Um trafego afogado.
Ouvem as suas playlists com o vidro fechado para não serem incomodados.
Todos os veículos ligados e ansiosos para a abertura do sinal.
Precisam ir pro trabalho, para iniciar o serviço em suas salas pessoais, precisam levar os filhos ao professor particular. Precisam ir a academia treinar com o personal trainer. Precisam correr na esteira. Precisam voltar para casa.
O sinal abriu.
A casa foi arquitetada por um célebre profissional e decorada com os móveis mais populares da temporada.
Uma casa com cinco quartos conjugados com banheiro para uma família de três pessoas.
Duas cozinhas e duas salas, uma de tevê e outra de estar.
O sofá é de couro, as almofadas e os móveis foram feitos sob medida. A televisão é esteticamente agradável e é harmoniosa com o ambiente que a cerca. É a cabo e, se ligada, possui mais de 300 canais.
A visita pode se sentar nos dois sofás ou nas cadeiras almofadadas. A vista dá para os outros prédios. Este cômodo tem uma mesa de centro que custou R$ 2.000,00.
O telefone da sala de estar não está com as contas atrasadas, funciona perfeitamente, de última geração, mas está sujo de poeira.
A cozinha de visita e a de uso comum são limpas diariamente.
Um quarto, um teto, um banheiro, uma cama enorme para apenas um, sozinho, dormir em um lado.
Cidades feitas para individualistas. Estradas feitas para individualistas. Casas feitas para individualistas.
Às vezes chove, às vezes faz frio e o sol aparece, escaldante, com grande frequência. Nada disso é sentido por grande parte desses indivíduos.
Enquanto alguns estão envoltos em suas caixas de lata, outros se movem juntos, numa caixa grande de metal, com assentos sempre ocupados, com corredores lotados, por longas distâncias, para trabalhar em locais em que não há salas individuais.
Vivem amontoados nas filas do ônibus, do metrô, dos pontos de partida, das repartições do governo ou do hospital público. Interagem e interagem, quer queiram ou não.
Após a longa espera no engarrafamento, onde estão espremidos com mais 60 pessoas, param no ponto e caminham até suas residências. Exaustos.
A residência possui dois cômodos para seis pessoas.
A sala é conjugada com a cozinha e os quartos. O outro cômodo possui uma privada e um chuveiro.
Os móveis são escassos.
A casa está sempre vazia.
O intervalo de almoço acabou.
Voltam ao trajeto: ponto de ônibus, espera, interação não-voluntária, trabalho -intervalo- trabalho. Tudo isso fazem para mudar a própria realidade.
Desejam a vida que veem quando tem a sorte de sentar na janela do transporte público, que lhes é oferecida na propaganda que passa na tevê da loja de móveis, a caminho de casa. Não querem ir ou voltar dos mesmos lugares. Querem mudar a rota. Seguir outro caminho.
Muitos pensam isso enquanto entram na padaria para tomar o café para aguentar o dia.
Correm com seus guarda-chuvas, passam frio com o casaco velho e mancham a camisa de suor nos dias de sol intenso.
Existem aqueles, ainda, que não tem lugar pra ir.
Alguns vivem nos espaços vazios das vidas das pessoas. No intervalo entre a vitrine da padaria e da garagem do condomínio. Suas posses também não existem. Sentem o odor do trânsito e o calor das conversas do ponto de ônibus. O entra e sai dos comércios e dos prédios.
Nada esperam, nada almejam e não tem para onde voltar.
Em dias de frio, se resfriam, em dias de chuva, se molham e em dias de calor intenso, se queimam.
Estes se encontram apenas fisicamente vivos.
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