais e egoístas. Ame-as, mesmo assim.
2. Se você fizer o bem, as pessoas suspeitarão de seus motivos interiores. Faça o bem mesmo assim.
3. Se você obtiver sucesso, ganhará falsos amigos e verdadeiros inimigos. Tenha sucesso mesmo assim.
4. O bem que você faz hoje, será esquecido amanhã. Faça o bem mesmo assim.
5. Honestidade e franqueza te fazem vulnerável. Seja honesto e franco mesmo assim.
6. Grandes homens com grandes ideais podem ser abatidos pelos menores homens com as menores mentes. Pense grande mesmo assim.
7. Pessoas beneficiam os desfavorecidos, mas só seguem os favorecidos. Lute pelos desfavorecidos mesmo assim.
8. O que você passa anos construindo, pode ruir em um dia. Construa mesmo assim.
9. Pessoas que realmente precisam de ajuda podem atacar quando você tentar ajudá-las. Ajude-as mesmo assim.
10. Dê ao mundo o seu melhor e você será chutado nos dentes. Dê ao mundo o seu melhor, mesmo assim.

  Seguir os comandos, é cansativo, dá nos nervos e é praticamente impossível. Mas se você trabalhar, com todo seu potencial para os atingir, não ficará arrependido. Afinal, você fez o melhor que pôde.

  O autor alerta que esses comandos não são destinados a santos ou mártires, mas a pessoas profundamente humanas, dispostas a serem líderes sensíveis.

  A atribuição do texto a Madre Teresa de Calcutá, se deve ao fato dela ter pendurado os "Comandos Paradoxais" em uma parede de um quarto em Calcutá, fato este que foi registrado em um livro de 1995, chamado "Mother Teresa: A simple Path". No caso, a internet acrescentou aos comandos da Madre Teresa a seguinte frase "A análise final será entre você e deus, nunca entre você e os outros" - o que contraria, ao meu ver, a ideia central dos comandos, acerca de altruísmo absoluto pregado pelo  verdadeiro autor da obra.



quarta-feira, 7 de agosto de 2019

O Questionário Proust

Fuçando aleatoriamente pela internet (quanta novidade!), encontrei um questionário com 35 perguntas, que ficou muito famoso quando o renomado escritor Marcel Proust o respondeu.

Esse questionário foi encontrado em 1924, e daí por diante foi respondido por muitas celebridades.




Pra não ficar de fora, também o respondi:


1.__Qual o seu ideal de felicidade perfeita?
Eu não tenho um ideal de felicidade perfeita. Se a felicidade fosse perfeita, eu não seria eu. Mas se for pra projetar um caminho de felicidade para eu percorrer e nunca atingir, escolho que a felicidade seja feita de mansidão.

__2.__Qual o seu maior medo?
A inexistência. Não a morte, nem a forma como será a morte. Mas a pura e simples inexistência.

__3.__Qual a característica que você mais deplora em si mesmo?
O meu comportamento autodestrutivo. Não concilio viver em paz comigo ou com o mundo. Suspeito de toda alegria. Sempre espero pelos momentos de dor.

__4.__Qual a característica que você mais deplora nos outros?
A terceirização de problemas pessoais. Se você se odeia, por qual razão precisa arrastar pessoas para seu ciclo de ódio?

__5.__Qual a pessoa viva você mais admira?
Não admiro alguém específico. Admiro qualquer pessoa que luta por ser alguém melhor.

__6.__Qual a sua maior extravagância?
Colocar uma roupa chamativa e uma maquiagem divertida, para sair e beber até o sol nascer, sem me importar com as coisas que me perturbam ou com o meu futuro.

__7.__Qual o seu estado mental atual?
Estou me segurando para não explodir em tristeza e desespero.

__8.__Qual virtude você considera mais superestimada?
Organização, justamente porque as pessoas ligam isso à eficiência e inteligência, quando essa virtude, na maioria das vezes, se limita a organização de objetos materiais.

__9.__Em qual ocasião você mente?
Sempre que eu acho necessário não magoar alguém.

__10.__O que você menos gosta na sua aparência?
Meu rosto masculinizado, definitivamente. Odeio meus traços faciais. Principalmente quando eu sorrio. É um encontro muito desastroso entre a ponta do nariz e os lábios superiores.

