terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Soneto 19 de William Shakespeare

Tempo voraz, corta as garras do leão,

E faze a terra devorar sua doce prole;

Arranca os dentes afiados da feroz mandíbula do tigre,

E queima a eterna fênix em seu sangue;

Alegra e entristece as estações enquanto corres,

E ao vasto mundo e todos os seus gozos passageiros,

Faze aquilo que quiseres, Tempo fugaz;

Mas proíbo-te um crime ainda mais hediondo:

Ah, não marques com tuas horas a bela fronte do meu amor,
Nem traces ali as linhas com tua arcaica pena;


Permite que ele siga teu curso, imaculado,

Levado pela beleza que a todos sustém.

Embora sejas mau, velho Tempo, e apesar de teus erros,

Meu amor permanecerá jovem em meus versos.


Pensando na morte

Nas primeiras vezes em que pensei na morte após me tornar ateísta, entrei em mim de tal forma que achei que não havia mais caminho de volta. Meus pensamentos giravam em torno da rapidez da vida e me faziam imergir em terror e melancolia. Eu só conseguia me lembrar da época em que uma oração bastava para me acalmar e me colocar de volta aos trilhos.

Hoje, o pensamento de que a morte é inevitável, para mim, é como um pernilongo idiota. É assim que chamo minha crise existencial: pernilongo idiota. O canalha me assusta pra caramba quando zanza meu ouvido nos momentos mais inesperados. Não posso sequer ficar sozinha assistindo um filme, tranquila, com nutella que ele vem me incomodar, não posso ficar em silêncio olhando uma paisagem que ele já vem me lembrar que um dia não vou poder mais vê-la, que um dia sequer terei consciência de que a vi e pronto. Esse pernilongo não me deixa comer, me faz parar instantaneamente o que quer que esteja fazendo e não me permite ter o privilégio de dormir. São dias assim! Até meses!

O pernilongo, no auge de sua bondade, tenta me acalmar, vez ou outra, dizendo que a vida eterna seria exaustiva e degradante. Como se isso melhorasse qualquer coisa... idiota.

ENFIM, blábláblá, o maldito inseto já me incomodou o bastante e pra ele arranjei solução.

O repelente que uso hoje, que me deixa sã, foi descoberto à muito custo: futilidade. A futilidade me permite devanear em coisas não-existenciais, mantém meu peso dentro do IMC adequado, bem como deixa meu descanso passar da fase REM.

Se você estiver passando pelo mesmo, o meu conselho é que você ocupe sua mente com o que te faz dormir a noite. Pense na carro que você gostaria de ter, dos produtos caros que almeja, só não pense que a vida está sendo tirada de você e das pessoas que você ama a cada segundo desse texto. t

Tictactictac é a onomatopeia encrustada na sua mente? Relaxe! Pense naquela blusa cara que passa do limite do seu cartão, pense em como pagá-la, pense em coisas terrenas.

O problema é que descobri apenas um repelente, quer dizer, o inseto não vai morrer com ele, sabe? Acredito que a única forma dele sumir seja lobotomia, mas é com pesar que eu te informo que se você tenta exterminá-lo ele voltará mais forte.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Poema do dia: O Segundo Advento

Girando e girando em voltas mais amplas
O falcão não pode ouvir o falcoeiro;
As coisas se desfazem; não se mantém o centro;
Pura anarquia espalha-se mundo adentro,

A maré obscurecida de sangue se espalha, e em todo lugar
A cerimônia da inocência é afogada;
Aos melhores falta toda convicção, e os piores
Estão cheios de intensidade apaixonada.

Certamente alguma revelação está próxima;
Certamente o Segundo Advento está próximo.
O Segundo Advento! Mal proferidas estas palavras
Quando uma vasta imagem vinda do Spiritus Mundi

Ofusca minha visão: nalgum lugar, nas areias do deserto
Uma forma com corpo de leão e cabeça de homem,
Um olhar fixo e impiedoso como o sol
Está movendo as lentas coxas, enquanto sobre ela
Oscilam sombras de pássaros do deserto indignados.

A escuridão cai novamente; mas agora sei
Que vinte séculos dum sono profundo
Irromperam-se em pesadelo por um berço oscilante.
E a besta fera, sua hora enfim chegada,
Se arrasta até Belém para nascer?



Infos: Poema escrito pelo irlandês William Butler Yets em 1919, após o final da Primeira Guerra Mundial.