__11.__Qual a pessoa viva que você menos gosta?
O atual presente do Brasil. Uma besta ao quadrado.

__12.__Qual a qualidade que você mais gosta em um homem?
Expressões de curiosidade e de pensamentos profundos.

__13.__Qual a qualidade que você mais gosta em uma mulher?
Firmeza no que diz e em como age.

__14.__Quais palavras ou frases que você mais usa?
Diversas palavras de baixíssimo calão e, no meu âmago, sempre me lembro do começo do Soneto 19 de Shakespeare, em que se diz "Tempo voraz".

__15.__O que ou quem é o maior amor da sua vida?
A pessoa que eu estou agora. Que me acalma e que me passa uma certeza enorme de que me ama. 

_16.__Quando e onde você foi mais feliz?
Acho que sou mais feliz agora do que antes. Antes eu sofria sem entender, e me sentia sempre solitária e diferente das outras pessoas, nas minhas opiniões e questionamentos acerca do mundo. Hoje tenho companhia, o que faz com que eu me sinta parte dos terráqueos.

__17.__Qual talento você mais gostaria de ter?
Queria ter talento para as ciências exatas.

__18.__Se você pudesse mudar uma coisa em si mesmo, o que seria?
Meu quociente de inteligência (para cima, claro).

__19.__O que você considera como sendo sua maior realização?
Ter conseguido estudar, sem deixar o medo do fracasso me desestimular, por 06 meses, até passar na Ordem.

__20.__Se você fosse morrer e voltar como uma pessoa ou coisa, o que seria?
Eu seria uma pessoa, pois as "coisas" não possuem consciência de si, e eu adoro ter consciência. Eu iria querer ser uma Albert Einstein moderna.

__21.__Onde você gostaria de viver?
Em algum lugar calmo, com vista pro mar, mas próximo de uma grande metrópole. Isso combinaria com a minha ambiversão.

__22.__Qual o seu bem mais precioso?
O meu carro, porque é a única coisa de valor que eu tenho.

__23.__O que você entende como a mais baixa miséria?
A pobreza extrema aliada ao uso exacerbado de drogas. É uma morte em vida.

__24.__Qual a sua ocupação favorita?
Usar a minha criatividade com desenho, escrita e composição.

__25.__Qual a sua característica mais marcante?
Eu não sei, mas as pessoas costumam me chamar de "exótica".

__26.__O que você mais valoriza nos seus amigos?
Compreensão (empatia).

__27.__Quais são seus escritores favoritos?
Luiz Fernando Veríssimo, Douglas Adams, Terry Pratchett, Edgar Allan Poe, George Orwell, Arthur Schopenhauer, William Shakespeare, Machado de Assis, Vladmir Nobokov, Nietzche, Isaac Asimov e Foucault.

__28.__Qual é o seu herói fictício?
Rincewind.

__29.__Com qual figura histórica você mais se identifica?
Niccolo Machiaveli.

__30.__Quais são seus heróis da vida real?
Mr. Rogers, George Carlin, Carl Sagan, Leonardo DaVinci, Platão

__31.__Quais os seus nomes favoritos?
Paul, George, Ringo e John.

__32.__O que você mais odeia?
Ideologias. Odeio o fato de que é difícil não ficar preso a uma.

__33.__Qual o seu maior arrependimento?
Ter magoado uma pessoa importante.

__34.__Como você gostaria de morrer?
Repentinamente aos 120 anos de idade, mesmo sendo uma centenária extremamente ativa.

__35.__Qual o seu lema?
Não morrer até fazer algo pela humanidade.

 A parte interessante desses questionários pessoais, é que você não apenas se conhece mais, no momento presente, ao avaliar suas prioridades e percepções, como eles também funcionam como uma cápsula do tempo das suas infinitas metamorfoses.

 Talvez, daqui a dois anos, você sinta falta do passado, e as perguntas te ajudem a aliviar a saudade ou a te fazer crescer. Ou os dois. Sei lá. Não tô te impondo nada.

Faça. Salve. Conheça-se!

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Um dia da vida

Roupas, sapatos, perfumes e cosméticos. E tudo que eu faço para me distrair.
A maquiagem para passar em cima da carne dos olhos, da carne das bochechas e perto dos dentes, onde ficam os lábios.
As blusas de tecidos finos, comprados com folhas de papel, para cobrirem o meu frágil tronco, o tronco que envolve meu sistema nervoso e órgãos internos.
Os sapatos de pele de animais, produzidos em grande escala, vendidos como modelos exclusivos, para esquentarem o conjunto de ossos, pele e calos que são meus pés.
Perfumes fortes que disfarçam o cheiro exalado naturalmente por esse corpo que está constantemente em decomposição, desde que nasceu.
Os cosméticos para retirarem as secreções naturalmente produzidas pelos cabelos e pela face, para que retardem minhas inevitáveis rugas, manchas de sol, desengordurem a superfície do crânio e me afastem de tudo aquilo que me aproxima do pensamento de ser mortal.
Tudo comprado em até 12x sem juros e sem entrada, com um pedaço de plástico que faz circular valores que só existem no mundo virtual.
Plástico esse, conquistado com horas de vida gastas atrás de um retângulo feito de árvore cortada, em um local onde se senta o perfumado corpo, trajado com as vestes e sapatos e borrado com os cosméticos, seis vezes por semana, oito horas por dia.
E assim a medida de tempo idealizada e utilizada pela espécie humana é gasta. Se passam as 24h, 48h, cinco meses, oitenta anos. O corpo toma o curso natural de morrer, as roupas se rasgam e se perdem, os sapatos estragam, o perfume oxida e os cosméticos já não resolvem mais é nada.
É assim que se vive, nesse vida gloriosa que nunca realmente se inicia, que está sempre no final.

Aprisionados

Estão presos dentro de mim, pensamentos silenciosos, mais velozes que as minhas mãos, mais coloridos que as cores que meus estúpidos olhos humanos capturam. Pensamentos impronunciáveis, complexos demais para a simples composição cerebral a que tenho acesso.
Me entopem a garganta e contorcem o meu rosto. Aceleram minha pulsação e afogam meus olhos. Meus lábios se selam e minha frágil atenção se dissolve.
É uma doença a estupidez, impede o contato entre mim e eu mesma. Tudo o que faço é simular essas sinapses que se escondem tão fundo no meu inconsciente.
No intervalo, procuro ligar as palavras a uma sentença, os traços a um desenho e as tentativas (paliativas) a uma cura.

terça-feira, 16 de julho de 2019

Como agir de forma ética, segundo Immanuel Kant


"Age sempre de tal modo que o teu comportamento possa vir a ser princípio de uma lei universal." - Immanuel Kant



  Em tempos de extremismos e de justiças particulares, saber se está do "lado certo da história" é um dos questionamentos mais populares dos debates. É um tanto triste notar que é a isso que se resumiu, na última década, as complexas áreas da política, filosofia e ciência. 

  Nesse debate pífio, se perde a essência do que é ético, e todos os pormenores se diluem em um "espectro polarizado", em um jogão de domingo, regado à cerveja e insensatez. Não se debatem ideias individualmente, pelo contrário, colocam-as num saco e generalizam suas problemáticas em grupos, como que para não se perder tempo. Debate-se em 140 caracteres mal redigidos, assuntos que levaram mentes brilhantes a se debruçarem em livros por quase toda a vida - qual time será lembrado por possuir mais vitórias éticas: Palmeiras ou Corinthians?

  Numa década tão aflorada e tão revestida de certezas absolutas, é complexo encontrar textos que impõem calma, atenção e reflexão. E procurando por escritos assim, que me deparei com um tal de Immanuel Kant e suas opiniões sobre a ética:



“Não preciso pois de perspicácia de muito largo alcance para saber o que hei de fazer para que o meu querer seja moralmente bom. Inexperiente a respeito do curso das coisas do mundo, incapaz de prevenção em face dos acontecimentos que nele se venham a dar, basta que eu pergunte a mim mesmo: – podes tu querer também que a tua máxima se converta em lei universal? Se não podes, então deves rejeitá-la”. - Immanuel Kant



  Apesar de  ser uma reflexão antiga, por ironia, ela é revigorante. Ela é necessária aos tempos atuais, porque impõe certa responsabilidade moral às pessoas. A responsabilidade pelo próprio futuro e pela segurança de seu entorno, atinge o diálogo, implicando na individualização das ideias e na extinção de "pensamentos em lote".                                                                                                                     

Assim, antes de querer e lutar fervorosamente para subir no "trem da história" e deixar os "retrógrados para trás", é preciso saber se essa vitória foi ganha pela ética ou pela desarrazoada força bruta. É preciso tentar prever se essa vitória compensará a luta.